Eu queria ser mulher para me poder estender
Ao lado dos meus amigos, nas «banquettes» dos cafés.
Eu queria ser mulher para poder estender
Pó-de-arroz pelo meu rosto, diante de todos, nos cafés.
Eu queria ser mulher para não ter que pensar na vida
E conhecer muitos velhos a quem pedisse dinheiro -
Eu queria ser mulher para passar o dia inteiro
A falar de modas e a fazer «potins» - muito entretida.
Eu queria ser mulher para mexer nos meus seios
e aguçá-los ao espelho, antes de me deitar -
Eu queria ser mulher para que me fossem bem estes enleios
que um homem, francamente, não se podem desculpar.
Eu queria ser mulher para ter muitos amantes
e enganá-los a todos - mesmo ao predilecto -
Como eu gostava de enganar o meu amante loiro, o mais esbelto,
com um rapaz gordo e feio, de modos extravagantes...
Eu queria ser mulher para excitar quem me olhasse,
Eu queria ser mulher para me poder recusar...
Da autoria de Mário de Sá-Carneiro