Era uma janela alta.
Era uma floresta escura.
Era um sono induzido.
Era uma queda ininterrupta e rubra.
A dama de paus cerrava os punhos e as unhas cravavam-se-lhe na carne rosada.
A dama de paus era preclara e minha.
As bagas cresciam e desenrolavam-se ao sol, as urtigas ladeavam toda a cercania, a imensidão tolhia-me os passos.
E foi assim, errante, que a encontrei.
Coberta pelo entardecer, adocicada e de faces translúcidas.
A minha dama de paus jazia encoberta de nada e furtiva do alheio.
Recolhi-lhe aos olhos duas gotas e ela espreguiçou-os, senhora escarlate.
Levantou-se como uma folha de Outono ao vento e deu-me a mão de vidro.
Trazia os cabelos envolvidos em grinalda de azeviche e os meus olhos não cessavam de a rasgar.
Seriam pois, carmesim, envergonhariam as framboesas que lhe iam resvalando para a boca.
Onde seria essa câmara dela?
Para onde arrastava ela as vestes?
A minha mão tinha-a, os meus olhos beijavam-lhe os cabelos e derramavam-lhe lírios nos pés.
A grinalda era imensa e o rosto escondia-se de mim.
Era um portão alto.
Era um dia a adormecer de Outono.
Eram sapatos graciosos, a desabrocharem caminho por entre as nozes.
Era a mão dela a prosseguir na minha.
Entrámos e o arvoredo escuro de amoras, bétulas e teixos abarcava-lhe o resguardo.
Ela acendia candelabros e castiçais e movia-se como uma sombra.
A câmara alumiou-se, havia urze branca na janela.
Aproximou-se de mim, deixou cair a obscuridade e vi.
Vi-lhe os olhos de ribeira.
Senti-me crua e impossível e mais ela derramava a alma.
A minha dama de paus estava quebrada e chorava, como se eu estivesse a trespassá-la com uma adaga.
As minhas mãos não sabiam de curas, os meus braços não tinham força que a estancasse.
Ela era dela e eu minha e, no entanto, sabíamo-nos de cor e eu não a conseguia conter.
Desci-lhe as mãos ao peito e abracei-a toda.
As lágrimas dela, tão cheias e incessantes, caíam-me pesadas e quentes no pescoço e, o coração, adensava-se-me ao ouvi-la sibilar de dolência.
Minha menina...
Abri-lhe o cabelo e entrancei-o nos meus dedos.
Provei-lhe o rosto e deitei-a no meu colo.
Segurei-lhe o corpo e a lua foi entrando no céu de veludo.