“We are like roses that have never bothered to bloom when we should have bloomed and it is as if the sun has become disgusted with waiting”.

06
Jun 11


Salvé Rainha, Mãe de misericórdia, vida, doçura e esperança nossa, salvé.

A Vós bradamos, os degredados filhos de Eva, a Vós suspiramos gemendo e chorando neste vale de lágrimas.

Eia, pois, Advogada nossa, esses Vossos olhos, misericordiosos a nós volvei.

E, depois deste desterro nos mostrai Jesus, bendito fruto do Vosso ventre.

Ó clemente, ó piedosa, ó doce Virgem Maria, Rogai por nós Santa Mãe de Deus, para que sejamos dignos das promessas de Cristo.

Ámen.


Não há nada mais gótico (primeira vez que utilizo a palavra neste caderno) do que o Cristianismo.

O filho que veio à Terra prossegue cravado na madeira.

Pregado de mãos e pés.

Rosto baixo e braços que ascendem até nós.

O sagrado, as oferendas, o altar, o sangue de um homem que se deixou martirizar por amor.

A trindade que se consubstancia.

O vinho, o cálice, as vestes majestosas da celebração, as velas, os rosários, o silêncio.

A beleza, que se entregou às mãos de Miguel Ângelo ao conceber a Pietà.

A mulher, mãe e senhora que segura o filho morto nos braços.

O filho morto.

Cristo de S.João da Cruz de Salvador Dalí, o homem crucificado sem rosto, o céu, a unidade, nós lá em baixo,

sozinhos, órfãos.

A Divina Comédia de Dante:

Inferno, Purgatório, Paraíso.

Paraíso, Purgatório, Inferno.

Os caminhos e os entre-caminhos, o limbo, o escuro, por onde ir, aonde chegar, a finalidade és sempre tu.

Bach, Bach, Bach Magnificat!

Ave Maria de Schubert, lembro-me de a ouvir pela primeira vez na igreja, pela voz de uma soprano que cantava em memória de um rapaz que morreu num acidente.

A mãe dele chorava.

A beleza que amansa o trágico e que permite as lágrimas.

O Réquiem de Mozart, como inserir aqui letras que formem palavras que aperfeiçoem… repouso eterno, carne, luz perpétua… piedade, tende piedade de nós, pobres filhos órfãos, pequenos e sozinhos.

O Paraíso Perdido de John Milton, Lúcifer filho, Cristo filho, nós pobres filhos órfãos, redenção na queda.

Estrela-da-manhã que te rebelaste e caíste, caíste tanto que estás agora aqui, a equilibrar o mundo que pisamos até ao dia último.

E os Nefilins, os cavaleiros dos céus, dos caídos, filhos de anjos que amaram as filhas dos homens, será que se soubesse falar enoquiano me ouviriam?

E a casa dos mortos?

De anjos de pedra feita, de flores mortas decorada, de círios e cruzes e noite e silêncio e choro e dor e partida e descanso final e esperança última para aqueles que sabem esperar.

A Virgem, a Dama branca, Maria, filha dos montes e das águas, pagã, a mãe de todos, o regaço, a mulher que segura o filho morto nos braços.

E tu?

Quem és tu que moldaram e induziram em catecismos a seu bel-prazer?

O verbo consubstanciado carne, o amor incondicional, a liberdade, a mesa onde partiste o pão e seguraste o cálice, a premissa de amor eterno.

Tu, que empregamos como limite para lermos o tempo

Tu, que ensinaste os Homens a lavar pés cansados.

Tu, que escreveste no chão, tu que chamaste as crianças, tu que calaste as pedras e fizeste falar a prostituta. Tu, que te deixaste beijar pelo filho errante, tu que pregaram à madeira, tu que sangraste.

Tu, filho, que soubeste o que é ter sangue nas veias, ossos que doem e lágrimas que corroem como ratazanas.

Tu, que bradaste aos céus:

Pai, pai por que me abandonaste?

Tu que principiaste a aliança e que foste embora para nunca mais voltar…

Tu, que vieste não sei de onde e que os Homens educaram, disfarçaram, destruíram e reconstruíram sob outros nomes, noutros ritos.

Tu, que desenhámos à nossa semelhança.

Tu, que és nós.

Tive um amigo, esse amigo é catequista, ele gosta de ensinar crianças e gosta de ser educado.

A minha irmã vai fazer o Crisma… São leis dos homens, existes? Gostas delas?

A minha mãe foi catequista, o meu pai era membro do grupo coral.

Não vamos à missa muitas vezes mas, quando vamos, ouço-os entoar os cânticos como se tivessem vinte anos, cânticos embelezados com o som do piano levezinho.

O padre que me baptizou e me ensinou continua lá, as crianças continuam a achar aborrecido, há pessoas que continuam a olhar para as roupas do vizinho e, as eternas senhoras de longos anos sempre de negro, já não têm medo da morte, pelo menos dizem-no assim, mas quando olhamos com cuidado, para os seus olhos de muitos anos, vemos que não querem ir, querem abraçar os netos mais um bocado e ouvir o que nunca ouviram dos filhos.

E é assim que prosseguimos, pé ante pé, acordamos, lavamos o rosto, mochila às costas, ou enxada na mão.

Professor que ensina, ou saco de cimento que pesa.

Homem que trespassa as costelas de outro, ou mulher que colhe flores.

Fogo que consome arvoredos ou chuva que dizima gentes.

É assim que prosseguimos, daqui, para ali e dali para um outro qualquer sítio, sem memórias do mundo a que pertencemos primeiro, sem conhecimento daquilo que está para lá do mármore frio ou do lume que crema.

Dizem coisas todos os dias, dizem coisas todos os dias.

Nada que importe, nada que faça chuva.

Assim é.


publicado por Ligeia Noire às 23:20
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