“We are like roses that have never bothered to bloom when we should have bloomed and it is as if the sun has become disgusted with waiting”.

19
Jan 11


A mulher interpelou-me na rua e, ao contrário do que me é característico fazer com quem me costumo cruzar, para ela abri um sorriso... se calhar não me é assim tão contrário, se a pessoa me inspira confiança, é comum que me apresente serena.

Atravessava eu uma ruela envelhecida, o cabelo dançava com o vento, quando uma cigana se aproxima e me indaga sobre ele, elogiando-o e perguntando o que fazia eu para que ele fosse assim... Corei e respondi... nada.

Vem do cabelo de corvo da minha mãe e dos caracóis vastos do meu pai, pensei.

Pelos vistos já me havia visto outras vezes.

Por entre uma cara franca e pequenas frases ditas olhos nos olhos termina com:

Deus a abençoe.

Já não é a primeira vez que um ou outro cigano me aborda de rosto franco e palavras que me recordam as gentes da minha aldeia.

Nutro uma profunda admiração e curiosidade pela vida deste povo, tão martirizado ao longo dos tempos.

As mulheres, meninas e moças de cabelos densos, peito farto e ar desembaraçado e selvagem, os anciãos de vestes negras e aparência apocalíptica.

Têm nas mãos os traços do mundo.

Numa certa entrevista, a Diamanda Galás falava de como se sentia orgulhosa de ser de ascendência grega e como gostava de, aquando da sua estadia em países do sul da Europa, não se distinguir das outras mulheres, como todas elas têm traços fortes, rostos duros, olhos profundos, cabeleiras fartas.

Continuava, dizendo que não apreciava belezas tradicionais e rostos delicados e frágeis.

A Diamanda canta muitos povos.

Romenos, Arménios, Assírios, Gregos...

A Diamanda é especial e a sua musica é crua e muitas vezes sufoca-nos porque ela canta a alma de povos chacinados, de dores de sangue, de mortandade escondida.

Ao falar com a senhora cigana, tudo isto me acorre à memória.

Tenho um orgulho desmedido e lavado de ser filha de pais de peito e alma nobre, respeitadores, humildes, verdadeiras preciosidades.

Assim como irmã de pessoas completas, fortes e sensatas.

Orgulho-me de ter crescido no meio do:

monte,

do campo,

das vacas pretas e brancas,

dos esquilos,

das raposas,

das corujas,

dos ratos,

da erva-molar,

das oliveiras pesadas,

dos plátanos monstruosos,

dos santieiros,

dos lírios,

das roseiras,

das videiras imensas,

gladíolos,

fiteiros,

agua gélida,

neve de cristal,

velhos de coração puro,

gatos de todas as cores e com vidas ocupadas,

cães que levei para casa e que me deixaram os filhos,

as serras que se cobrem de neve e me protegem do alheio.

Foi nisto tudo que pensei quando a senhora me tocou no ombro e me falou de olhar franco.

Tudo isto tem tanto de sublime como de correnteza para alto mar e é tudo isto que me prende aqui e é a tudo isto que dou valor e faço reverência.

O que um dia chamei "a corrente de suspensão", por tudo isto me sinto pequena e de coração espinhoso por não ser mais e melhor.

De tudo isto me lembro quando abro os olhos para o circo de desilusões, o circo burlesco que se me dispõe aos pés.

O circo do que me repugna e que nem sequer concedo o direito de me tocar, o circo do que me iludiu mas que nunca é tarde para desmanchar.

Tenho tanto de doce como de vinagre, são precisas luas para me navegarem nos olhos.

No entanto, se estes vos reconhecerem de outras eras e vos souberem feitos de sentimentos nobres e palavras francas, distende-se vasto e devoluto o meu coração.

No entanto, ele tem-se mantido enrolado e desconfiado como um gato em casa alheia e assim se irá manter.

Este teatro tem demasiados actos, demasiadas personagens a perfazer o mesmo papel.

Todavia, tenho assistido de camarote a todas as sessões, já conheço a tragédia de cor.

publicado por Ligeia Noire às 22:26

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