“We are like roses that have never bothered to bloom when we should have bloomed and it is as if the sun has become disgusted with waiting”.

27
Dez 10

 

Era uma janela alta.

Era uma floresta escura.

Era um sono induzido.

Era uma queda ininterrupta e rubra. 

 

A dama de paus cerrava os punhos e as unhas cravavam-se-lhe na carne rosada.

A dama de paus era preclara e minha.

As bagas cresciam e desenrolavam-se ao sol, as urtigas ladeavam toda a cercania, a imensidão tolhia-me os passos.

E foi assim, errante, que a encontrei.

Coberta pelo entardecer, adocicada e de faces translúcidas.

A minha dama de paus jazia encoberta de nada e furtiva do alheio.

Recolhi-lhe aos olhos duas gotas e ela espreguiçou-os, senhora escarlate.

Levantou-se como uma folha de Outono ao vento e deu-me a mão de vidro.

Trazia os cabelos envolvidos em grinalda de azeviche e os meus olhos não cessavam de a rasgar.

Seriam pois, carmesim, envergonhariam as framboesas que lhe iam resvalando para a boca.

Onde seria essa câmara dela?

Para onde arrastava ela as vestes?

A minha mão tinha-a, os meus olhos beijavam-lhe os cabelos e derramavam-lhe lírios nos pés.

A grinalda era imensa e o rosto escondia-se de mim.

Era um portão alto.

Era um dia a adormecer de Outono.

Eram sapatos graciosos, a desabrocharem caminho por entre as nozes.

Era a mão dela a prosseguir na minha.

Entrámos e o arvoredo escuro de amoras, bétulas e teixos abarcava-lhe o resguardo.

Ela acendia candelabros e castiçais e movia-se como uma sombra.

A câmara alumiou-se, havia urze branca na janela.

Aproximou-se de mim, deixou cair a obscuridade e vi.

Vi-lhe os olhos de ribeira.

Senti-me crua e impossível e mais ela derramava a alma.

A minha dama de paus estava quebrada e chorava, como se eu estivesse a trespassá-la com uma adaga.

As minhas mãos não sabiam de curas, os meus braços não tinham força que a estancasse.

Ela era dela e eu minha e, no entanto, sabíamo-nos de cor e eu não a conseguia conter.

Desci-lhe as mãos ao peito e abracei-a toda.

As lágrimas dela, tão cheias e incessantes, caíam-me pesadas e quentes no pescoço e, o coração, adensava-se-me ao ouvi-la sibilar de dolência.

Minha menina...

Abri-lhe o cabelo e entrancei-o nos meus dedos.

Provei-lhe o rosto e deitei-a no meu colo.

Segurei-lhe o corpo e a lua foi entrando no céu de veludo.


publicado por Ligeia Noire às 02:10

18
Dez 10


Disposta em pedaços.

Força-me a conter-te.

Desata-me os pulsos e cicatriza-lhe os dentes.

Escolhe o que te aprouver, embacia-me os olhos, lanceta-me os dedos.

Abarca-me a boca e resvala-te para dentro dos meus ossos.

Estaca-te no canto mais escuro, enche-te de noite.

Disposta em pedaços no mármore virginal, olhos rasos, cheios de pó, revirados, peço-te respostas.

E seguras a cadeira com mãos de ferro e cerras as entranhas com vinho escarlate.

Os braços pendem-me como ramos mortos e escamados... tu ris de porcelana.

E ris.

Ris muito...

Do meu leito, vejo-te o cabelo caindo nos ombros.

Caminhas de passos pesados e vertes, neste corpo delapidado de graça, gotas de extermínio, são geladas, são tuas, são para sempre.

Arrastas-me como flores traçadas e envolves-me, estigmatizada, em laços brancos.

Apertas-me os cabelos como botões de cetim e manchas-me o pescoço de rosetas.

Vestes-me de ti e aguilhoas o que me restou.


Come in, come in, come in… come inside

So much, much, much more skin to break

I haven’t even taken off my gloves

   

excertp from I want to kill you like they do in the movies by Marilyn Manson/Excerto dos Marilyn Manson 

publicado por Ligeia Noire às 22:15

16
Dez 10


Pode ser que se dormir isto passe.

Pode ser que ao fechar os olhos o peito se feche também.

Pode ser que as lágrimas me sequem o sangue.

Pode ser que um dia consiga abrir-me e celebrar o mundo.

Pode ser que um dia o longe se torne atingível.

Pode ser que um dia os meus retalhos façam um todo.

Talvez um dia alguém me atinja.

Pode ser que finalmente queiras descer e deixar que eu me aninhe no teu colo, como bicho desfeito, nu e em carne viva e me permitas chorar-te o mundo.

A minha dor é tão pesada que tenho medo de morrer se ela me aflorar à boca.

Já não há pelo que esperar, acabou.

Podes levar-me Supremo

Unge-me e por favor tira-me toda a carne para que deixe de sentir.

Liberta-me e acolhe-me em tudo o que é puro, estou pronta.

Suplico-te, arranca-me do vale do desterro.

Tu mandaste-me de volta?

Lembras-te?

Eu não quero mais isto.

Deixa-me ir embora.

publicado por Ligeia Noire às 05:11
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13
Dez 10


És uma das razoes que me fez vir para cá.

Ainda gostas de mim?

Ainda tens o cordel azul atado na sapatilha?

Ainda guardas os bilhetes?

Depois do mundo que conheceste, continuas a achar-me especial?

Quando ouves a palavra amizade, o meu nome ainda é a primeira coisa de que te lembras?

Ainda guardas a madeixa de cabelo com o laço?

Fico feliz por não leres isto, no fundo são tudo perguntas retóricas.

Tenho medo, tanto medo de... passou tanto tempo.

Eu sei que deveria estar aí para me mostrares a tua vida, as tuas coisas, para comermos Häagen-Dazs, para me levares pelos sítios bonitos da selva mas isto tem-me embrulhado tão profusamente que o que me é mais caro tem ficado em hibernação.

Quando me lembro da primeira vez que nos vimos ainda me apetece chorar.

Seria completamente impossível acontecer tudo o que aconteceu uma segunda vez.

Eu jamais conseguiria abrir a alma como o fiz contigo.

Sempre houve uma inocência e uma elevação na nossa amizade que ainda hoje não consigo pôr em palavras.

Ainda hoje tudo isto permanece um mistério.

O essencial é invisível para os olhos.

Tenho saudades de estar abraçada contigo no chão do quarto, sinto falta da pertença que me trazias, sinto falta da verdade dos teus olhos.

Às vezes, tenho uma vontade que faz doer de fazer a mala e aparecer-te à porta.

Abraçar-te e não pensar em mais nada.

Agora, que recordo tudo, preciso dizer-te que me salvaste, salvaste-me muitas vezes de mim.

Estou tão orgulhosa de ti, tão orgulhosa, sempre soube que ias ser assim como és hoje, aliás, como sempre foste.

Lembras-te de mim com as pernas a tremer, as bochechas coradas e os olhos envergonhados?

É assim que eu quero que me lembres sempre, porque nesse dia eu descobri que há realmente coisas maiores que tudo, intemporais, eternas e verdadeiras.

Foi um dos dias mais importantes da minha vida.

Ensinaste-me a coisa mais importante do mundo.


Suukko


publicado por Ligeia Noire às 19:10
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12
Dez 10

 

Diamanda Galás em Portugal, Abril de 2011

 

 

 

Não são precisas mais palavras.

publicado por Ligeia Noire às 01:38
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Depois de muito, muito tempo voltei a perder-me do mundo, voltei a ter prazer em ler e a conseguir entrar dentro de um livro. Aqui reproduzo alguns trechos que traduzem toda a beleza de que falo.

(…) Mas isso foi apenas o princípio. Houve sempre um princípio, embora parecesse que tudo principiara muito antes, num mundo ainda por acontecer, quando o tempo ainda dormia, ou era tão vagaroso como o feto de um outro tempo por nascer.

É sabido que na infância o tempo não passa, na adolescência demora-se, na idade adulta corre, na velhice precipita-se.

(…) Andei anos a supor que o coração era uma coisa que se podia vomitar se o susto ou o desespero fossem suficientemente violentos.

Este caos que vai na minha cabeça e que tantas vezes me faz confundir o tempo, com o tempo com o tempo. Viajo entre ser e não ser, entre estar e não estar, e isso deixa-me cansado, confuso, incerto. Não tenho passado nem futuro, só tenho presente, presente e presente e penso que essa é a minha doença.

(…) Nos dias desesperados, eram pinturas negras com explosões de vermelho, só noite e sangue, só noite, raiva e sangue e nada mais.

Se a felicidade fosse deste mundo (…)

(…) Porque nós, ignorantes que somos, nunca atendemos aos sinais.

(…) Pergunto-me se a vida será castigo, a pena por delitos passados ou futuros, talvez nos mandem em penitência pelas esquinas do tempo, mas nesse caso a morte é o regresso ao local da sentença e eis-me tão ignorante como sempre fui, miserável desarmado e nu perante o desconhecido.

Não. Ainda não consegui voltar para casa. Sou imensamente infeliz no apartamento, falta-me tudo, falta-me não sei quê, vivo à espera de alguma coisa que há-de acontecer, alguma coisa que há-de curar-me desta angústia, deste vazio, deste frio que me dá na alma quando me deito, quando me levanto, quando fecho a porta sobre aquele espaço desarrumado, quando abro para aquele lugar escuro, desabitado.

(…) O sono é uma corrida para o outro lado da noite (…)

(…) Os anjos não são mulheres nem homens porque são mulheres e homens (…)

Fico a ver-te sorrir com o coração afogado em pranto, um pranto que me parece pressentir desde o princípio do mundo.

A caminho de casa entrei numa botica e comprei um frasquinho de cianeto inalável, sempre disponível no mercado para qualquer cidadão ípsilon que queira acabar com a puta da vida.

Vou ter que atravessar os dias com esta cruz às costas, talvez me prendam por vagabundagem e me eliminem sumariamente como é costume fazerem aos inúteis irrecuperáveis. Talvez me condenem à morte ou, pior que isso, talvez me condenem à vida.

A arte, mais do que uma imagem pintada numa tela, é a forma como essa imagem toca o coração de quem a olha.

Eu quero é que vocês se fodam.

Havendo vida depois da vida haverá morte depois da morte? Isto é. Se ao morrer se nasce para outra vida, será que essa vida tem um final, e que ao final dela se morre? E assim sucessivamente? E até onde? Até que lugar de paz e liberdade e conhecimento? Ou esse lugar só existe nos nossos mais íntimos desejos e por essa utopia vivemos e lutamos e morremos e renascemos pelos séculos dos séculos sem fim?

Nunca ouviu dizer que Adão e Eva trincaram a maça? Pois foi isso mesmo que eles trincaram. Essa inquietação, esse querer perceber tudo que há-de mortificar a humanidade até ao fim do tempo.

(…) A evolução não passa pelo que se vive mas pela forma como se vive aquilo por que se tem de passar.

E fomos. Como desde o princípio do mundo, fomos. Como tudo, como todos, fomos. Todos e tudo. Braços. Pernas. Tentáculos. Ramos. Lianas. Raízes. Avalanche. Vendaval, relâmpagos. Vagas em fúria. Bichos e plantas. Peixes e pássaros. Estopa e veludo. Anjos. Adolescentes. Deuses. Feiticeiros com seus filtros. Sacerdotes com seus rituais. Imperatriz e valido. Rei e concubina. Diva e favorito. Patrão e escrava. Dama e prostituto. Jus prima nocte, macho e fêmea. Mulher e homem. Pedro e Inês.


In Trança de Inês de Rosa Lobato de Faria


publicado por Ligeia Noire às 01:16

10
Dez 10


Há uma música de Lifelover, "En Sång Om Dig", que pára a um dado momento deixando irromper um piano à Bach que ambienta uma voz que diz:

Until the day you die, you will always be shit.

Não há volta a dar, não há mesmo.

Não sei o que ando a fazer comigo.

Culpa

Vergonha

Pena

Cansaço

Nojo

Ódio

Tristeza

Raiva

Prescrevi.

Esforço-me para parar mas não consigo.

Já não sei diferenciar nada neste esgoto, somos iguais, inúteis e imundos.

Se calhar não somos assim tão iguais, o esgoto faz sentido, eu não.

Hoje não há paciência para a linguagem metafórica.

E as pessoas são coisas que não compreendo, como diz o Trent Reznor:

Don't think you are having all the fun, you know me, I hate everyone.

E é isso que, infelizmente, sinto que são quase todos dispensáveis.

Não me dizem nada de novo, não me aquietam.

A culpa é minha, a culpa de me conservar em vinagre.

A culpa.

Ó, a culpa.

Puta de culpa, culpa de quê?

De ser eu?

De estar cravejada de ódio pela estagnação?

Quero mesmo é que se foda.

Já prescrevi e já, o problema são aqueles que me guardam no peito, o amor de sangue.

Não suporto vê-los a olharem-me assim, sabes que por eles dou a vida, sabes que essa é a corrente para o mundo.

É.

Seria muito mais simples parar a queda se eles não existissem.

Dás-me dores que não me cabem nas costelas, o coração está a escapar-se-me pelas brechas e pelos lanhos disto tudo.

Não podes ficar aí em silêncio, a culpa também é tua, não me perguntaste se eu queria ser uma pessoa.

Deverias responder-me ou então desfere o golpe em sangue líquido e acaba com isto.

Sabes mais que eu, portanto, sabes a resposta.

Noites de olhos pisados e pesadelos espelhados em todos os cantos do cérebro.

Arruíno-me a cada dia que passa, a euforia anestésica, eu sabia o que ela trazia, traz sempre o mesmo, a queda constante.

Não consigo explicar o cansaço que sinto.

publicado por Ligeia Noire às 14:57
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09
Dez 10

 I

 

Apartando-me de tudo, é como me sinto, ninguém me tem, ou quase ninguém.

Consumida.

Já deverias saber que, afinal de contas, acontece sempre o improvável.

Nunca mas nunca e mesmo nunca abrir as portas, nunca deixar que te naveguem os olhos.

Não te esqueças que tu és só tua, tu és apenas tua, ninguém te pode ter como tu te tens.

Tu és o cálice único e afeiçoado que te consegue conter.

Todo o resto são apetrechos da vida, caminhos que te darão prazer, ou que trarão o cheiro putrefacto da morte.

São inevitáveis mas, no final do dia, lembra-te de ti, lembra-te que eles nunca saberão quem és.

Eles farão sempre perguntas.

Lembra-te que, amor... só o de sangue.

O que te corre e o que tu fizeste correr.

  

II

 

Eu sei, eu sei, eu nunca me esqueci disso mas sabes que às vezes é difícil, às vezes conseguem brincar comigo, sabes como eu gosto de ser boneca, sabes como eu gosto de dançar para eles…

Desculpa se te toldei o peito, eu lembro-me, eu nunca me esqueci.

Eu amo-te, eu, de mim, de dentro, tua, minha, filha negra.

É que… Às vezes canso-me de esperar.

Às vezes sinto que sou demasiado grande para me enrolar.

Às vezes, só a anestesia não chega, não é perpétua.

Entendes?

Tu estás aí dentro, no jardim, é fácil para ti não é?

É fácil saber-me tua máscara, teu sudário.

    

III

 

Esta aversão suja vem do fundo podre, do lado que não vês.

E toca-me com mãos de lâminas e beija-me com uma boca espinhosa.

Acende velas e fica ali a ver-me.

A noite fica tão comprida... a noite cai-me toda em cima.

Eu quero recolher-me mas não consigo.

Não me sei mexer e esqueço-me de como falar.

Sabes disso?

Vês-me?

A pele branca e quente disposta no escuro a ser remexida pelo ódio e pela dureza.

Os dentes de porcelana a tocarem-lhe nas unhas.

É tão entrelaçado.

É tão difícil.

É quando me sinto mais minha.

    

publicado por Ligeia Noire às 19:48
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Esgoto

Atrais-me em queda

Esgoto

Tento fugir

Mas caio

E caio, Caio, Caio

Esgoto

Atrais-me em queda

Esgoto

Tento fugir

Esgoto

Atrais-me em queda

Esgoto

Tento fugir

Mas Caio

E caio, Caio

E caio, Caio, Caio, Caio

  

Letra da autoria de Bizarra Locomotiva


publicado por Ligeia Noire às 19:02
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08
Dez 10


She's got her eyes open wide

she's got the dirt and spit of the world
her mouth on the metal
the lips of a scared little girl

 

I've got an angel in the lobby

he's waiting to put me in line
I won't ask forgiveness
my faith has gone dry

 

She's got her Christian prescriptures
and death has crawled in her ear
like elevator music of songs
that she shouldn't hear

 

and it spins around 1...2...3

and we all lay down 4...5...6
some do it fast
some do it better in smaller amounts

 

and it spins around 1...2...3

and we all lay down 4...5...6
some do it fast
some do it better in smaller amounts  

 

Lyrics by Marilyn Manson/letra da autoria de Marilyn Manson

 

publicado por Ligeia Noire às 20:36

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