Prezado, Abre os olhos um bocadinho.
Ya, não é que esteja enamorada de ti mas, até hoje, não encontrei ninguém que te suplantasse e, não me entendas mal, não é que seja difícil suplantar-te mas, não me ponho a jeito de ser pescada, a maior parte dos pescadores não me acha uma boa pescaria e eu não acho que tenham engenho para que eu salte para o balde.
Se calhar, és mesmo difícil de suplantar, se assim não fosse, não eras flor-selvagem, rodeada de abelhas, vespas, formigas, borboletas, traças e mais uns quantos bicharocos.
Não te faço sentido?
Abre mais um pouco os olhos.
E, depois, quando estou neste humor introspectivo, a imagem de ti ou o conceito que criei para te explicar, não entra pela porta porque está sempre trancada à chave, (a minha colega de quarto foi para a Sibéria) a janela está fechada (porque a vizinhança é barulhenta) mas abro os olhos e…
Foda-se…
Foda-se…
Esta ligação desnaturada, bizarra, anómala, em que eu não te amo e tu não me amas, em que eu gosto de ti e tu gostas de mim, em que eu estou sempre a sobrevoar o abismo e tu estás sempre a atravessar o rio e a ir para o Mundo dos mortos, como Orfeu.
As saudades, as saudades e são saudades só minhas porque tenho medo, medo de ti e de mim e de tudo e do nada também.
É engraçado sabes, quando voltei estava convicta de que poderia invocar o teu cheiro quando quisesse, pretensiosa, pequena boneca pretensiosa...
De mim, que palavras poucas digo, não há muito para contar, ao contrário da Nau Catrineta.
Estou mais esburacada, alienada, cortei o cabelo, aprofundaram-se-me os olhos e matei a esperança.
Sim, leste bem, matei a desgraçada à navalhada.
Ainda bole mas já não guincha, era fraquita, a pobre.
E, sabes mais uma coisa?
Mesmo, quando durmo a noite inteira, acordo sempre cansada e sempre com sono, raramente me lembro do que sonho, lembras-te dos meus pesadelos, frios e compridos?
É melhor assim.
Prefiro não me recordar de nada e ficar apenas com o sono, não dói não é?
A antecâmara.
Nunca mais esqueci, fez sentido.
Quem és tu?
Teremos nós bebido do rio que atravessa o mundo de lá?
Abre as mãos, guarda, dorme.
Pode ser que o amanhã não exista.
Pode ser que abra, eu também, os olhos e o barqueiro esteja estacado à minha espera.