A cesta de medronhos que abona os teus braços e o rio de sangue que corre nos teus cabelos.
Inumo as unhas nas tuas mãos e és o cálice de vinho que derramo na boca.
Ganho-te beijos e sabes como gosto de te toldar os sentidos.
E hoje queria ser violenta e deixar a doença entranhar-se-me na carne mas, eis que chegaste, condensada, e a beleza é o melhor pasto.
Não sejas cândida e tão de porcelana, hoje… desenlaça o viveiro e abre os olhos.
Vem comigo.
Os tempos da santíssima trindade terminaram mas schiuuuuuu isto é um segredo bem pequenino.
Desce as escadas, esta noite vamos aprimorar a decadência.
Vê-los ali?
São tão belos, são assim porque a perfeição lhes nasce da alma.
O chão atapetado de cimento frio e catalítico e eles dançam e dançam, cheios de anestesias diversas.
Os corpos, máquina perfeita, imagino o quão vermelhos estarão os seus corações, os ramos de capilares na pele rendada, os cabelos que tapam os rostos, o passado veio poisar no cenáculo e as oferendas banham-se em cristais de gelo.
Anda comigo, desce as escadas e vamos soltar os cabelos.
Fugir do mundo, hoje a lua abriu-se e os mortos jazem por ela.
Deixa-me encher-te o peito e as veias, deixa-me dar-te liberdade e fazer-te pairar sem embargo.
Hoje tomo conta de ti, hoje estás no altar do mundo e o cenáculo é a tua casa.
Só é possível encontrar e usar este caminho, se o teu corpo se coadunou com o abismo.
Olho-te dentro e estás pronta, estás livre e enquanto a liberdade se encarna de vontade, somos todos nossos e somos todos sozinhos, a celebrar a alienação.
Gosto de deixar estes anjos assim… trazê-los à flor da pele e narcotizar-lhes a realidade para que possam viver uma noite à luz da lua e florescer de braços nus para a música.
O encantamento maior, a delícia mais sublimada e opiácea.
Sorris muito, sorris por entre esse teu cabelo de medronhos e olhos tenros.
Fazes-me bem, inspiro-te completa e danço contigo.
Se é saudável?
Não, não é.
Provavelmente amanhã irás sentir o corpo a fermentar e o céu cinzento vai entrar-te todo de uma vez nos olhos.
As cadeiras onde te sentares e as salas onde tiveres de guardar o corpo irão parecer-te masmorras embebidas de olhos escancarados.
Linhas de gumes afiados irão nascer-te por todo o lado, as bolachas 100% especiais irão dar-te sarna e vontades de lhes escacar os dentes, um a um, irão nascer-te nos dedos... mas ficarás a repousar a seiva que te escorre das unhas e guardá-la-ás nos bolsos.
Não queres assustar os pacotes extra-saborosos que aguardam todos os dias pelo sol mas que se auto-agraciam com a noite, envenenando-a de tédio.
Todos os bichinhos correm da sombra para o sol.
E noites de destruição massiva não podem ser domesticadas e regularizadas.
Não assinas pela tua integridade, nem esperas repetição.
Acontece assim, como um sonho em que apareces nua e rosácea no meio da erva-molar orvalhada, da qual nunca acordas inteira.
Olho para ela e olho para todos e olho para mim e sinto o sangue com pressa de chegar à carótida e cava-me lanhos no peito e sinto-o distender-se imensamente.
As anestesias correm-nos de uma ponta a outra e sinto-me toda.
Dançamos em júbilo e derramamos jóias dos olhos e da boca.
Ela renasce nos meus braços e já não somos pessoas, somos lobos brancos e cinzentos e castanhos e negros e uivamos à deriva.
O mar estende as ondas enroladinhas e quebramos o suor na sua frieza de Inverno.
Damos as mãos e abraçamos os nossos corpos de matilha.
Sei que ao cruzares a hora das bruxas tudo se esvairá da tua memória.
Resta-te o cabelo de sangue e a cesta de medronhos, atravessa a ponte e corre para casa, dorme e prepara a domino para a selva.