Pratos e copos: Dia 1
Ao entrar no quarto anti-séptico, foi como se tudo o que se passou fosse parte daquilo que faço para adormecer.
Como se nunca daqui tivesse saído e isso deixa-me claustrofóbica e irritada.
Já sinto falta de poder beber e lavar os cabelos na fontana fria.
Mais um ano nesta vida desvalida, mais um em que procuro respostas de noite e uso a domino de dia.
Ainda sinto as costas pesadas da noite perigosa de Sexta-feira, o cabelo ainda cheira a tabaco e o rosto ainda não acordou.
Trabalhámos juntas e por momentos virei as costas e desci para esfregar os olhos… dispersar lágrimas de fragilidade excessiva.
A realidade estava à porta e eu sorri-lhe de desdém e mandei-a p'ro caralho.
Quando me apercebi, os meus lábios cobriam-se de vermelho e negro e os corpos delas floresciam ao espelho.
Descemos, como outrora o fazíamos na escadaria da casa de outrem, e deixámo-nos embriagar pela noite.
Pessoas que não conhecia, pessoas que não me faziam diferença.
Foram tantos e tão diferentes os copos, que poderia ter prolongado o exercício mas para minha surpresa os olhos continuavam acordados.
Esperava encontrar o rapaz que me lembrou de que poderia brincar mas foi o que me interpelará primeiro,
quem acabou por abrir o lenço e escondê-lo atrás das costas.
Chamara-me de agressiva e acabou por cortar-se na vontade.
Ooopsss!
Eu confesso que encetei o jogo e abri o leque, ele não entendeu e eu, que estava ali, estava ao lado também.
Foi mais uma daquelas ricas valsas em que sou perita.
Sorri-lhe e dançámos, envenenei-o e, quando rogava nas minhas mãos pelo antídoto, disse-lhe que fingisse que tinha sonhado e que o álcool iria ajudá-lo a que o amanhã parecesse cortina de ferro para o ontem.
Não gostava dele, não lhe sentia desejo, só me apeteceu brincar e desatar os laços do meu cabelo à sua frente, como prova de que regressei há muitos anos, do sítio para onde o senhor se dirigia.
Flor-selvagem: dia 2
Odeio quando o mar se vai chegando ao pescoço, talvez tenha sido por isso que, mesmo sem pinga de sono, continuei a forçá-lo aos olhos e te interpelei.
Não era segura e com a cabeça cheia de reticências e bocados de rochas que costumava ouvir-te e falar-te.
Mas, ontem, foi e percebi que tinha terminado.
Foi-se o corpo que tremia, foi-se o encantamento, talvez.
Agora que estás mais aqui e mais em mim eu estou mais além e mais fugidia.
Acho que forcei demasiado, acho que quis muito e, tudo o que se quer muito, termina quando se consegue.
Acho que não sei quem és, conheço aquilo que imaginei e queria que fosses.
Espero que tudo isto se dissipe, espero estar enganada.
Se calhar és apenas mortal, afinal.