Lembras-te de quando éramos pequenas?
Lembras-te de quando éramos pequenas e tudo cabia em caixinhas?
Não é que as caixinhas tenham encolhido, não há é nada para lá guardar.
Lembras-te de quando éramos pequenas e havia detalhes e coisas fortes?
Tão fortes e supremas que derramavam…
Aquele libertador tinha razão "o tempo está a passar cada vez mais depressa".
Não tenho tido forma, não tenho tido ninho.
Ando daqui para lá e espero.
Não que tenha uma cruz inscrita a dizer-me onde anda o tesouro, apenas porque é a única coisa que sei fazer.
Esperar.
Espero, portanto, por nada.
Então não espero!?
No entanto, cá estou eu a esperar.
Não tenho tudo.
Tenho nada.
Nada, não.
Há sempre coisas.
Coisas.
Eu sou a queda ou estou na queda?
Sei, somente, que estou bem com a queda.
Não dá para pensar, para problematizar.
Não há tempo, não há o semelhante.
Já não caibo na caixinha, nem posso ficar fechadinha porque estou demasiado cheia de nada.
II
Continuam a andar por aqui.
Quais abutres, em vias de fatigar o estômago.
Vejo-os pelo canto do olho esquerdo e pelo direito também.
O sol está a cozinhar-me.
Dobrar as pernas junto aos braços e querer ser alta.
Ainda bem que continuas a cantar, a tua injecção diária é gratuita.
Não quero atingir o abismo, nem soltar a alma.
Não quero perfazer o corpo, nem ser.
Quero ser castanha.
Fechadinha na sua campânula espinhosa e, quando cair, ser comida sem ter tempo de ver o mundo a atingir-me a carne.