Gostava de dizer que és o tudo do meu nada mas chego à conclusão de que o meu nada não te acha o seu tudo.
O que é que poderia ter sido?
Talvez, se acabar com este resto, saiba ou melhor, consiga, transportar-me para "o tudo que poderia ter sido"… e esse "tudo que poderia ter sido", só poderia ter sido, se esta passagem fosse outra e se este tempo fosse, também ele, outro.
Às vezes, sinto que se ficar parada e entrar demasiado dentro de tudo aquilo que sou, a garganta se vai estreitar e o peito comprimir.
Assim, como, naquelas vezes em que me desvairo com a minha respiração e deixo de conseguir engolir e tudo parece convergir-me.
Tenho medo de dar razão à rapariga que eu era, essa rapariga que sabia que sonhar com pingentes de gelo só lhe traria desgraças.
Tenho passado algum tempo com a rudeza ao pescoço porque não consigo escrever, não consigo escrever o que me lacra e aleija mas agora acho que percebi, tenho de deixar fluir, abrir os ventrículos e, por conseguinte, as aurículas cederão e tudo sairá, devagarinho, como o vinho que caía da pipa grande na caneca.
Agora, que já não estou no epicentro do tumulto, que tudo se acamou, esperava abrir o sorriso e poder dormir, voltar… mas tudo em mim caiu tão fundo, assim como se tivesse deixado cair o meu coração a um poço e dele se soltasse, apenas, um baque lamacento.
Agora, que posso descansar e colher flores, desceu em mim tamanha tristeza que... ah Supremo... ela caiu tão pesadamente em mim, como se eu fosse aquele poço fundo, fazendo ricochete em todos estes ossos.
Preciso tanto de ti, preciso tanto de ti.
Provaste-me que não te afastaste mas é que, às vezes, precisava de que estivesses no mesmo chão que eu, para poder enrolar-me no teu colo.
Todos eles, os meus queridos, todos eles, poucos e raros, de quem ultimamente tenho falado, estão comigo, estão mesmo... mas continuo na mesma, regada de melancolia, como se o buraco nunca se fechasse.
Então, encho-me de anseio e vontade deles, com eles mas nunca me é suficiente.
Há sempre fome, uma fome além-túmulo, uma fome que me obceca pela revelação e, quando tudo se enche de sol e olhos turvos, percebo que tal coisa não existe, não para mim.
É-me impossível amar alguém de corpo e alma.
Amar é ter uma arma na têmpora e pensar neles e não em nós, amar é fechar os olhos e deixarmo-nos cair seguros.
Amar deve predicar-se de muitas coisas, coisas que se relacionam com extremos, coisas que só sinto pelos que tu sabes, pelo amor de sangue.
No entanto, estranhamente, tenho uma fascinação e uma idolatria desmedida pelo amor romântico, pelo raro fenómeno de conseguirmos amar alguém fora do círculo de sangue, da mesma forma como amas aqueles que te partilham as feições.
Não creio que isso exista.
Conheço as paixões extremas mas depois... depois tudo cansa, tudo se extingue ou então, talvez, tu que tento refazer com o meu Frankenstein tenhas realmente existido.
Faço força, tento, choro e sofro para fazer-me crer que também sinto mas a mim me engano, é-me tudo estranho, todos são antigénios.
Espero cansar-me depressa, desta tentativa de me provar errada e, espero sonhar contigo Supremo, tenho saudades da antecâmara.
A realidade é que vim a este mundo com a sensação de que quero alguém que aqui não cabe, sofro esta constante inquietude, esta saudade desmedida, esta nostalgia que me rebenta o corpo e que me empola a alma por criatura que se me esconde noutra senda.
Injecto-me com ela e fico prostrada de lágrimas quentes a caírem-me pelo pescoço.
Se o amor existe, esse amor eterno e que não se coaduna com o mundano, então existe solitário em mim, mono, decepado e viúvo porque aqui, nada me encontra que me satisfaça, que me aparelhe, que me restitua o miolo, que levante o véu negro dos olhos vazios.