Quero escapar-me.
Se me perguntassem qual é o meu desporto favorito, eu diria escapismo.
Pratico-o sempre que posso mas de preferência quando estou à luz do sol e à luz dos outros.
Acho que posso considerar-me uma profissional, tendo em conta os meus longos anos de experiência.
Às vezes, adiciono-lhe violência porque, como não gosto do perigo desequilibrado, me desato pela certeza do castigo em ambiente controlado e higienizado.
E isto é por mim e em mim, uma vez que não gosto de correntes e autoridades alheias, mecanizadas e planeadas.
As flores da Páscoa, que estavam sobre uma toalha de linho na mesa da sala, estão agora e ainda no meu quarto.
São rosas que picam a cada milímetro do seu caule e, não sei como dizer a cor, porque o vermelho, o cor-de-rosa e o roxo podem misturar-se.
Ainda não estão secas mas já não estão vivas.
Breathe the air through the water
Neste fim-de-semana descobri que:
- O meu sangue não é açucarado;
- A minha mãe pensa que tudo o que tem sucedido em catadupa já saiu do domínio das leis da Física.
Tenho voltado aos pesadelos de coisas que me varrem a cabeça de um lado ao outro e, sinto-me um cão ou neste caso, uma cadela, vadia e inquinada com raiva.
Um bicho desregrado e desconsolado que se atira contra as grades do seu ambiente controlado deixando-as cobertas da saliva seivada que lhe escorre do focinho, até às garras embrutecidas.
E tudo isso é provado pelos factos pequeninos, como o de pegar naquele instrumento prateado e querer cortar todo este cabelo.
Este espécimen que aqui presenciam, sabe-se alterado quando viola aquilo que lhe é sacro.
Não me vai fazer sentir melhor mas a que tenho dentro de mim, quer me fazer ver que sim, para depois vir de dentro, sentar-se na minha garganta e rir-se da minha vontade utópica de perfeição na devastação.
O poeta é um fingidor mas eu sou uma pessoa.
Ainda faltam tantos dias para saber…
E como se me quisesses afagar a fronte fizeste acordar aquilo que melhor me adormece, a flor-selvagem.
Tenho que agradecer-te.
Como me sabes tão bem…
Ele é o escapismo em correnteza de rio precioso.
Pensei que… não, não pensei.
E que palavras ele me trouxe e de que palavras me encheu.
Sei que a estória das gavetas ainda é cal fresca mas não estou zangada.
Ele é teu filho, não o admite, não te conhece conscientemente mas é tão teu filho, por isso, nunca espero que fique e nunca guardo amarguras, porque sei que ele e eu somos de sempre e isso é melhor que ser de agora.
Foi tudo isto e é tudo isto que me escorre dos dedos enquanto tento escapar-me ao saco negro e industrial que se aproxima a passos largos.