É ela que me possui todas as noites.
É com ela que adormeço.
É ela que me despe.
É ela que me acompanha nos quilómetros, incomensuráveis, em que me arrasto dentro do quarto.
É ela que me suporta nas noites em que o inferno me adensa.
É ela que me presencia o corpo a sufocar, quando o desespero se intensifica.
É ela que me olha quando me olho ao espelho.
É ela que não se move quando me aproximo.
É ela que não diz nada porque é tudo.
É ela, a única que não vai embora.
É a única que persiste lá porque durante todo este tempo, não ouvi ninguém, não senti ninguém.
Disseram-me, um dia, que o segredo está em não esperar nada de ninguém mas como posso eu conseguir tal proeza?
Como posso eu, deixar-me sozinha, quando estive sempre lá?
Nas noites gélidas de dor, chicoteadas a sangue frio, fui aquilo que melhor consegui ser.
E calem-se os que pensam que procuro retribuição.
Não são pagamentos premeditados que me vão acalmar nos olhos dos que me abandonaram.
Mais uma vez, deveria ter ficado apática perante a minha vontade de lhes despertar a espontaneidade.
Por que haveriam de perturbar a noite de veludo, pela noite que me vela abandonada?
E diz-me primeiro, sim diz-me.
Mais vale fingir que nos valemos sozinhos, do que esperar pelo que não existe.
Por isso sim, negritude!
Tu estás sempre aqui.
Abro os olhos e és presença assídua na madrugada de cetim amargo.
Fecho-os, para tentar imaginar o que não cabe neste mundo e tu, tu continuas aí fora…
A aguardar o pranto maquinal quando me aperceber que amanheceu de novo.
Tu és eu, e eu sou quem me ouve.
Sou o meu abraço.
Sou a redenção que enxuga as lágrimas do pescoço que se debate por alívio.
Adiantará alguma coisa esperar?
É que, sinceramente, já não sei pelo que espero.
Já chega de máscaras.
Eu e eu, só eu, sempre eu, eternamente eu!
Perdi o rumo e nem sequer está nevoeiro e eu vivo na floresta.
Voltei a apagar a luz.
A inundar o quarto de música e a fechar os olhos… mais um dia… mais um dia…
Mais um dia que me passou por cima.
Mais um dia que esperei… e essa espera é circular.