Há quem tenha estrabismo, há quem seja daltónico, eu sofro da incapacidade de ver o todo.
Os detalhes, sofro da capacidade de ver os detalhes, todos e principalmente os mais inúteis e os mais grotescos.
Não consigo estabelecer conexões, foi-se-me a concentração e todas aquelas coisinhas admiráveis que já fazem parte da mobília.
Se calhar, é por isso que detesto pontes, elevadores, aviões e tudo o que me condena às alturas, prendo-me nos detalhes, proporções eminentes descontrolam-me o sistema.
Os detalhes, uns olhos lassos ou uma japoneira florida de luxúria ou as mãos grossas de um velho ou a consciência dos afazeres, nunca o todo, nunca a inter-relação, nunca a vontade.
Sou desorientada, lazarenta, demorada e pesada como uma nuvem de chuva.
Misturando isto, com o facto de me parar por um instante e não nascerem em mim vontades de me mexer ou de abrir os olhos ou então, apenas autorizar as funções de sobrevivência mínimas mas continuar tão parada como antes e, quando acordo, terem se passado meses e tudo a que me sujeitei, tudo o que encontro na pele e tudo o que me passou pelos olhos é demasiado.
Incapacidade de perceber o tempo.
A eterna embriaguez mas das pesadas porque nunca me lembro de nada, nem quero fazer nada, passei a vez à irresponsabilidade infantil:
enterrar a cabeça debaixo dos cobertores e fingir que moro num planeta em que dormir é como respirar, intrínseco.
Mas há cliques e a ressaca é lancinante, pontilha-me a cabeça toda e ando em constantes vertigens e vejo as bocas deles, as perguntas, as obrigações e não sou capaz de articular mas sou dama de paus e o meu leque é perfeito.
Impune, corro as lágrimas e os espancamentos.
Torno-me inútil e obsoleta porque na verdade nada em mim é mais forte do que a destruição, fui feita para me comer na fome e em mim só há fomes.
Fomes ilícitas.