Como ando sempre em Marte, só dei conta deste disco ontem.
Passou-me ao lado todo o rebuliço e marketing feitos o ano passado à volta deste CD mas, se percebesse do aspecto técnico da música, teria todo o gosto em fazer uma resenha ao álbum e aos instrumentos usados, participações especiais e quejandos, ainda agora.
Deixa-me só frisar que o senhor Peter Bjärgö dos Arcana anda por lá.
Mais um sueco de uma banda sueca que admiro e gosto muito.
Cheguei a este Redefining Darkness através do, já nestas páginas citado, Lots of Girls are Gonna Get Hurt e, a minha primeira reacção a esse, Lots of Girls are Gonna Get Hurt, foi sorrir, sorrir como se o disco fosse uma private joke entre a banda e os ouvintes, depois… depois deixei-me arrebatar pelo quão bom e melódico ele realmente se revelou.
Agora percebo a razão pela qual montes de mocinhas se iriam sentir ofendidas, essas mocinhas são nada mais, nada menos do que os trves com quem o Niklas gosta de trollar e fez efeito, porque brotaram Marias queixosas por todo o lado.
É claro que também a mim me apanhou desprevenida e surpreendida mas pela audácia, pelo sentido de humor e pela qualidade.
E pronto, foi graças a esse disco de versões que os voltei a ouvir, porque desde os tempos do The Eerie Cold e do Halmstad que os deixei à deriva neste mar meu.
Não tive tempo para experimentar o que andou pelo meio e aterrei neste, que clama redefinir a escuridão.
Por entre este singular caudal musical, a banda que mais gostava e que mais andava comigo ao colo, eram os também suecos Lifelover.
(deve existir qualquer coisa na água da Suécia, deve haver mesmo.
Pop up, pop up e pop up …)
Não eram repetitivos, eram excitantes, misantropos e dotados de um humor negro de veludo.
Os trechos de canções infantis e tradicionais, as recitações ou partes faladas, a mistura de Black Metal, Post Punk ou Dark Ambient que caíam que nem uma luva no meu gosto musical, porque sim, tudo tem de ter um motivo, uma pungência, "não dás ponto sem nó" dizem-me muitas vezes, ah pois não dou. Como diria a Senhora de Negro se o cabelo estiver despenteado estará, com certeza, deliberadamente despenteado.
O paradoxo da rapariga que reverencia a Natureza e o natural mas que gosta do ritual de preparação… pois, não sei explicar, poderia dizer que é uma de mim e outra de mim: a de cima, mas responder-te-ei que não sei e é mesmo assim.
Foram estes gajos que, há uns tempos, me arrastaram para o DSBM mas, depois, como o B. morreu, foram-se embora e fiquei órfã, há outras bandas claro, há muitas mas a maior parte é demasiado linear, ou demasiado ortodoxa, ou simplesmente não me cai nas graças, olhe-se os portugueses Inverno Eterno, até trechos do Mário de Sá-Carneiro usam mas até agora não aconteceu nada entre mim e eles.
Os Lifelover foram amor à primeira vista, misturavam dor e melancolia e humor e podridão e elegância e sedução e desespero e melodia com uma mestria assinalável.
Os Shining… os Shining são feitos da mesma cepa e este novo álbum prova tudo isso com a maior das multitudes.
Geralmente, não sou apologista do argumento: «ah e tal, uma banda tem de evoluir» porque quando lês ou ouves isso, o cd é normalmente uma merda, ou completamente descaracterizado ou então venderam-se à puta mas também não gosto de estar a ouvir sempre a mesma coisa, como se a música não fosse arte e não precisasse de desafiar o receptor, como se o pessoal fosse papar tudo, sem ganhar nada com isso.
Eu quero desafio, alargar de cercanias, evolução mas evolução sentida e natural.
Por exemplo, os Anathema.
Os Anathema evoluíram naturalmente, os novos álbuns têm a mesma força que o Silent Enigma, por exemplo, com a ressalva de agora terem a esperança como base e não a agonia do passado, a melancolia continua lá mas ganhou esperança.
Pode-se preferir uma ou outra fase mas não se pode dizer que ficaram estacados ou presos à fórmula.
Já o último dos Katatonia… não é um mau álbum mas não é cativante, nem diferente, não deram o passo seguinte, soa-me ao mesmo mas com a desvantagem de já não existir ali uma Soil’s song ou a surpresa que ela causou.
Este Redefining Darkness já não tem medo de alagar tudo e de saltar para outro barco e sim eu sei que o Kvarforth é um Show-man mas isto de dar um passo em falso pode matar o artista, é por isso que ele deu os passos todos até saber que estava em terreno firme para começar a trilhar diferentes caminhos, não que ele já não tivesse usado vocais limpos ou outros instrumentos no passado mas, desta vez, dá a sensação de que há liberdade em tudo.
Há berros gorgolejantes, há súplicas ao Deus do plano inferior, há saxofone, há spoken word em espanhol:
Estás en la bañera, rodeada de espuma, y extiendes el brazo... y con una cuchilla, despacio... dibujas un surco en tu muñeca... una rosa de sangre perfecta por donde se sale tu vida, desorientada... abrazas la muerte como un consuelo, y finalmente... descansas.
Há guitarra acústica, que me faz lembrar viola ou até guitarra portuguesa, há piano desolado, há baixo delicioso (meio glam diria), há bateria que inunda, epicamente, a base sonora sob a qual a canção é construída.
Há muito imponência.
Por aqui e por ali até me fazem lembrar dos supramencionados Katatonia, aquela profusão de som coroada por uma voz limpa e lamentosa.
Há sussurros também… e há temas em inglês, continuam a ser seis como sempre, mas desta feita, três deles são em inglês, não que isso me desanime porque estão bem escritos e por vezes até jocosos:
Father... who art not in heaven
Hear my cries of true remorse
To let a mortal being ever coincide with thou
Must be punished by a fate worse than death
Mas, sinceramente, preferia que fossem todos em sueco, mesmo que não perceba um caralho do que ele diz… porque escrever na língua materna dá sempre muito mais liberdade e intimidade ao autor. É preciso ter um domínio extenso em todos os campos de uma língua para que se consiga dizer aquilo que se quer, sem deixar de lado as ambiências e os segundos sentidos que toda a língua carrega consigo e, mesmo assim, o inglês como língua oculta e original nunca existiu e a nobreza que carregava, perdeu-a toda com a globalização.
O inglês é aquela roupa que vestimos quando estamos em casa, dá pro gasto… deve ser porque sempre gostei de línguas sonoramente mais ásperas, agrestes, não tenho culpa.
É-me nato.
Voltando ao assunto, gostei realmente deste álbum, como já se percebeu, está bem ao nível do Halmstad, se calhar ainda mais criativo até.
Não ouvi os dois anteriores mas devo dizer que para um gajo que criou a banda com doze anos, está a crescer bem, pelas incursões no álcool e na droga do costume, não esperava que brotasse assim, confesso.
Às vezes, dizem que x ou y compunha bem quando estava mamado, implicando que sem ter as veias cheias não vale nada.
Lérias.
Não é a droga ou o álcool que escrevem por ti, se assim fosse os toxicodependentes eram todos artistas, torturados, mas geniais, se assim fosse, todos os criadores que já alguma vez existiram, continuariam a escrever, a compor, a pintar só precisando de uns chutos, umas garrafas ou uns riscos para atingir a centelha… a diferença está na alma, na dor e na inocência que a premeia.
Não confundir inocência com ingenuidade, quando digo inocência refiro-me à vontade e à coragem de saltar sem saber se alguém está lá, rebeldia sim, espontaneidade também mas, para mim, tudo isso não passa de inocência, inocência que termina com a idade, com o emprego, o dinheiro, as pessoas, a responsabilidade e o tempo.
A dor até continua, a miséria de viver também mas a inocência, ai a inocência… essa vai-se e para sempre e, mais tarde ou mais cedo vamos conformar-nos, (com+formar, de forma, como aquelas de fazer os bolos) às exigências da vida.
A dor ainda permite criar coisas negras e belas mas já não há inocência para saltar, não há romantismo que faça desembainhar a espada para defender essa criatura negra e bela.
Então, elas vão ficando emaranhadas, teias cobrem as partes mais agrestes e belas para que possam ser vendidas e apreciadas por todos.
É isso que salta cá para fora e nos saúda com coisas bonitas, não é o cavalo ou o pó estelar que escrevem ou compõem por eles, quanto muito ajudam a amenizar a dor ou a aparecer em palco e a comunicar com o público, é a profundidade do sentir, a dor de pensar.
Concordo com quem diz que a música deles é suficientemente boa para que não sejam precisos tantos teatrinhos à volta da mesma mas também não condeno toda a panóplia, umas vezes encenada e outras vezes não, que o Niklas dispõe nos concertos e fora deles.
Ei, eu sou apreciadora profunda do Manson e dos seus Spooky Kids como poderia não apreciar?
O que seria do Black Metal sem toda a majestade das vestes, dos espectáculos, o cerimonial dos concertos?
A controvérsia?
Tudo bem que gosto dos Deafheaven ou dos Altar of Plagues ou ainda de uns Wolves in the Throne Room mas tirarem-me cabelos longos, vestes elaboradas e toda a mística e periculosidade dos concertos e do que rodeia a banda por miúdos de hoodies, camisas aos quadrados, óculos e sapatilhas é deixar a cena nua, a música continua lá, eu sei, mas precisa de estar vestida para que os seus a encontrem… acho que isso rouba todo o sortilégio e reverência de que o Black Metal sempre se envolveu.
Fields of the Nephilim sem indumentária à spaghetti western do Apocalipse?
Manson sem plataformas?
O Eldritch é um caso à parte, ele bem se tenta vestir de laranja e amarelo mas eu vejo-o sempre como se estivesse de negro.
Azar, uma vez escolhido…
Olhem-se os Rosa Crux: letras em latim, sinos, carrilhões, ok chega de trazer para aqui o gótico.
Claro que, às vezes, muitas vezes, anda tudo mais à volta do eyeliner do que de conseguir a melodia que faz os Senhores do Mundo dos mortos chorarem mas quando se conjugam os dois…
Terminando as conversas divagadas, o Redefining Darkness é um álbum do caralho e não consigo parar de o ouvir.