Pára, tira o casaco e abre a janela para que a noite compareça.
Olha para o armário, lembras-te?
Pois então abre-o, pega na coberta e estende-a frente ao fogo controlado.
Sabes que isso não basta meu amor, pois, enche o copo e pára os olhos na cor da embriaguez.
Eu sei que continuas aí dentro, pois amansa-te rapariga porque é o silêncio que te perturba.
Precisas ensurdecê-lo, arrumá-lo.
Frente ao espelho grande, atrás da jarra que alberga uma flor, trá-lo contigo, àquele, põe-no no aparelho e deixa que a música se escoe pelos buracos.
Agora sim, deixa-me aquietar-te, fertiliza a garganta, deita-te no soalho que a coberta aquece.
Como ardem as chamas… adivinha a madeira bravia que elas devoram e devoram e devoram.
Como te sentes?
Acabou-se o silêncio meu amor, só assim te posso falar.
Toma nas tuas mãos os cabelos e vê como a razão me pertencia, são abrasados e repletos.
Essas pequenas coisas, mesquinhas qualificaria eu, esses carvões que te descascam, que te derrubam a sanidade, são nada.
Não são a água que te entra pela sacada, ou o lume que te dança na lareira, são nada, meu amor, são nada.
Olvidadas devem permanecer.
A flor solitária de que se ocupa a tua jarra, cresceu em terra fecunda, terra de que essas coisas jamais ouviram falar.
Terra que te conhece as vísceras e te viu a pele vezes sem conta.
Nunca a sentiram, essas coisas, nunca.
Portanto, de nada sabem, nada são.
Sei que te perguntas pelos carreiros que aqui te trouxeram, sei que gostavas que eles estivessem num qualquer registo para aconchegares a tua ansiedade de certezas mas tal a mim não pertence.
És tu quem decide se aqui estás ou não, és tu quem abre o cerco neste caminho de lava.
E o ar foi-lhe insuflado pelas narinas e o pó animado.
Este ar que doa almas a corpos feitos pela Grande Mãe é do tamanho do universo, perto de tão insignificantes coisas.
Abre os olhos de dentro meu amor, minha querida, como podes tu deixar que esses carvões se te esmaguem na pele?
Como podes, depois de todos estes silvados, deixar que estas coisas sem água, que desconhecem a terra, que não dançam com o fogo e não precisam de ser animadas, te roubem assim?
Onde param as tuas maçãs rosadas?
O teu cabelo de brasas?
Os teus lábios de sangue?
É sacrilégio que assim te deixes violar por menoridades que não foram tocadas pela paixão do divino.
Pecado que brada aos céus, golpe de foice merecido.
Deixa que te coalhe o rosto nas minhas mãos e te descerre.
Brilhas por entre esta luz de rubis porque de paixão foste tecida, pois aprecia como esta te reconhece sua obra.