Diamanda Galás em Portugal, Abril de 2011
Não são precisas mais palavras.
Diamanda Galás em Portugal, Abril de 2011
Não são precisas mais palavras.
Depois de muito, muito tempo voltei a perder-me do mundo, voltei a ter prazer em ler e a conseguir entrar dentro de um livro. Aqui reproduzo alguns trechos que traduzem toda a beleza de que falo.
(…) Mas isso foi apenas o princípio. Houve sempre um princípio, embora parecesse que tudo principiara muito antes, num mundo ainda por acontecer, quando o tempo ainda dormia, ou era tão vagaroso como o feto de um outro tempo por nascer.
É sabido que na infância o tempo não passa, na adolescência demora-se, na idade adulta corre, na velhice precipita-se.
(…) Andei anos a supor que o coração era uma coisa que se podia vomitar se o susto ou o desespero fossem suficientemente violentos.
Este caos que vai na minha cabeça e que tantas vezes me faz confundir o tempo, com o tempo com o tempo. Viajo entre ser e não ser, entre estar e não estar, e isso deixa-me cansado, confuso, incerto. Não tenho passado nem futuro, só tenho presente, presente e presente e penso que essa é a minha doença.
(…) Nos dias desesperados, eram pinturas negras com explosões de vermelho, só noite e sangue, só noite, raiva e sangue e nada mais.
Se a felicidade fosse deste mundo (…)
(…) Porque nós, ignorantes que somos, nunca atendemos aos sinais.
(…) Pergunto-me se a vida será castigo, a pena por delitos passados ou futuros, talvez nos mandem em penitência pelas esquinas do tempo, mas nesse caso a morte é o regresso ao local da sentença e eis-me tão ignorante como sempre fui, miserável desarmado e nu perante o desconhecido.
Não. Ainda não consegui voltar para casa. Sou imensamente infeliz no apartamento, falta-me tudo, falta-me não sei quê, vivo à espera de alguma coisa que há-de acontecer, alguma coisa que há-de curar-me desta angústia, deste vazio, deste frio que me dá na alma quando me deito, quando me levanto, quando fecho a porta sobre aquele espaço desarrumado, quando abro para aquele lugar escuro, desabitado.
(…) O sono é uma corrida para o outro lado da noite (…)
(…) Os anjos não são mulheres nem homens porque são mulheres e homens (…)
Fico a ver-te sorrir com o coração afogado em pranto, um pranto que me parece pressentir desde o princípio do mundo.
A caminho de casa entrei numa botica e comprei um frasquinho de cianeto inalável, sempre disponível no mercado para qualquer cidadão ípsilon que queira acabar com a puta da vida.
Vou ter que atravessar os dias com esta cruz às costas, talvez me prendam por vagabundagem e me eliminem sumariamente como é costume fazerem aos inúteis irrecuperáveis. Talvez me condenem à morte ou, pior que isso, talvez me condenem à vida.
A arte, mais do que uma imagem pintada numa tela, é a forma como essa imagem toca o coração de quem a olha.
Eu quero é que vocês se fodam.
Havendo vida depois da vida haverá morte depois da morte? Isto é. Se ao morrer se nasce para outra vida, será que essa vida tem um final, e que ao final dela se morre? E assim sucessivamente? E até onde? Até que lugar de paz e liberdade e conhecimento? Ou esse lugar só existe nos nossos mais íntimos desejos e por essa utopia vivemos e lutamos e morremos e renascemos pelos séculos dos séculos sem fim?
Nunca ouviu dizer que Adão e Eva trincaram a maça? Pois foi isso mesmo que eles trincaram. Essa inquietação, esse querer perceber tudo que há-de mortificar a humanidade até ao fim do tempo.
(…) A evolução não passa pelo que se vive mas pela forma como se vive aquilo por que se tem de passar.
E fomos. Como desde o princípio do mundo, fomos. Como tudo, como todos, fomos. Todos e tudo. Braços. Pernas. Tentáculos. Ramos. Lianas. Raízes. Avalanche. Vendaval, relâmpagos. Vagas em fúria. Bichos e plantas. Peixes e pássaros. Estopa e veludo. Anjos. Adolescentes. Deuses. Feiticeiros com seus filtros. Sacerdotes com seus rituais. Imperatriz e valido. Rei e concubina. Diva e favorito. Patrão e escrava. Dama e prostituto. Jus prima nocte, macho e fêmea. Mulher e homem. Pedro e Inês.
In Trança de Inês de Rosa Lobato de Faria