Acordei cedo, como sempre aliás.
Tive pesadelos, como sempre aliás.
Dormi mal, como sempre aliás.
E sinto-me a regressar.
Não me apetece comer, não me apetece levantar-me.
Já não sei falar.
Queria poder fechar as pálpebras, adormecer e não ter corpo.
Uma voz, lá longe e mais problemas, problemas no único universo que me atinge.
Gostava que a desconhecida se fosse embora, gostava de ter a fada verde no armário para me embalar.
Deveria ter feito coisas esta semana, deveria ter-me portado como uma pessoa.
Deveria ter respirado, deveria ter aberto os olhos.
Na verdade, tive-os escancarados, direccionados para dentro e vi, lá ao fundo, a quantidade abismal que está para chegar.
Tenho medo.
Achas que não deveria?
Não sei, tu nunca falas, se calhar não sabes falar.
Mas sabes ficar aí especado e sei que sabes medir a dor porque já te vi as mãos.
E sei que sabes que estou a partir-me em pedaços cada vez mais pequenos e sei que sabes que o faço deliberadamente.
Gosto de fingir que sou uma pessoa, gosto de fingir um futuro, gosto de fingir tudo isto antes de adormecer mas cansei-me.
Já não tem graça, já fingi tudo o que havia para fingir.
Já não quero mais.
Acho que já aqui te disse que se a corda de suspensão partir, escusas de intervir em sonhos, escusas de achar que sou tua filha ou irmã ou célula ou o que quer que seja.
Eu não tenho somente medo, eu estou verdadeiramente aterrorizada.
Foi tudo demasiado longe, quantidades industriais de lonjura.
Já não há mais nada do que desistir,
Talvez me vá deitar agora e deixe apenas a música de amparo.
Não estou zangada contigo, estou apenas triste e dorida.
É verdade, consigo estar ainda mais triste, consigo fazer o negro ficar ainda mais negro e dói saber isto.
Como queres que eu amanhã acorde?
Como queres que eu me levante e me sente a uma mesa estéril e engula um prato com comida?
Como queres que eu me vista e saia assim tão violácea para a rua?
Como queres que suporte olhos e mais olhos a quererem violar-me a dor, corpos e mais corpos entregues à completude, a passarem por este abismo?
Como queres que vá à selva?
Como queres que entre numa sala de ninguém e armada de caneta e folhas escreva coisas que não sei e não atinjo?
Como queres que me olhe ao espelho e não veja estes lanhos neste cansaço amortalhado?
Estou aqui há muito tempo, deste-te conta?
Deixaste-me aqui, há muito tempo, e fiquei no mesmo sítio, os meus pés, pequenos, são agora raízes.
Falo contigo por meio de letras e sons e olhos e dores e noites e sonhos e pesadelos porque és o único que me sabe toda e porque estou louca.
Gostava muito, assim demasiadamente muito, de poder chegar a algo, tu sabes… a alguma coisa que me pudesse abrandar, que me pudesse aliviar.
Neste tempo longo que é teu, que edificaste, que patrulhas, neste teu tempo em que eu nunca, sequer, me cheguei a apaixonar por alguém, homem ou mulher.
Mais um lanho neste rosto de abismo ou então é, (riso… arlequim salta e brinca com a rapariga que precisa de ir embora), como se estivesse apaixonada mas pelo amor ou então por alma que não cabe neste mundo.
Tu sabes, tu sabes sempre.
Achas demasiado?
Achas que…
Não sei o que achas, nunca falas.
É uma parte importante não é?
Dizem que sim, disseste um dia que sim.
Às vezes sinto falta de mim e sinto uma solidão imensa, tão grande que não suporto estar com alguém e isso parte-me mais bocadinhos.
A insuportabilidade de ter de continuar sabendo que nada disto algum dia mudará, sabendo que nada disto está realmente descoberto.
Sabendo que tu nunca vais falar.
Mesmo que eu pare de cair, mesmo que eu um dia pare de cair, se calhar nesse dia, descobrirei que tu és eu.