Se calhar, tudo isto é o paradoxo com pernas.
Se calhar, só consigo amar a mim própria, loucamente, excessivamente e gravemente.
O amor obsessivo que prefere o nada se não tem o tudo.
A paixão pela perfeição inteira que desfaz, devagarinho, tudo o que lhe contradiga os olhos.
Não me peças para explicar.
Há dias em que me sinto o lírio mais belo para que, em outros, me possa comer as pétalas e culpar-me pela morte do caule em estertores.
Às vezes, sinto isto tenuemente como se esse eu (seja lá quem esse eu for) não quisesse que me apercebesse.
Como se deixasse de ser eu, se soubesse as teias em que me emaranhei, desde que o ar me inchou as narinas.
Serão todos caprichos, volúpias, jogos de sedução de que me canso?
Amores que verto de demasiado alto para que nunca ninguém lá consiga subir.
Não sei se me obrigo a fazer-me companhia ou se estou obcecada comigo toda.
As unhas, o coração que me lateja na carótida, o cabelo que me tapa o torso, as mamas que me resvalam para as mãos… e os olhos, os meus olhos, o que mais me inquieta são eles... sempre foram eles porque sei que têm pessoas dentro, uma, duas, não sei.
Não sei, não sei, sinto-me tão irrequieta e infectada, como assustada e reticente.
Quero continuar a aguçar-me e a escavar-me mas tenho medo de não ter migalhas suficientes para me alimentarem o caminho de volta.
E os amantes?
(ir com calma, caminho minado).
Queria senti-los muito mais do que no cadáver mas nunca deixei que me descobrissem, nunca achei que o soubessem fazer.
Aquieto-me sempre, plantando palavras em todos os cantos do cérebro, para me alimentarem a certeza de que eles não me sabiam, de como nunca seriam capazes de me atordoar.
Havia sempre um lanho no rosto, uma mordacidade que faltava, um beijo que dormia, um inebriamento que nunca sucedia.
Sempre fechei os olhos.
Mas, por certo, nunca deixei que fossem algo, sempre os reduzi a si próprios e, alguns, temo, a meros lenços de seda mas, depois, sinto-me rosa florida de sangue e apraz-me amar o mundo e todos e todos, sinto-me a virgem pura que quer aperfeiçoar o Homem, a Mulher Escarlate que abarca a imensidão e sorrio sem nada, só pelo prazer de ver o sorriso.
Acho que são as pessoas que tenho nos meus olhos que fazem isso.
Amo os que têm o meu sangue e por isso apenas, egoisticamente, conheço o amor.
Volto a ti e desço-me as mãos nas tuas, agora, que estás de branco vestido (outra vez) e de coração cheio, espero que me aches dentro de tudo isto.
Eles são todos eu?
E tu também me és ou eu é que te sou?
Vence-me e não digas que a vitória te é indiferente!
Eu que sempre quis ser a presa, eu que sempre quis a loucura, eu que sempre quis o extremo, sou a raposa sempre, a suicida consciente, a gata preguiçosa.
Deixa-o descer, deixa-o encher o receptáculo de carne, a carne de sangue e vence-me.
Mesmo que seja efémero, mesmo que ele seja um Filho-da-lua e tenha de voltar contigo.
Percebe-me o peito que te fala alto e lê-me o olhos.
Anseio que todos os espinhos das doces rosas se me enterrem nas mãos, desejo-os a cravarem-me o peito.
Não ter ossos suficientemente robustos para conter tudo o que ele me fizer sentir.
Desejo consubstanciá-lo e perpetuá-lo na morte.
Anseio por ser a sua viúva negra, de rosto rendado e de amor esfacelado mas sentido e sangrado.
Vá, prova-me que sou una e completa e que este é o meu último naufrágio.
Estou solene e vim sozinha, curvo-me e beijo-te a mão, empunho a espada e aguardo pela retaliação.