Memories, sharp as daggers
Pierce into the flesh of today
Era uma vez uma rapariga que se enrolava como um ouriço.
Um dia, saiu à rua e o sol estava aberto em espiral e brilhava-lhe nas mãos, levou as ditas ao peito e aqueceu o coração todo, todo…
A rapariga que se fechava como os ouriços, guardava uma pedra preciosa junto ao coração mas a pedra tinha pernas e, quando ela adormecia, ia embora deixando-lhe o peito gelado.
Os dias passavam repletos de tempo e ela, cansada de levar as mãos do sol ao coração, conseguiu pegar na pedra com cuidado e guardou-a numa caixinha debaixo da cama.
E ali a omitiu.
Não era, de todo, de sua vontade que ela a voltasse a ofuscar com a sua miríade de enleios.
A rapariga compreendia.
Num dia de neve a rapariga teve de se enrolar por muito tempo para conseguir guardar algum do calor que teimava em fugir (seria fatal deixá-la desabitada).
Tinha dado muito labor juntar os poucos raios que encontrou pelo caminho.
Nisto, sentiu os pés a aquecerem e a cor violácea a desaparecer, desenrolou-se e reparou que o sol a embrulhava como se a sua pele fosse de diamante orlada.
Afinal, a pedra não tinha sido engolida pela caixa, estava ali, cheia de chuva e a brilhar luxuriosamente para que a rapariga não pensasse duas vezes e a juntasse ao peito outra vez.
E, nas mãos de sol, levou a pedra para junto de si, agasalhou e aninhou o peito o melhor que pôde, fechando-se com ela.
A sua vontade era forte, a sua vontade era mesmo muito forte.
Assim se passaram dias, dias sem que o sol fosse preciso.
No entanto, neste mundo nosso, este mundo de cá, de fora, em que só podemos comer aquilo que das nossas mãos se constrói, começou a chover muito, muito, muito, e a pedra foi-se embora.
Mas o sol que a pedra que brilhava acumulou no peito dela era tanto, que o coração se dilatou e quando a pedra partiu, o buraco era tão grande que a chuva se apaixonou por ele e enchendo-a de si, afogou-a.