“We are like roses that have never bothered to bloom when we should have bloomed and it is as if the sun has become disgusted with waiting”.

30
Mai 11


Se bem que tu não tens caracóis mas os teus fios dourados podem ser os mesmos desta bela serenata de que tu tanto gostavas.

Não fiques triste, sabes que sou assim mas hoje é o teu dia, o dia de seres emulada neste espaço de devaneios lisos.

Rapariga de olho azul que tem medo de fantasmas, rapariga de cabelos vastos de trigo.

Rapariga que se assusta e se aborrece porque não sabe estar apaixonada.

Rapariga doce, rapariga que gosta de tunas, cigarros, martíni e azeitonas gordas.

Rapariga que um dia leu o meu caderno de capa preta.

Rapariga, rapariga, tantas estórias, tantas desavenças, tantos abraços, tantas cervejas e vinho do Porto no bar do senhor de barbas e cabelos longos.

Foi nesse sítio jazzistico que apareceu o homem de tranças, o homem de cabelos loiros e mente dispersa.

Vocês riam dele mas na verdade era ele quem se ria de nós.

Lembro-me, com saudade, de vos ver na sacada preparadas para o abalroar com os vasos da vizinha, só porque ele queria fazer-nos sopa à meia-noite.

Há melhor hora para sopa?

Lembro-me do chão de pedra atrás da capela, onde eu e a rapariga-que-tem-nome desafiamos a noite e tu, assustada, dizias ouvir barulhos e vozes.

Claro que eram pessoas, desviados da sociedade que fumavam haxixe e riam alto no apeadeiro.

Não eram mais que pessoas.

Lembras-te de como a noite estava bela?

Cheia de estrelas brancas... claro que não lembras, estavas assustada e querias voltar para o ninho.

A rapariga-que-tem-nome ficou zangada e disse muitas palavras pelo caminho.

Eu, confesso que estava extasiada e também gostava de ir mais longe, mas ficou para outro dia, dia esse que jamais se repetiu.

A capela que não tem boca ou poderia contar muitas estórias, continua lá, o apeadeiro está agora vazio, a rapariga-que-tem-nome está muito longe e tu... vendes sonhos.

Também tenho saudades e, depois de anos volvidos, acontece sempre o mesmo, o passado amacia-se e mistifica-se.

Agora temos todas, sendas diferentes, caminhos compridos e desiguais, talvez um dia a inocência volte.

Todos sabem que esta é a tua.

 

Um dia a areia branca teus pés irá tocar

E vais molhar teus cabelos na água azul do mar

Janelas e portas vão se abrir só para te ver chegar

E ao te sentires em casa sorrindo vais chorar

 

Debaixo dos caracóis dos teus cabelos

Uma história p’ra contar de um mundo tão distante

Debaixo dos caracóis dos teus cabelos um soluço e a vontade

De ficar mais um instante


As luzes e o colorido do que tu vês agora

Nas ruas por onde andas

Na casa onde moras

Tu olhas para tudo e nada te faz ficar contente

E pensas a toda a hora voltar p’ra tua gente

 

Debaixo dos caracóis dos teus cabelos

Uma história para contar de um mundo tão distante

Debaixo dos caracóis dos teus cabelos um soluço e a vontade

De ficar mais um instante 

 

Tu andas só pela tarde e o teu olhar tristonho

Deixa sangrar do peito, uma saudade e um sonho

A areia do mar espera que chegues num sorriso

Pisando a areia branca que é teu paraíso


Debaixo dos caracóis dos teus cabelos

Uma história para contar de um mundo tão distante

Debaixo dos caracóis dos teus cabelos um soluço e a vontade

De ficar mais um instante…


Debaixo dos caracóis dos teus cabelos, versão da Tuna Universitária de Aveiro ao vivo no FITUA 2002. Tema original de Roberto Carlos e Erasmo Carlos.


publicado por Ligeia Noire às 13:32
etiquetas: , ,

25
Mai 11


Sempre me conheci a escrever, sempre me conheci melhor pelo que escrevo.

Ora, vamos lá, ao ponto de situação.

Possivelmente, o Frankenstein apareceu na janela mas numa janela que só existia na minha cabeça… não podia ser ele ou então é uma besta e isso significa exactamente o mesmo.

O tema deste devaneio veio ter comigo em boa hora e, hoje, fiquei a olhar para o título uns bons minutos.

E a verdade é que, as quatro pessoas que sou, estão a mirrar, uma delas até vê uma teia de aranha num dos olhos, teia essa que foi responsável pela descida, a pique, novamente.

O senhor de barbas, nos braços do qual eu desfaleci, disse para fingir que não existia mas é assaz complicado para uma moça como eu. 

O senhor de barbas brincou comigo, fez-me sorrir.

Talvez, mais tarde, fale da teia que uma das minhas pessoas vê, ou talvez não.

O senhor de barbas fez-me lembrar outros senhores de barbas, por exemplo, o meu antigo professor de geometria descritiva, ambos cheios de livros nos anos que os compõem mas, também, cheios de palavras simples e olhos que vêem.

Gosto de senhores de barbas, fazem-me sentir junto de ti Supremo, fazem-me pequenina e comporto-me como tal, involuntariamente.

Essa minha pessoa prefere a escuridão mais do que nunca porque, a teia de aranha que lhe assusta a vista, esbate-se ao entardecer... a ironia.

Essa minha pessoa violou um dos seus mais sagrados adornos.

Hoje, olhou-se e já não sabe se está, do lado de cá ou do lado de lá, da linha vermelha.

A segunda pessoa de mim, aquela que usa a domino, assentiu que não gosta de ninguém mas como isto ainda agora acabou de ver a luz do dia, cobrindo-se ainda de sangue, tem de se esperar e limpar com cuidado, para não cair no erro de se usar de demasiada violência e, claro, apurar a metáfora.

A minha terceira, aquela que me acho, está preocupada com a perfeição do corpo e por isso dá passeios ao luar por entre constantes vislumbres do que poderá vir a segui-la.

A minha quarta pessoa, deve foder as contas ao diabo e foder as percepções aos que a querem navegar nos olhos.

Às vezes, é doloroso percebermos que nos distanciamos tanto, mas tanto dos outros, que eles deixam de falar a nossa língua.

Hoje, enquanto ia a correr com todas as minhas pessoas, senti uma tristeza do tamanho das coisas por medir e senti medo, medo misturado com saudade, saudade de não ter consciência daquilo que sou e daquilo que sonhei ser quando tinha tranças e meias de renda branca.

Ainda uso tranças mas nunca mais pude sonhar ser mais nada.

A dor de pensar, a puta da dor de pensar.

Curar as feridas com beleza e quão bela é esta composição, sangra beleza e sangra coisas simples, coisas humanas, coisas da dor de pensar:

      

And all that could have been


Breeze still carries the sound

Maybe I'll disappear
Tracks will fade in the snow
You won't find me here

Ice is starting to form
Ending what had begun
I am locked in my head
With what I've done
I know you tried to rescue me
Didn't let anyone get in
Left with a trace of all that was
And all that could have been

Please
Take this
And run far away
Far away from me
I am
Tainted
The two of us
Were never meant to be
All these
Pieces
And promises and left behinds
If only I could see
In my
Nothing
You were everything
Everything to me

Gone.. fading..
Everything...
And...
All that...
Could have been...
All that could have been. 

Please
Take this
And run far away
Far as you can see
I am
Tainted
And happiness and peace of mind
Were never meant for me
All these
Pieces
And promises and left behinds
If only I could see
In my
Nothing
You were everything
Everything to me

 

Letra da autoria de Trent Reznor/Lyrics written by Trent Reznor


publicado por Ligeia Noire às 01:38

23
Mai 11

 

Podia dizer muitas coisas mas, hoje, deixo a palavra à personagem que, sentada num banco de cabeça baixa, se questiona sobre as decisões que tomou e fica de olhos vagos sobre aquilo que lhe é caro.

As perguntas que não cessam e divagam em silêncio doloroso, as respostas que nunca... nunca chegam. 

Somos filhos orfãos que anseiam regressar a casa.

 

You know... I've been here for a very long time.

And I remember many things.

I remember being at a shoreline...

watching a little gray fish heave itself up on the beach

and an older brother saying:

don't step on that fish, Castiel. Big plans for that fish.

I remember the Tower of Babel...

all 37 feet of it,

which I suppose was impressive at the time.

And when it fell, they howled divine wrath.

But come on...

Dried dung can only be stacked so high.

I remember Cain and Abel...

David and Goliath...

Sodom and Gomorrah.

And, of course, I remember the most remarkable event.

Remarkable because it never came to pass.

It was averted by two boys...

an old drunk...

and a fallen angel.

The grand story.

And we ripped up the ending...

and the rules...

and destiny...

leaving nothing

but freedom and choice.

Which is all well and good,

except...

Well, what if I've made

the wrong choice?

How am I supposed to know?

I'm getting ahead of myself.

Let me tell you my story.

Let me tell you everything.

  

In Supernatural


publicado por Ligeia Noire às 19:49

19
Mai 11

VII

 

Gotinhas pequeninas, em flores pequeninas de arcos floridas.

Para a frente para trás, devagar, recortava a noite em duas.

-Credo, assustaste-me!

-Ah espera, isto é o teu jardim?

-Não, que idiotia.

-O que significa que também posso estar aqui mesmo que te assuste?

-Pois, parece que sim.

-És mesmo menina que ainda cora.

-Não digas?

E, ele, ficou lá, junto das flores pequeninas a enchê-las de fumo e a matar-lhes o orvalho.

Há uma ou duas noites estavam sentados frente a uma mesa redonda de carvalho, num sítio qualquer, de uma cidade qualquer, as raparigas de que falei anteriormente, um homem novo e ele.

Bebia chá e sorria quando lhe faziam perguntas, como se avisasse que nunca iria responder ou, pelo menos, não com verdades terrenas.

Esse homem que, na semana anterior tinha entrado e assustado a nossa menina, o ilustre desconhecido, como lhe chamou L.

Agora já se conheciam como pessoas que se conhecem nessas mesas e cadeiras envoltas em fumo.

Por entre conversas emaranhadas e fugas para jardins de flores pequeninas.

Em abono da verdade, ela desiludiu-se com este homem com quem tinha cruzado as escadas.

Pobre menina pequenina que está habituada a manter as pessoas afastadas para as fazer perfeitas.

Imaginava-o um senhor alto por dentro e por fora mas, se lhe perguntássemos agora qual era a sua dimensão, provavelmente diria que era do tamanho das não-responsabilidades.

Foi L que a voltou a trazer cá fora, ela que a tirou do ouriço para falar palavras como as pessoas normais mas como poderia a nossa menina ser normal no meio de homens e mulheres que falavam francês e liam livros grandes cheios de homens e livres de Deus?

Cheios de espinhos que não picam...

Esta pobre rapariga, que tem um gato selvático dentro dos olhos, já não tinha tempo para ter medo, nem paciência para ser brusca.

Ficava ali, na cadeira dura, a olhar para eles e a pensar que eram pessoas e que, até aí, nada poderia piorar.

A rapariga que tinha olhos azuis e pele de pessoa nobre que nunca se deixou acariciar demasiado pelo sol, disse:

-Falas pouco… não gostas do livro?

-Nunca o li.

-Mas devias, é delicioso, quase que te ensina o sentido de todas as coisas.

-Pois, mas eu não quero que me ensinem o sentido de nada ou não teria nascido com cinco.

-Ui que ela não fala mas morde. Disse ele, o ilustre desconhecido.

E sorriu como sorriem os sardões se o pudessem fazer, devagar e com gosto.

A rapariga de olhos azuis riu com ele.

M olhou de olhos acres e foi ver se chovia.

Ele era sempre mordaz e ela, que mordaz era frequentemente, viu-se mais rápida na agressividade e no ímpeto.

O que fazia com que o sujeito se divertisse, ainda mais, como se estivesse a jogar num qualquer casino obscuro.

Ela gostava muito do que ele escrevia… ele escrevia, e ela descobriu. Não era difícil, uma vez que era bastante considerado no meio em que se movia, toda a gente o conhecia. Era comum ver catraias de corpos produzidos a olharem-no como o aprendiz olha o mestre, se bem que talvez não quisessem aprender nada de impalpável…

Mulheres de todas as idades que se lhe conheciam como amigas, ex-amantes ou admiradoras, homens que o detestavam e outros que ansiavam por suplantá-lo, como se estivéssemos numa qualquer conquista napoleónica.

Tinha um ou dois amigos com quem o podíamos ver regularmente mas, a maior parte das vezes, ninguém sabia do seu paradeiro.

Havia histórias que se ouviam... algumas possivelmente verdadeiras, outras acrescentavam-lhe lustro à fama de insubmisso, promíscuo, arrogante, egocêntrico, sedutor e enfim, o velho cliché...

Se bem que poderia provocar ambos os estados, em ambos os sexos e em todas as idades.

Dizia-se que tinha quarenta mas poucos acreditavam, pois, a aparência abonava uma juventude controlada. Constava-se que era órfão e de que teria sido educado num mosteiro por um excêntrico monge, de onde partiu para terras estrangeiras. Consta-se, também, que seria seguidor de uma religião antiquíssima e estranha, apreciador de drogas e homem de inúmeras paixões mas nenhuma que o fizesse abandonar os pardos caminhos por onde se movia e as estranhas coisas que se dizia fazer.

Conviveu com hippies, punks e todos os que se lhe seguiram, viu morrerem-lhe amigos e nunca conheceu familiares.

Educado e extremamente inteligente, tinha como profissão conhecida qualquer coisa que envolvia línguas, mas os mais novos e recentes no meio chamavam-lhe libertino.

Não era simpático, nem condescendente, nem emotivo, nem presente.

Às vezes, ia beber uma cerveja ou um café e fumar um cigarro ao bar do costume mas ficava na mesa redonda de carvalho a ouvir os conhecidos falarem das últimas façanhas do governo ou das novas tendências literárias, como se aquilo não fosse problema dele, como se depois de sair dali fosse para o mundo ao lado.

Raramente se irritava e, era tão subtilmente mordaz com os moços que o abordavam que só ele se ria.

Era toda esta a fama de que a rapariga de quem aqui se conta a história ouviu falar e à qual ela própria acrescentou uns pozinhos ao ler-lhe os escritos. Um dândi que se perdeu da plêiade libertina e vivia por ali…

No entanto, mesmo tendo conhecido o sujeito ignorante do seu rol de propriedades, aos olhos de uns, admiráveis e aos de outros, pouco ortodoxas, já o achava mais um que demandava coroa e joelho no chão.

Ele era como aqueles cogumelos venenosos que só de aparência nos abatem as defesas… Os cabelos castanho-avermelhados, como se a lava violasse a terra, olhos verdes que contavam tudo mas em língua desconhecida, lábios rosados, como se de uma mulher se tratasse, rosto claro e barba de mosqueteiro, porte de cavalheiro que fica bem a cavalo, unhas ligeiramente compridas e nuas, sempre de negro e sempre de botas.

Foi esta a figura que ela viu nas escadas e de quem fez o esquisso na cabeça (mas esqueceu-se de que nunca soube desenhar, falta-lhe o engenho e a arte).

Ela não gostava muito de ir à taberna mas como L trabalhava lá, poupar e regressar a casa era mais fácil e, claro, a música era quase sempre melhor que as demais doçarias.

-Olá, logo vou buscar-te ou vens cá ter?

-Quê? Eu tenho mais que fazer, não vou para aí ouvir as palestras daqueles gajos, fico bem em casa.

-Estás a falar a sério? Vais perder o concerto? Só lá foste duas vezes e nunca mais lá apareceste e eles não estão lá todos os fins-de-semana, aliás, o gajo raramente aparece, tu é que tiveste azar nos dias em que foste… se bem que não percebo… ele é extremamente educado… vá anda…

-Ó, eu não estou a limitar nada por causa deles é só que... tu sabes... és responsável ali, não te quero atrapalhar e eles convidam-me para me sentar e eu não vou dizer que não e ficar ao balcão junto dos "pescadores" mas, depois, sinto-me desconfortável e ridícula, sei lá…

-Deixa de ser adolescente revoltada e anda, bebes uns copos e se não curtires o ambiente podes bazar e ficas na minha casa que é mais perto.

-Ó, está bem… sou tão fácil de convencer...

-Isso, jantamos juntas. Ao entardecer apareço aí.

 "Uma rapariga tão crescida e sempre cheia de reticências", pensava ao pousar o telemóvel, enquanto olhava da janela para um gato a atravessar a rua e a subir a um muro... "Se queres vais e o resto não interessa, se fosses ainda uma adolescente revoltada como ela disse, seria muito mais fácil, já que eles não pensam demasiado."

Ao chegar ao carro da amiga, era visível que tinha deixado a sua acidez mais na alma do que no corpo, a sua indumentaria estava mais acetinada e a vontade mais premente.

Esta noite seria concorrida, o conhecido grupo neoclássico francês iria dar um concerto e seria mais do que certo que a taberna iria encher.

Enquanto a amiga foi para a sala ao lado, M sentou-se nas filas do meio, os violinos deram entrada, logo seguidos do piano e do violoncelo, a música ecoava pelas mesas redondas e pelas cadeiras agrestes. Não havia barulho algum, todos estavam serenos e atentos como se ali se estivesse a consagrar a ceia primordial.

No final, todos se levantaram e pediram encore, ao que a porta-voz do quinteto acedeu de modo sorridente, desde a Tocata e fuga, à Enjoy the silence, todos se deleitaram com as novas formas que o som ia tomando nos seus sentidos e, assim, se passou uma hora e meia.

A amiga ficou a conversar com a rapariga do violino e a nossa menina foi para o jardim sentar-se no baloiço do costume.

Para a frente para trás, devagar recortava a noite em duas, fechou os olhos.

"A música é a coisa mais bela do mundo, a seguir às flores", pensava ela mas as flores não cheiram a tabaco e tabaco era o perfume que lhe ia caindo no nariz.

Quando acordou viu que o gajo estava sentado no muro de pernas cruzadas, o casaco estava no banco de pedra e os olhos no movimento lá ao fundo.

Ela não disse nada mas ficou assustada por não o ter ouvido e se fosse um assaltante? Podia ter-lhe delapidado a garganta antes que pudesse dizer um ai que fosse.

-Pensei que a cidade grande tinha assustado a menina de vez…

-parece que ainda não, mas vai mantendo as esperanças.

-Sempre. Então, não era para já teres ido embora, como se fosses demasiado especial e rebelde.

-É por isso que estou cá fora. Bem, na verdade estou a ouvir o pior dos enfatuados mas não se pode ter tudo…

-Menina, moça espirituosa, já vi que me deram a conhecer a vossa senhoria em livro aberto, tão gentis estas criaturas! Jogo injusto, mal sabem os demais que a pior das egocêntricas gosta de flores e anda de baloiço, mas não faz fama e assim nada se sabe dela.

-Não há nada para saber.

-Ah pois, é isso, desde que nasceste, o teu quadro permanece em branco, deve ser triste não o ter tingido de sangue de batalhas ou do dourado do prazer.

-É assim que consegues com que as meninas bem vestidas ali dentro se ajoelhem perante a tua divina majestade?

- Exactamente. Uma vez que sabes tudo sobre mim, deverias elucidar-me, a minha mente já não é o que era.

-Pois, se calhar é isso que te move.

-Ó minha cara, poderia ter a amabilidade de continuar este joguinho de quem quer foder quem mas já não tenho paciência, talvez aches que fazes parte de um qualquer conto desses teus lúgubres escritores, em que o revolucionário e belo cavaleiro se deixa dominar pela inocente e doce donzela, mas nem tu és doce ou inocente ou sequer fazes o meu género e nem eu tenho paciência para me rebelar ou para andar a cavalo… se quiser fodas ei-las, e não preciso de inventar conversas amanteigadas, não sou dramaturgo e detesto novelas.

Aqui não há belezas, nem floreados, cada um vive a vida como pode e tu, com certeza, já tens idade e discernimento suficientes para usar de sensatez naquilo que te dizem e naquilo que pensas ser verdade e, agora, sê uma menina bonita e vai a correr para casa escrever um poema triste e magoado contra o mundo que não te compreende.

Dito isto acabou o cigarro e fez aquele seu olhar de língua estrangeira acompanhado pelo sorriso de sardão, ficando a olhar para ela.

O rosto da rapariga corou demasiado e a verdade é que foi mesmo embora, não a correr e não porque não lhe quisesse dar uma chapada ou gritar-lhe de que não era assim mas porque estava triste e lhe apetecia chorar.

"Filho da puta trinta vezes sete!

Nunca lhe disse nada de especial, apenas reajo ao sarcasmo e à forma desdenhosa com que ele me trata.

Bem, se calhar sou mesmo assim… é isso, sou uma idiota que ainda pensa que pode mudar o mundo, sou ainda mais triste do que aquelas gaiatas espartilhadas em demasia e de lábios vermelhos que se bamboleiam no átrio".

O cavalheiro ficou ainda um bom bocado a olhar para o vazio e a acabar o segundo cigarro.

Depois, como se tivesse chegado ali apenas há um instante, foi cumprimentar os conhecidos e ficou a conversar, alegremente, com uma mulher de franja negra.

Se desta vez a menina foi cheia de vontade de olhar o mundo de frente e de escapar um bocado à realidade, o tiro saiu-lhe pela culatra.

Foi a realidade que se lhe desaguou olhos adentro.

Esta rapariga à espera de um anti-herói para lhe conquistar a alma parece uma história bem bonita mas é pena que sobre ela também não haja rumores, ou saber-se-ia que não é mais do que um farrapo feio e bolorento, cheio de alvéolos e vermes com os quais já se habituou a conviver.

publicado por Ligeia Noire às 20:25
etiquetas: ,

17
Mai 11


Não esforçar, não prensar demasiado.

Falar palavras pequeninas.

Hoje sou junco na beira da ribeira.

Comi muitas alfaces.

Está sol todos os dias.

Ainda não acordei.

O mundo está de partida.

A janela está sempre escura.

Vi a rapariga com quem ia à catequese, falámos, sorri, e usei a domino.

Está bonita.

Gosto do cabelo, ela pensa que mudou, ela pensa que mudei, o mundo pensa que mudou.

Mudámos?

Sinto o cheiro de coisas feias a caminharem em direcção ao alvo do costume, não sei se tenho medo, vou encostar o ouvido à terra para lhes tomar o pulso.

Quero dançar, quero outro espartilho, quero ir agradecer-te a casa e continuar a pedir-te que me cures.

Quero que a janela se ilumine, quero que ele me peça palavras e me abra as dele em labirinto.

Quero saber como soa e como olha para coisas que não têm distância.

Quero saber se vale a pena continuar a pensar nele para a construção.

Quero voltar a ver-te, a ti, Supremo, muito, demasiado, olha-me e aparece.

Quero que ela chore por mim, quero sabê-la a chorar, preciso de fazê-la sofrer porque já não a creio.

Assustei-me por atestar o atestado.

Um filme, duas cenas, a concedida e a profanada, e como sempre a segunda.

Não posso ir buscar mais palavras.

O velho pesadelo, o medo do exame de consciência que tinha de fazer quando era catraia e que só a ti coube saber na plenitude porque não usas palavras.

O medo que me persegue de, no juízo final, as nossas entranhas inconscientes serem postas em alta definição.

Mais forte do que eu, nasci assim, ímpeto, natureza, tinha consciência?

Gosto de pensar que não.

Quem diria que, a de outrora, és hoje tu.

A rosa vermelha vestiu-se de lírio branco.

Lembro-me de tudo e não quero falar mais, nem contigo, linha vermelha, afasta-te.

É noite e quero que a DMT me desça em correnteza de rio e me faça descobrir santieiros em pardos caminhos.

publicado por Ligeia Noire às 00:54
etiquetas:

11
Mai 11


Ontem, voltei a ver umas brechas ao meu Frankenstein.

Adoro acasos porque, na realidade, não existem.

Sereno, à janela e escondido pelo cabelo, sempre estiveste tão perto e num momento de ar rarefeito vejo-te na altitude.

Engraçado, pensei que já havias ido para as tuas águas frias e levado partes essenciais para a construção.

Quanto a ti, Supremo, tinha escrito muito e de sabor violento, tu leste... mas não o vou tornar testemunho.

Todavia, és o meu único amigo e o único em quem creio de olhos fechados porque me sabes toda.

Apesar de estar zangada contigo, não posso continuar assim, tenho de aprender a viver no pântano e a ter braços e pernas fortes para me retirar sozinha.

Continuo a amar-te, embora, às vezes, te culpe pela negritude.

Enquanto crescemos vamos aprendendo a versão negra de tudo e que nada é indelével ou nosso, nem mesmo o corpo.

Entretanto, aqui vai um excerto retirado do filme Romance da Catherine Breillat, deveria ficar mais bonito em francês mas eu e a língua não nos conhecemos.


As the mother begets the son, the son begets the mother.

His act is the creative counterpoint of the whole process.

In begetting the mother, he purifies her and himself, uno acto.

He turns the Whore of Babylon into a virgin.


E a Virgem, também ela pode ser a mãe das abominações, a completude, o peito nocturno, o regaço dos filhos malditos.


(...) Beautiful women are taken by ugly men.

That's a well-kept secret.

There has to be attraction and the attraction isn't between man and woman, that's too simple!

It's between beauty and ugliness.

Beauty feeds on degradation, communes with it.

That's where I come in.

I feast on it.

  

A beleza alimenta-se do grotesco, da decadência porque o decadente e o grotesco se alimentam dela na mesma proporção, tão verdade.

O equilibrio da Natureza que nós nunca saberemos atingir. 

publicado por Ligeia Noire às 01:39
etiquetas: , ,

10
Mai 11

 

I


Palavras feias


Não sabia que ainda me faltavam tantos espancamentos.

Desce lá daí e explica-me as circunstâncias.

Para além da porrada diária, fazes com que os que amo presenciem de camarote almofadado às impossibilidades.

Obrigas-me a ver o esforço deles para me darem a mão, enquanto rasgas e rasgas.

Não consegui, ainda, atingir a dimensão da crueldade.

Como és tu capaz de roubar um sorriso prematuro, um sorriso que tentava habituar-se, ainda, à luz forte da manhã?

Como podes tu, que já não reconheço, ter guardado no bolso uma lâmina nova, uma queda aparatosa, um derrame seco?

A culpa não é minha.

Não venhas bater-me aos neurónios durante a noite porque me sabes inocente, sabes que tentei, sabes que contrariei a minha natureza para estar acima da superfície e tu… tu queres-me morta… morta em vida.

Já violei tudo em mim e no dia em que violar o amor de sangue, vou aí ver-te a cor dos olhos.

 

II  

 

If you come closer, I'll show you how it feels


E espera lá, o que raio foi aquilo?

Por que motivo o acordaste e lhe puseste aquelas palavras, que não sei processar, na boca?

Acordar a flor-selvagem foi idêntico à esponja envinagrada que deram a Cristo quando ele pediu água e eu sei que tu sabes o gosto.

E a ela?

A ela esvaziaste-lhe o peito de mim e da boca saiam coisas triviais.

Acha-me confusa e presa ao círculo por abnegação.

Dás-lhes vidas em que eu estou longe e coberta de neve.

Não gosto disto, não gosto de me encontrar sempre num quarto de paredes brancas e estéreis enquanto morro em cima de lençóis brancos e rosa, como uma árvore no meio da tundra.

E aquela senhora, aquela senhora com quem não falava há anos, apareceu assim, a falar da minha beleza e das saudades e do caminho que não fiz.

Olha para mim!

Por que os fizeste sorrir?

Por que adoçaste o ar?

Às vezes, pareço uma criança esfomeada, cheia de costelas visíveis e de pés desregrados que se cola ao vidro de uma montra cheia de bolos de baunilha, chocolate e chantilly.

Parece que te oiço dizer, sem palavras, que ainda há muita profundidade para alcançar que, por certo, até me deixas ultrapassar o vidro e ter os bolos na boca mas, depois, sentirei nojo, repulsa e tudo me parecerá pequeno e grotesco, visto de dentro.

Por que me dás rosas e caminhos e depois me abres o deserto nos pés?

 

III

 

Now you know how it feels


Há uns tempos, escrevi que tu e todos os que controlas ou que te fazem ou que tu fazes ou o caralho a sete, me preferem desesperada a sepultada.

Ah... não me sabia tão sábia, verdadeira autoridade canónica na arte de descer, cair a pique, sobrevoar o abismo.

E o que prometi vou cumprir, conheço-me como uma mulher de palavra.

Querias que chorasse?

Temos pena, não consigo.

Nem beber consigo, só o sono me assola.

Embora, solenemente, espere uma sede de proporções industriais.

Assim, podes sentar-te na plateia, como os anjos da Ligeia, a ver-me no meio de todas estas palavras imundas de sabor.

Fica tudo mais suicida e dolente.

Não é divertido?

E, como podes adivinhar-me no coração, a raiva nunca é por mim, que sou proscrita, mas pelo que fazes à minha corrente de salvação.

Não há atalho possível sem que por eles não passe.

Espero sim, pela verdade, porque se a culpa é minha, é tua.

Se fiz os buracos aquando da inconsciência, foi com os teus olhos em cima.

Se os fiz em lágrimas, foi na tua casa, até porque não posso continuar aqui sem existires num canto da minha cabeça.

   

Post Scriptum: Pensei em não transpor isto para estes lados porque não sei se ainda faz sentido mas há umas semanas fez e, de alguma forma, ainda faz porque só retirado de dentro e posto à minha frente se torna perceptível. É para isso que escrevo.

publicado por Ligeia Noire às 23:37
etiquetas: ,

09
Mai 11


The soft sound of snow crunching underfoot gives me comfort.

Her building is at the end of the block.

She lives on the north side.

Bottom floor.

Middle apartment.

I see her:

1,2,3,4,5 steps.

Wrong key.

Lock clicks.

She drops her coat and scarf in the entry and kicks off those...vixen shoes.

She shuffles to the kitchen and pours a glass of scotch.

(I am inside)

She lights a cigarette and blows the smoke over the match.

(She doesn’t notice)

The gray smog rises from her lips like a cremation furnace.

The simple elegance of this quiet moment is almost irresistible.

 

(But, I wait)

 

She slugs back the scotch, finishes her smoke and ashes it in the sink.

She unties her hair and enters the hallway.

Past the childless bedroom with the empty crib.

Past the altar coated in wax... like a wedding cake.

The tiny packages of meat, dead flowers, and baby’s breath. 

She enters the bathroom, where she undresses.

She sits on the edge of the bath.

Her naked body folded in half.

Heavy tits hanging like mushy stalactites over her lap.

(How precious.)

She closes her eyes and holds her head as if it might... float away.

For a moment, my thoughts drift again, this time to the hammer I am holding.

The handle is smooth as bone, the forged steel head is heavy, and...

I

feel

powerful.


She reaches for the faucet and I snap back to the moment.

Bubbles brim the edge of the tub.

Her fingers check the water temperature... and I am ready.

I move behind her...

-She doesn’t hear.

I swing the hammer...

-She doesn’t see.

I crack her skull...

-She’s in the tub.

Facedown.

I am drowning her.

Mashing her head to the bottom.

Knifing the claw of the hammer into her spine and ribs over

and over

and over

and over

and over

and over

and over

and over

and ...

Her body stops pretending to care and surrenders as it is supposed to.

Just to be sure, I press her heart, keeping her head beneath the bloody water a few moments more.

Her neck snaps.

Her nose breaks, and her face collapses against the bottom of the tub.

I see my reflection in the mirror and soapy foam has formed a half smile over the black nylon mask I am wearing.

I lean to her.

The water glistens like glass.

I hover over the surface, soft breath causing tiny quakes... and whisper:

I have done to you... what nature has done... to me. 

She doesn’t reply. 

I stand... and turn off the light. 

The room is dark and empty. 

Just like I am now. 

 

Letra da autoria de Otep Shamaya/Lyrics written by Otep Shamaya


publicado por Ligeia Noire às 21:27
etiquetas:

03
Mai 11


Quero escapar-me.

Se me perguntassem qual é o meu desporto favorito, eu diria escapismo.

Pratico-o sempre que posso mas de preferência quando estou à luz do sol e à luz dos outros.

Acho que posso considerar-me uma profissional, tendo em conta os meus longos anos de experiência.

Às vezes, adiciono-lhe violência porque, como não gosto do perigo desequilibrado, me desato pela certeza do castigo em ambiente controlado e higienizado.

E isto é por mim e em mim, uma vez que não gosto de correntes e autoridades alheias, mecanizadas e planeadas.

As flores da Páscoa, que estavam sobre uma toalha de linho na mesa da sala, estão agora e ainda no meu quarto.

São rosas que picam a cada milímetro do seu caule e, não sei como dizer a cor, porque o vermelho, o cor-de-rosa e o roxo podem misturar-se.

Ainda não estão secas mas já não estão vivas.


Breathe the air through the water


Neste fim-de-semana descobri que:

- O meu sangue não é açucarado;

- A minha mãe pensa que tudo o que tem sucedido em catadupa já saiu do domínio das leis da Física.

 Tenho voltado aos pesadelos de coisas que me varrem a cabeça de um lado ao outro e, sinto-me um cão ou neste caso, uma cadela, vadia e inquinada com raiva.

Um bicho desregrado e desconsolado que se atira contra as grades do seu ambiente controlado deixando-as cobertas da saliva seivada que lhe escorre do focinho, até às garras embrutecidas.

E tudo isso é provado pelos factos pequeninos, como o de pegar naquele instrumento prateado e querer cortar todo este cabelo.

Este espécimen que aqui presenciam, sabe-se alterado quando viola aquilo que lhe é sacro.

Não me vai fazer sentir melhor mas a que tenho dentro de mim, quer me fazer ver que sim, para depois vir de dentro, sentar-se na minha garganta e rir-se da minha vontade utópica de perfeição na devastação.

O poeta é um fingidor mas eu sou uma pessoa.

Ainda faltam tantos dias para saber…

E como se me quisesses afagar a fronte fizeste acordar aquilo que melhor me adormece, a flor-selvagem.

Tenho que agradecer-te.

Como me sabes tão bem…

Ele é o escapismo em correnteza de rio precioso.

Pensei que… não, não pensei.

E que palavras ele me trouxe e de que palavras me encheu.

Sei que a estória das gavetas ainda é cal fresca mas não estou zangada.

Ele é teu filho, não o admite, não te conhece conscientemente mas é tão teu filho, por isso, nunca espero que fique e nunca guardo amarguras, porque sei que ele e eu somos de sempre e isso é melhor que ser de agora.

Foi tudo isto e é tudo isto que me escorre dos dedos enquanto tento escapar-me ao saco negro e industrial que se aproxima a passos largos.

publicado por Ligeia Noire às 01:08

mais sobre mim
Maio 2011
Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab

1
2
3
4
5
6
7

8
9
12
13
14

15
16
18
20
21

22
24
26
27
28

29
31


Fotos
pesquisar
 
arquivos
subscrever feeds