Eu que ia ver o Twin Peaks, eu que... enfim, dei por mim a pensar nisto.
Há alguns anos apaixonei-me por Evanescence e, depois, descobri que eles não eram tão originais e talentosos quanto pensava, desiludi-me e mais tarde tive vergonha de gostar deles.
Às vezes, as coisas valem pelo que nos fazem sentir e não por aquilo que realmente são.
Não tinha internet, ouvia rádio e, um dia, vi o videoclip da Bring me to Life na televisão pública e fiquei fascinada.
Ela era tão bonita, a pele tão branca os cabelos tão densos e compridos e criava música com o melhor amigo desde miúda, a amizade sempre me fez parar, não é?
A típica dupla de adolescentes menosprezados do liceu que não cabia na caixinha e que vive o conto de fadas uns anos depois.
Sabia e, ainda devo saber, as letras dos primeiros álbuns de cor.
Não havia grande coisa a que uma rapariga da aldeia se pudesse agarrar, não tinha amigos que gostassem das mesmas coisas, não andava na escola e aquilo conduziu-me a um mundo de almofadas em que me adorava recostar.
Os anos foram passando e como em todas as paixões, há sempre uma parte que trai a outra.
O amigo da menina de cabelos negros foi embora e, seguiram-se-lhe os seus comparsas, reparei que a voz dela ao vivo não era grande coisa e que não passavam do tal produto polido, bem masterizado e oleado por uma multinacional, que subiu dez caleiras de uma só vez e ficou lá em cima, recostadinho.
Mas, como a senhora de negro um dia disse: não importa de onde vens mas para onde vais.
Desde então ganhei asco a bandas com vocalista feminina e descobri que há senhoras que elevam a fasquia até ao paraíso, que há senhores de negro que fazem música negra para valer, sem maquinarias industriais a limarem-lhes as arestas até ao tutano, apenas porque é assim que o coração lhes canta, à janela em noite de lua cheia.
Senhores, que mesmo vestidos de amarelo continuam vestidos de negro e te levam ao inferno.
Descobri que as almofadas se haviam multiplicado e tornado mais escuras.
Os Evanescence não eram, nem são nada de transcendental mas abriram tantas portas, para mim e para todas as bandas que jogavam no mesmo relvado.
É certo que, levaram a um público habituado a comida de consumo rápido, a vontade de espreitar para coisas mais negras mas as modas, não passam disso, de modas.
A vergonha deu lugar a indiferença e deixei-os numa gaveta, perdi-lhes o rasto.
No entanto, aprendi uma grande lição, quando as pessoas falam entre si empoleiradas em caleiras consoante a imagem que o espelho lhes devolve, podemos envolvê-las em renda bem bonita e sorrir, enquanto lhes virámos as costas porque por mais que se envolvam nela, o coração há-de sempre cheirar a podre.
Voltando ao assunto, o novo álbum (que por acaso ouvi) a bem dizer é uma bela merda.
Todavia, continuo a gostar de muitas das músicas que fizeram, continuo a gostar do conceito e da estória da menina triste e do menino que compunha para ela... e que belo nome para uma banda, hã?
I still remember the world
From the eyes of a child
Slowly those feelings
Were clouded by what I know now
Excerto do tema Fields of Innocence dos Evanescence/Excerpt from Evanescence's song Fields of Innocence