“We are like roses that have never bothered to bloom when we should have bloomed and it is as if the sun has become disgusted with waiting”.

15
Abr 11


O que há na sala 101?

Tu sabes o que há na sala 101. Toda a gente sabe.

Ouviram-se botas lá fora. As entranhas de Winston contraíram-se.

Muito em breve, talvez já.

Esse barulho de botas anunciava ter chegado a sua vez.

A porta abriu-se, o oficial de rosto frio apontou para o vulto na penumbra.

Sala 101 proferiu.

O homem lá foi, o rosto vagamente perturbado mas sem compreender o que o esperava.

Não sabia onde estava, impossível saber ao certo. Tinham-no fechado numa cela de tecto alto, sem janelas, com paredes de azulejos brancos, brilhantes.

Lâmpadas invisíveis inundavam-na de uma luz fria e, ouvia-se um zumbido ininterrupto. Um banco com apenas, largura suficiente para uma pessoa se sentar, corria à volta das paredes.

Diante da porta uma sanita sem tampo. Quatro tele-ecrãs, um em cada parede. Sentia uma dor surda na barriga e uma fome corrosiva, doentia...

Não sabia e provavelmente nunca saberia, que horas eram ou há quanto tempo tinha sido preso.

A porta voltou a abrir-se, o oficial apontou para o homem esquelético:

Sala 101.

O homem atirou-se para o chão de joelhos num pânico indescritível. O seu rosto já muito pálido tornou-se de uma tal cor que não se julgaria num rosto humano, verde.

Matem-me! Degolem os meus três filhos à minha frente mas para essa sala é que não.

Sala 101, disse o oficial.

Naquele lugar ninguém conseguia sentir nada, senão a dor e a antevisão da dor. Nunca se podia desejar, fosse porque motivo fosse, um acréscimo de dor.

Da dor só havia uma coisa a desejar, que parasse.

Nada no mundo era tão terrível como a dor física.

Perante a dor não há heróis, não há heróis. Pensou ele, enquanto se contorcia no chão com terríveis dores.

Havemos de te esmagar a tal ponto que tudo morrerá dentro de ti, ficarás oco.

Havemos de te espremer até ao vazio e depois encherte-e-mos com a nossa própria substância e deves desistir de pensar que a posteridade te vai vingar, a posteridade jamais ouvirá falar de ti.

Vamos suprimir-te totalmente do curso da História.

Vamos transformar-te em gás e lançar-te na atmosfera.

Nada restará de ti, nem nome, nem qualquer recordação. Serás aniquilado no passado e no futuro.

Nunca terás existido.

Perguntaste-me uma vez o que havia na sala 101, disse-te que já sabias a resposta.

Toda a gente sabe o que há na sala 101.

É o pior do Mundo e o pior do Mundo varia de indivíduo para indivíduo.

Umas vezes é ser-se sepultado vivo, outras a morte pelo fogo ou milhentas outras formas de morte e sofrimento indizível.

Só por si, a dor nem sempre basta, mas para toda a gente existe qualquer coisa intolerável, qualquer coisa que não se pode de modo nenhum suportar…

Um Homem afirma o seu poder sobre o outro fazendo-o sofrer, a obediência não basta.

O poder consiste em infligir dor e humilhação.

O poder consiste em desagregar a mente humana para reconstituir numa forma nova, a forma que entendermos dar-lhe.

Queres uma imagem do futuro?

Pensa numa bota a pisar o rosto humano, para sempre.

  

in 1984 de George Orwell

 

Post Scriptum: texto apanhado de ouvido da narração de Jorge Carnaxide no programa "Argonauta" da Antena 2.

publicado por Ligeia Noire às 00:19

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