I
Apartando-me de tudo, é como me sinto, ninguém me tem, ou quase ninguém.
Consumida.
Já deverias saber que, afinal de contas, acontece sempre o improvável.
Nunca mas nunca e mesmo nunca abrir as portas, nunca deixar que te naveguem os olhos.
Não te esqueças que tu és só tua, tu és apenas tua, ninguém te pode ter como tu te tens.
Tu és o cálice único e afeiçoado que te consegue conter.
Todo o resto são apetrechos da vida, caminhos que te darão prazer, ou que trarão o cheiro putrefacto da morte.
São inevitáveis mas, no final do dia, lembra-te de ti, lembra-te que eles nunca saberão quem és.
Eles farão sempre perguntas.
Lembra-te que, amor... só o de sangue.
O que te corre e o que tu fizeste correr.
II
Eu sei, eu sei, eu nunca me esqueci disso mas sabes que às vezes é difícil, às vezes conseguem brincar comigo, sabes como eu gosto de ser boneca, sabes como eu gosto de dançar para eles…
Desculpa se te toldei o peito, eu lembro-me, eu nunca me esqueci.
Eu amo-te, eu, de mim, de dentro, tua, minha, filha negra.
É que… Às vezes canso-me de esperar.
Às vezes sinto que sou demasiado grande para me enrolar.
Às vezes, só a anestesia não chega, não é perpétua.
Entendes?
Tu estás aí dentro, no jardim, é fácil para ti não é?
É fácil saber-me tua máscara, teu sudário.
III
Esta aversão suja vem do fundo podre, do lado que não vês.
E toca-me com mãos de lâminas e beija-me com uma boca espinhosa.
Acende velas e fica ali a ver-me.
A noite fica tão comprida... a noite cai-me toda em cima.
Eu quero recolher-me mas não consigo.
Não me sei mexer e esqueço-me de como falar.
Sabes disso?
Vês-me?
A pele branca e quente disposta no escuro a ser remexida pelo ódio e pela dureza.
Os dentes de porcelana a tocarem-lhe nas unhas.
É tão entrelaçado.
É tão difícil.
É quando me sinto mais minha.