“We are like roses that have never bothered to bloom when we should have bloomed and it is as if the sun has become disgusted with waiting”.

20
Jul 08

 

I 

 

Todas as vezes que estive lá.

Todas as vezes que ajudei a engolir a dor.

Todas as vezes que arranquei pedaços podres e que magoavam, àqueles de quem eu cuidava com tanto enlevo.

Todas as vezes que o peito enegrecido ficava transparente para os acolher e lhes limpar a alma.

Todas as vezes que chorei porque fazia doer ver-lhes as lágrimas.

Todas essas malditas e insuperáveis vezes que eu estive lá.

Que eu deliberadamente quis estar.

E das quais não me arrependo porque as considero de uma sepulcral e cândida beleza.

Uma beleza que alguém, engenhosamente, nos deixou partilhar e, assim partilhando, se criar correntes de aço.

Uma corrente para momentos de queda livre.

Uma corrente que nos aprisiona quando nos damos em redenção, em escudo para sermos flagelados, ultrajados com os espinhos e pedras que infligem aos que amamos.

Algo que queremos fazer porque é bom, doce...deitarmos os que amamos no nosso colo.

 

II


Eles...

Por quem? A quem escrevo?

Não sei... não me apetece saber.

Odeio ressuscitar as coisas que os outros querem mortas.

As coisas que para mim nunca se cobriram de terra.

Sabes porquê?

Porque o mundo volta a ruir, a queimar, a enclausurar-me e começo a ter de deixar de esperar.

Começo, realmente, a aperceber-me de que, às vezes, é mesmo preciso resignarmo-nos à sentença de culpa.

Ao invés de lhes cuspir a doença, que nesta altura lhes seria imperceptível, porque a porta se fechou.

Às vezes, é preciso ser-se maior do que nós próprios...

Mas devo dizer que é um processo complicado, aquele no qual temos de lidar com o que sabemos não ser verdade.

Lidar com a incompreensão dos que querem ver com os olhos fechados.

Lidar com as fábulas em que nos querem inserir.

Lidar com o embevecimento daqueles que nos rodeiam e, sermos suficientemente enormes, para abarcarmos o

seu estado, sem nos mostrarmos como sempre fomos.

Para não corrermos o risco de nos acharem egoístas.

Para não corrermos o risco de nos acusarem de lhes toldarmos o mundo de negro.

Tudo isto é abrasivo e corrompe-me.

Chegando ao limite de me perder cá dentro.

De já não ter respostas e não querer perguntas.

E no limite, no reflexo do espelho, não sei se sou eu vinda do casulo ou se sou o próprio casulo, podre e apático que não se deu conta de que já não existe nada para proteger ou guardar.

 

III

 

É duro sermos e representarmos tudo um dia atrás do outro.

A demência.

O cansaço.

A perda.

O ressentimento.

A raiva.

A lembrança.

A violência.

A saudade.

É a mistura incolor num corpo e numa alma que, como um cálice, aprisiona o que só pode revelar à mais bela, pura e leal divindade – que não me encontra-.

 

IV

 

Disseram que de uma certa forma me consideravam ingénua.

O dia passou, a noite veio em meu auxílio e a palavra ressuscitou na minha cabeça.

O que é ser-se ingénua? 

Será esse um bocado de mim pelo qual as pessoas entram e tentam domesticar-me?

E acreditarão elas que me conhecem realmente?

Que sabem quem eu sou?

Estou cansada.

Sinto que vai ser difícil, muito difícil.

Por isso mesmo me ande a salvar constantemente.

Tentando provar a mim própria que me preocupo.

Porque na verdade estou sempre sozinha quando o corpo decide ceder e lançar-se em queda livre.

E seria demasiado deprimente ter de pedir para se aperceberem que, agora... agora é a minha vez de ser levada ao colo até ao descanso do abraço que clamo há tanto tempo...

Do refúgio que não chega.

Do colo que se afastou porque eu quero sentir que me querem deitada nele.

 

V

 

Eu gosto de flores e de quando em vez elas ficam fracas, perdem pétalas e a sua altivez esvai-se.

Nessa altura já eu tenho água a escorrer-lhes para as raízes.

A espera provoca a chegada do dia em que já só se poderá colocá-las numa jarra e assistir à sua morte.

Talvez deixa-las num livro para um dia recordar o quanto nos foram preciosas.

Às vezes é difícil confrontar as pessoas porque simplesmente elas não estão preparadas para abrir os olhos.

É como se estivéssemos em dimensões diferentes.

A culpa não é delas ou, se calhar, estou a ser demasiado ingénua...

 

*You woke me up.

Left me naked in a world that I don´t recognize anymore.

Who is responsible for this?

The only thing worse than evil is apathy.

A crime that we are all guilty of.

So we just walk along in silence, but now I cannot go further...

 

*Excerto de Echoes / Cult Of Luna

publicado por Ligeia Noire às 15:14

14
Jul 08

 

 I

 

O quarto está escuro, silencioso e vazio.

A música soa, as texturas dela assustam-me...

Fazem com que sinta o branco da parede a descolar-se e a dançar...

Dança pelo vazio, descendo, subindo e inundando a minha cabeça.

As cortinas ondulam, pesadas... sinto-lhes o peso.

Talvez porque as janelas estejam fechadas e o ar aqui dentro esteja morto e conturbado.

A cama esta quieta, muito quietinha.

Como se o meu peso a desinspirasse.

A música continua à minha volta e por momentos tive medo... porra como tive medo!

Aquele medo que nos esfria o corpo.

Nos esfria os ossos por dentro da carne.

A carne que sentimos a latejar...

 

 II

 

 Tive medo e quis acender a luz para toldar o escuro mais negro dos cantos mas esqueci-me de mudar a lâmpada ontem.

Resta-me abrir um pouco a janela por entre a cortina pesada que ondula.

 Estendo o braço e o coração salta, salto sem me mexer. 

Salto cá dentro, dentro do meu corpo.

Assusto-me porque, sem pré-aviso, a voz rasgou por entre os acordes...

Desesperada.

Raivosa.

Como se estivesse a penar por entre o nevoeiro que deambula lá fora.

O coração foi abrandando graças à paragem brusca.

Sustive-a porque já não aguentava mais... sou fraca... 

Tentei respirar bocadinhos da aragem orvalhada e densa que crescia lá fora.

Não havia luar nem estrelas.

O céu estava estéril e descolorido.

Voltei e desapertei o torniquete que a sustinha.

Soava agora um piano.

Um som pequenino que via lá ao fundo, junto à porta, com ganas de crescer.

A tinta tinha voltado a vestir as paredes de sempre.

Vi que as cortinas se tinham juntado à imobilidade da cama.

Esqueci-me de colocar flores neste quarto, esqueci-me.

Os meus olhos ainda percorrem os cantos que não querem luz.

Fechando-se com medo que a música lhes dê vida.

No entanto continuo, porque me é impossível deixar de ouvir.

 

 III

 

 Já não sei se estou aqui.

Continuo a sentir que não estou sozinha...

E, quando a música se engrandece do pequeno e difuso local à beira da porta, vejo-a levantar-se.

Flutua sem me deixar perceber a distância...

Abate-se sobre mim e fico inerte de corpo enquanto, cá dentro, o sangue escorre como se esperasse o golpe final.

Completamente desprotegida e com o coração aterrado.

Para lá da compreensão...

Para lá do dia...

A madrugada estende-se e coisas acontecem, brotam.

publicado por Ligeia Noire às 18:02

 

I


E, ela parou e com os olhos cobertos de neve perguntou:

«O que é mais nos dói?»

E ele respondeu:

«As recordações»

E a neve derreteu... 

 

 

II 

 

Ela continuava parada.

À espera.

Acho que todos estes dias ela esperou e esperou e nada do que quis chegou.

À noite, por entre paredes brancas que não são dela, o sono não chegava.

O sono não a abençoava com o silêncio, o descanso, a quebra de realidade.

As horas foram passando e, finalmente, os olhos fecharam e ela adormeceu.

A madrugada imperava e algo a interrompeu.

Abriu os olhos e viu.

E num relance decidiu que não valia a pena mostrar de novo a espera.

E desta vez o sono foi condescendente, e adormeceu-a até a manhã cair de sol...

 

 III


 A cabeça doía, o corpo não queria levantar.

O espírito encolhia mas tinha de ser.

Ela tinha de enfrentar a vida e vestir-se de robustez e fingimento.

Os dias têm-se sucedido depressa e, apesar disso ser bom,também é doloroso porque crescer dói... e o passado derrete a neve.

O passado é algo que só se pode recordar.

Só se pode chorar e chorar.

 

publicado por Ligeia Noire às 17:52
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