“We are like roses that have never bothered to bloom when we should have bloomed and it is as if the sun has become disgusted with waiting”.

29
Jun 11


Dedicatória cravejada de rubis:


Claro que vais dizer se quero provar.

Claro que vais tomar o lugar de relevo e, de máscara bem colocada, revelarás toda a tua abjecta piedade, como se Deus te tivesse deixado a chave.

Claro que queres as minhas veias para as encheres do teu estrume. 

E, vais olhar como as hienas para dentro dos meus olhos, com fome, muita fome, fome de que me vista de camurça e te atapete o chão.

Delicadas picadas ofertam estes reis sem trono pela calada da noite e, quando amanhece, visitam-nos de sorriso peçonhento e oferecem-nos toalhas de linho com mãos que não sabem sentir.

Pára, escuta e olha: eu não quero saber, eu quero que tu e tu e mais tu e todos esses teus tu semelhantes, que usam da mesquinhez para atingir o clímax, se

 f-o-d-a-m- 

Ou achas que eu saí ontem do meu ovo ou achas que quando sorrio não te vejo?

A porcaria, como diriam os Mão Morta, a porcaria que vejo caminha por todos os lados.

Portanto, feita a dedicatória vejam-se ao espelho sorriam e guardem as vossas maçãs de rubi na cesta porque as costas desta moça são feitas de olhos sem pálpebras.


God Given


Hey man

please don't make a sound

take a look around

can't you see what's right in front of you?


have a little taste

no more time to waste

you don't want to get left behind, because it's all coming down right now

 

now - how hard is it to see?

put your faith in me

I sure wouldn't want to be

praying to the wrong piece of wood

 

you should

get where you belong

everything you know is wrong

come on, sing along everybody now

 

(God given)

 

and He gives us sight

and we see the light

and it burns so bright
now we know we're right


when His kingdom come
and Thy will be done
we have just begun
we're the chosen ones

 

I would never tell you anything that wasn't absolutely true that hadn't come right from
His mouth and He wants me to tell you


Wait

step into the light

how can this be right?

I'm afraid we're going to ask you to leave


guess you can not win

with the color of your skin

you won't be getting in to the Promised Land


besides

this is just another case

you people still don't know your place

step aside, out the way, wipe that look off your face


we are the divine

separated from the swine

come on, sing along everybody now

 

(God given)


and He gives us sight

and we see the light

and it burns so bright
now we know we're right


when His kingdom come
and Thy will be done
we have just begun
we're the chosen ones


and He gives us sight

and we see the light
and it burns so bright
now we know we're right


when His kingdom come
and Thy will be done
and the Father and the Holy Son
we're the chosen ones

 

I would never tell you anything that wasn't absolutely true that hadn't come right from

His mouth and He wants me to tell you

   

Lyrics by Nine Inch Nails/Letra da autoria dos Nine Inch Nails

publicado por Ligeia Noire às 00:45
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27
Jun 11


I'm only happy when it rains

 

I'm only happy when it's complicated
And though I know you can't appreciate it
I'm only happy when it rains
You know I love it when the news is bad
And why it feels so good to feel so sad
I'm only happy when it rains

Pour your misery down, pour your misery down on me


I'm only happy when it rains
I feel good when things are going wrong
I only listen to the sad sad songs
I'm only happy when it rains

I only smile in the dark
My only comfort is the night gone black
I didn't accidentally tell you that
I'm only happy when it rains
You'll get the message by the time I'm through
When I complain about me and you
I'm only happy when it rains

Pour your misery down

 

You can keep me company, as long as you don't care

 

I'm only happy when it rains
You wanna hear about my new obsession
I'm riding high upon a deep depression
I'm only happy when it rains

(Pour some misery down on me)
I'm only happy when it rains

  

Lyrics by Garbage/Letra da autoria dos Garbage


publicado por Ligeia Noire às 01:23
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24
Jun 11


Ontem, ontem, ontem vi o meu Frankenstein, inteirinho!

Não há acasos.

Continua tão… é o mundo… chama-nos e é fascinante quando nos apercebemos de que nem tudo é cimento e fome.

Tão seguro, tão ruivamente belo, o cigarro na boca, as mãos alvas e os olhos escondidos.

De onde és tu?

Para onde vais?

Voltas?

Fizeste-me rir, ri muito quando te vi do nada, assim como um santieiro.

Que orvalho te alimenta a encantamento involuntário? 

 

Post Scriptum: Fizeste-me lembrar o Eric Vonk.


publicado por Ligeia Noire às 18:59

23
Jun 11


The Beautiful People


And I don't want you and I don't need you

Don't bother to resist, or I'll beat you
It's not your fault that you're always wrong
The weak ones are there to justify the strong

The beautiful people, the beautiful people
It's all relative to the size of your steeple
You can't see the forest for the trees
You can't smell your own shit on your knees

There's no time to discriminate,
Hate every motherfucker that's in your way


Hey you, what do you see?
Something beautiful, something free?
Hey you, are you trying to be mean?
If you live with apes man, it's hard to be clean

The worms will live in every host
It's hard to pick which one they eat most

The horrible people, the horrible people
It's as anatomic as the size of your steeple
Capitalism has made it this way,
Old-fashioned fascism will take it away


Hey you, what do you see?

Something beautiful, something free?
Hey you, are you trying to be mean?
If you live with apes man, it's hard to be clean


There's no time to discriminate,

Hate every motherfucker that's in your way


Lyrics by Marilyn Manson/Letra da autoria dos Marilyn Manson

publicado por Ligeia Noire às 01:27
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21
Jun 11

 

Tive de parar o filme, várias vezes, para respirar.

Medo puro, duro, real e numa esquina, casa, mundo perto de nós.

Sufocante, a noite.

A noite, quando temos medo, dura tempo incontado.

A casa grande na floresta, num país que ainda permanece tão recôndito quanto nos tempos do Drácula.

O telefone toca e… como descrever… são uma matilha, não têm leis, nem a moral que os idiotas das escolinhas acham que existe lá fora, às vezes, pergunto-me se vivemos no mesmo mundo...

Gosto muito de cinema de terror, gosto muito desta vaga de cinema extremo mas, a diferença, é que quando a ameaça é sabida como real, quando sucedeu, quando a vemos nas notícias a espancar velhos ou transexuais, ou a matar casais, o caso muda de figura.

Nunca apreciei bandos, tenho pavor de me cruzar com eles.

A diferença é que este mundo não tem veludos, nem anjos, nem risos, os problemas não são feitos de desamores e futuro, e diplomas e livros e sofrimentos de rendas e eyeliner, este sítio tem sangue, tem fome, tem cães humanos cheios de seiva.

Numa entrevista, que vi hoje, dos anos noventa, a Diamanda dizia trazer sempre com ela um revólver.

Uma vez que, não acreditava que se podia descer uma rua em Nova Iorque, incólume.

A menos que se parecesse invisível ou que não se saísse da norma porque há sempre algo que pode despoletar uma investida.

É por isso que, às vezes, rio sozinha quando me sento a uma mesa de quatro pernas a ouvir coisas dos livros, com gente à minha volta, parece-me tudo tão caricato.

É como se o mundo estivesse hipotérmico e nós saíssemos à rua de lingerie.

Tenho medo, claro que tenho medo, escrevo aqui muitas coisas mas aquelas que realmente me assustam, nem sequer tenho a audácia de lhes pôr letras.

E na cabeça funciona o: "não penses nisso, não penses nisso".

Não sei lidar com o medo, o medo assusta-me, o medo…

Vou contar uma história que me aconteceu há vários anos.

Na minha aldeia, quando eu era mais pequena, era costume mungir as vacas e levar o leite a uma leitaria.

Dava uns trocos e as vacas são muito bonitas.

As minhas eram turinas, o que eleva ainda mais a cena.

Às vezes, era eu que pegava na cântara às costas e levava o leite com a minha prima até ao destino, o qual não ficava nada perto, mas era fixe.

No Inverno, como escurecia muito cedo, tentávamos andar mais depressa mas a noite encontrava-nos sempre.

Um dia, quando vínhamos a descer o caminho já perto de casa, uma sombra moveu-se por trás de nos e falou qualquer coisa que agora não me lembro.

Congelei da cabeça aos pés e o coração esganou-se, senti tanto medo que não conseguia respirar e pareceu tempo infindável mas foram apenas segundos até me aperceber que a minha prima estava a cumprimentar a dita figura e que, na verdade, era um vizinho que voltava para casa depois de ter estado a roçar mato para as cortes.

O alívio foi tão mas tão grande que senti uma felicidade pura como nunca julguei ser possível.

Não sei se foi a primeira vez que senti medo mas sei que ficou gravado num neurónio qualquer.

No entanto, a noite, para mim, é como heroína, temo-a e amo-a, é mãe de todos e não excomunga ninguém.

E mesmo sendo uma temente do medo, não sou refém dele, aliás, uma das coisas que mais gosto é de me sentar à lareira a ouvir histórias, lendas, folclore ou seja lá o que for que os mais velhos têm para contar.

É delicioso.

Há uma história que o meu pai volta e meia conta e que me assusta sempre.

O meu pai sempre trabalhou longe e a maior parte das vezes vem à noite com o saco às costas.

Mais uma vez, a noite foi mãe e o Inverno pai.

E, não de propósito, moramos no monte, bosque, mato, floresta, com meia dúzia de casas, agora, a maior parte desabitadas.

Vinha ele de regresso do trabalho, era fim-de-semana, e no caminho vê ao fundo um vulto e, conforme o Jonathan Harker se refere às noivas como sendo senhoras pelos trajes que envergavam, ele pensou ser um homem pelo alto chapéu, casaco comprido e postura.

Como o meu pai é o meu oposto, destemido, nada de estranho lhe ocorreu e ao passar pelo dito saudou-o com um "boa noite" mas não ouviu resposta e nunca lhe chegou a ver o rosto, seguiu o caminho.

Quando chegou a um carreiro mais abaixo, olhou para o local e, o "homem", estava estacado no mesmo sítio.

Nada mais sucedeu.

Na minha terra, há uma superstição em relação a saudações, diz-se que, à noite, nunca se deve saudar ninguém a menos que se conheça.

O meu pai não vai nisso mas, até hoje, lhe ficou na memória o estranho vulto sem rosto que o olhava do alto do seu chapéu negro e casaco comprido.

Há muitas preciosidades destas que guardo no bolso.

E, embora este filme nada tenha que ver com o sobrenatural, que aprecio, invoca o medo, o medo da realidade, o medo do que sabemos que acontece e que tem pernas e mãos.

Sufoca, sufoca e sufoca.

E que barulho era aquele?

Que brinquedo era aquele?

E aqueles chamamentos animalescos e aquele autocarro que parou e que prosseguiu como prossegue a voz que ouço quando me sento na mesa de quatro pernas, a árvore que morre na floresta.

Ainda ontem me diziam que o pandemónio está aqui e agora.

E que, quando se começarem a deglutir uns aos outros, a diferença estará naqueles que tiverem dinheiro para construir muros altos ou então um frasquinho de salvação em direcção à luz.


publicado por Ligeia Noire às 23:51
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20
Jun 11


Como se o tempo e o espaço te fossem indiferentes.

Como se as feridas abertas e os olhos molhados não te fizessem parar.

Como se acreditasses sempre enquanto fazes crer ao mundo que tudo são lágrimas.

É ela que te traz preso e é ela que guardas entre o sangue mais quente.

É ela, meu querido amigo, que esperas no teu Inverno.

Foi essa flor, que desabrocha longe dos Homens, a tal, a que procuraste em todas as outras.

A mulher entre as mulheres, a de regaço balsâmico que te limpava o coração e o pensamento do horror do mundo cimentado.

Acha-la rainha e navegas por entre o céu e o inferno para lhe impores coroa e trono.

Mareias num mundo circular mas nunca cessas e corres muito, com os pés desfeitos mas os braços bem abertos, na esperança de que a musa esteja lá e te revele o que lhe envolve o peito. 

Queres-lhe enleios e guardas-lhe o teu sorriso mais precioso, para que lhe acenda os olhos embaçados.

Queres-lhe palavras de amor e exiges que o firmamento se funda e os deuses chorem na presença da pureza que albergais.

Foste cavaleiro, leal guerreiro, trovador de coração agredido, guardando do mundo todos os segredos.

Mas a musa, a musa não voltou, a musa trazia lâminas nas palavras e ,viste-lhe os passos certeiros e de partida trilhados, por entre a neve.

Agora, o lume restringe-se à lareira, enquanto os dias te consomem sem piedade, sem talheres e de boca imensa.

Lá ao fundo, há uma janela por onde os teus olhos caminham, testemunhando a flor que luta por colocar as suas pétalas, brancas, acima do manto gelado.

O milagre da sobrevivência nasce sob a tua alçada e nada dizes, nada sabes porque crescer é saber que nada é o que parece.

 

A ti devotado, ao último dos românticos.


publicado por Ligeia Noire às 21:51
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16
Jun 11


No Sábado, bebi um licor estranho, o frasco mais parecia um daqueles recipientes que contêm amostras bizarras... era suposto ser licor de café mas tinha mais aguardente que outra coisa qualquer. O sítio era demasiado bonito, o lago, a floresta, a serra.

A música é que era uma merda, mesmo. Nem alcoolizada, anestesiada, ou mesmo em coma se aguentava.

Ainda lá fui colocar uma cenas decentes mas ficaram todos que nem zombies, então deixem-nos lá curtir à vontade. Lá pró meio, até já se fazia a rodinha da machadinha.

E tenho de aprender a não dar o meu número a bêbados chatos, e ouve lá, o meu nome não é Estrela caralho!

Foi calmante, no sentido de aliviar a cabeça em altura de tormenta, mas... como dizer... há gente perigosa e eu tenho uma vontade enorme de comer cogumelos.

Bem, rotinas à parte, são tantas as coisas, tantas as coisas que navegam ao redor da minha lata que me esqueço de quem sou e onde estou mas escrevi isto porque tu estás aí, vivo e falas, coisa estranha, sinto-te triste e ferido nas asas.

Sabes que mantenho o silêncio sobre o que me nasce na alma mas gosto de te desbastar o peito.

Braços e mãos de mulher, como lírios desabrochados à luz da lua, estão sempre acordados para ti.

publicado por Ligeia Noire às 01:14
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09
Jun 11


Prezado, Abre os olhos um bocadinho.


Ya, não é que esteja enamorada de ti mas, até hoje, não encontrei ninguém que te suplantasse e, não me entendas mal, não é que seja difícil suplantar-te mas, não me ponho a jeito de ser pescada, a maior parte dos pescadores não me acha uma boa pescaria e eu não acho que tenham engenho para que eu salte para o balde.

Se calhar, és mesmo difícil de suplantar, se assim não fosse, não eras flor-selvagem, rodeada de abelhas, vespas, formigas, borboletas, traças e mais uns quantos bicharocos.

Não te faço sentido?

Abre mais um pouco os olhos.

E, depois, quando estou neste humor introspectivo, a imagem de ti ou o conceito que criei para te explicar, não entra pela porta porque está sempre trancada à chave, (a minha colega de quarto foi para a Sibéria) a janela está fechada (porque a vizinhança é barulhenta) mas abro os olhos e…

Foda-se…

Foda-se…

Esta ligação desnaturada, bizarra, anómala, em que eu não te amo e tu não me amas, em que eu gosto de ti e tu gostas de mim, em que eu estou sempre a sobrevoar o abismo e tu estás sempre a atravessar o rio e a ir para o Mundo dos mortos, como Orfeu.

As saudades, as saudades e são saudades só minhas porque tenho medo, medo de ti e de mim e de tudo e do nada também.

É engraçado sabes, quando voltei estava convicta de que poderia invocar o teu cheiro quando quisesse, pretensiosa, pequena boneca pretensiosa...

De mim, que palavras poucas digo, não há muito para contar, ao contrário da Nau Catrineta.

Estou mais esburacada, alienada, cortei o cabelo, aprofundaram-se-me os olhos e matei a esperança.

Sim, leste bem, matei a desgraçada à navalhada.

Ainda bole mas já não guincha, era fraquita, a pobre.

E, sabes mais uma coisa?

Mesmo, quando durmo a noite inteira, acordo sempre cansada e sempre com sono, raramente me lembro do que sonho, lembras-te dos meus pesadelos, frios e compridos?

É melhor assim.

Prefiro não me recordar de nada e ficar apenas com o sono, não dói não é?

A antecâmara.

Nunca mais esqueci, fez sentido.

Quem és tu?

Teremos nós bebido do rio que atravessa o mundo de lá?

Abre as mãos, guarda, dorme.

Pode ser que o amanhã não exista.

Pode ser que abra, eu também, os olhos e o barqueiro esteja estacado à minha espera.


publicado por Ligeia Noire às 23:42

08
Jun 11


A beleza tem um nome: Isabelle Adjani... é impossível ser tão bela.

Tão delicada e tão intensa.

Nenhuma personagem feminina em adaptações do Drácula chega, sequer, perto da sua beleza, da sua presença e da sua profundidade.

Estou perfeitamente enamorada pela personagem.

Klaus Kinski, que me perdoem o Bela Lugosi, o Gary Oldman e o Max Schreck mas revendo tudo e… e… não sei.

Todos foram únicos e especiais mas... Não há palavras. Tenebroso, sombrio e repulsivo mas ao mesmo tempo triste, afastado, pesaroso, delicado… Tudo aquilo que séculos e séculos de vivência lhe inculcaram nos olhos, deslumbrante!

Posso dizer que de todas as versões, esta é a mais bela, a mais negra, a mais assustadora, a mais mágica e a mais tudo.

Werner Herzog consegue o melhor de cada elemento, os movimentos solitários da capa de Lucy, os cabelos espalhados, a forma como a câmara parece namora-la, a caracterização imaculada do nosso conde, aquela captação inicial, os camponeses que olham como camponeses, as roupas da Lucy… o branco que é tão negro e tão imaculado… o casaco do Conde, a capa do Jonathan… O sarcasmo subtil e o negro sobre negro.

E que banda sonora, que música é esta? Que triste, que abismal, que seda fria e desconcertante.

Tantas coisas, tantas coisas…

 

Time is an abyss.

Profound as a thousand nights.

Centuries come and go.

To be unable to grow old is terrible.

Death is not the worst.

Can you imagine enduring centuries, experiencing each day the same futilities?

 

Depois de tantas histórias, reminiscências, livros, artigos, filmes, peças de dança, música, lendas, mitos e superstições, fica este vazio, como se me sentisse abandonada… Como se o amanhecer me obrigasse sempre a contentar-me com a realidade. Tudo fora daqui tem sol e cor e palavras e barulho e olhos e tens razão Conde… deve ser terrível não se poder ter a bênção da morte.


publicado por Ligeia Noire às 23:18

06
Jun 11


Salvé Rainha, Mãe de misericórdia, vida, doçura e esperança nossa, salvé.

A Vós bradamos, os degredados filhos de Eva, a Vós suspiramos gemendo e chorando neste vale de lágrimas.

Eia, pois, Advogada nossa, esses Vossos olhos, misericordiosos a nós volvei.

E, depois deste desterro nos mostrai Jesus, bendito fruto do Vosso ventre.

Ó clemente, ó piedosa, ó doce Virgem Maria, Rogai por nós Santa Mãe de Deus, para que sejamos dignos das promessas de Cristo.

Ámen.


Não há nada mais gótico (primeira vez que utilizo a palavra neste caderno) do que o Cristianismo.

O filho que veio à Terra prossegue cravado na madeira.

Pregado de mãos e pés.

Rosto baixo e braços que ascendem até nós.

O sagrado, as oferendas, o altar, o sangue de um homem que se deixou martirizar por amor.

A trindade que se consubstancia.

O vinho, o cálice, as vestes majestosas da celebração, as velas, os rosários, o silêncio.

A beleza, que se entregou às mãos de Miguel Ângelo ao conceber a Pietà.

A mulher, mãe e senhora que segura o filho morto nos braços.

O filho morto.

Cristo de S.João da Cruz de Salvador Dalí, o homem crucificado sem rosto, o céu, a unidade, nós lá em baixo,

sozinhos, órfãos.

A Divina Comédia de Dante:

Inferno, Purgatório, Paraíso.

Paraíso, Purgatório, Inferno.

Os caminhos e os entre-caminhos, o limbo, o escuro, por onde ir, aonde chegar, a finalidade és sempre tu.

Bach, Bach, Bach Magnificat!

Ave Maria de Schubert, lembro-me de a ouvir pela primeira vez na igreja, pela voz de uma soprano que cantava em memória de um rapaz que morreu num acidente.

A mãe dele chorava.

A beleza que amansa o trágico e que permite as lágrimas.

O Réquiem de Mozart, como inserir aqui letras que formem palavras que aperfeiçoem… repouso eterno, carne, luz perpétua… piedade, tende piedade de nós, pobres filhos órfãos, pequenos e sozinhos.

O Paraíso Perdido de John Milton, Lúcifer filho, Cristo filho, nós pobres filhos órfãos, redenção na queda.

Estrela-da-manhã que te rebelaste e caíste, caíste tanto que estás agora aqui, a equilibrar o mundo que pisamos até ao dia último.

E os Nefilins, os cavaleiros dos céus, dos caídos, filhos de anjos que amaram as filhas dos homens, será que se soubesse falar enoquiano me ouviriam?

E a casa dos mortos?

De anjos de pedra feita, de flores mortas decorada, de círios e cruzes e noite e silêncio e choro e dor e partida e descanso final e esperança última para aqueles que sabem esperar.

A Virgem, a Dama branca, Maria, filha dos montes e das águas, pagã, a mãe de todos, o regaço, a mulher que segura o filho morto nos braços.

E tu?

Quem és tu que moldaram e induziram em catecismos a seu bel-prazer?

O verbo consubstanciado carne, o amor incondicional, a liberdade, a mesa onde partiste o pão e seguraste o cálice, a premissa de amor eterno.

Tu, que empregamos como limite para lermos o tempo

Tu, que ensinaste os Homens a lavar pés cansados.

Tu, que escreveste no chão, tu que chamaste as crianças, tu que calaste as pedras e fizeste falar a prostituta. Tu, que te deixaste beijar pelo filho errante, tu que pregaram à madeira, tu que sangraste.

Tu, filho, que soubeste o que é ter sangue nas veias, ossos que doem e lágrimas que corroem como ratazanas.

Tu, que bradaste aos céus:

Pai, pai por que me abandonaste?

Tu que principiaste a aliança e que foste embora para nunca mais voltar…

Tu, que vieste não sei de onde e que os Homens educaram, disfarçaram, destruíram e reconstruíram sob outros nomes, noutros ritos.

Tu, que desenhámos à nossa semelhança.

Tu, que és nós.

Tive um amigo, esse amigo é catequista, ele gosta de ensinar crianças e gosta de ser educado.

A minha irmã vai fazer o Crisma… São leis dos homens, existes? Gostas delas?

A minha mãe foi catequista, o meu pai era membro do grupo coral.

Não vamos à missa muitas vezes mas, quando vamos, ouço-os entoar os cânticos como se tivessem vinte anos, cânticos embelezados com o som do piano levezinho.

O padre que me baptizou e me ensinou continua lá, as crianças continuam a achar aborrecido, há pessoas que continuam a olhar para as roupas do vizinho e, as eternas senhoras de longos anos sempre de negro, já não têm medo da morte, pelo menos dizem-no assim, mas quando olhamos com cuidado, para os seus olhos de muitos anos, vemos que não querem ir, querem abraçar os netos mais um bocado e ouvir o que nunca ouviram dos filhos.

E é assim que prosseguimos, pé ante pé, acordamos, lavamos o rosto, mochila às costas, ou enxada na mão.

Professor que ensina, ou saco de cimento que pesa.

Homem que trespassa as costelas de outro, ou mulher que colhe flores.

Fogo que consome arvoredos ou chuva que dizima gentes.

É assim que prosseguimos, daqui, para ali e dali para um outro qualquer sítio, sem memórias do mundo a que pertencemos primeiro, sem conhecimento daquilo que está para lá do mármore frio ou do lume que crema.

Dizem coisas todos os dias, dizem coisas todos os dias.

Nada que importe, nada que faça chuva.

Assim é.


publicado por Ligeia Noire às 23:20
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