Se há algo que me embala e me descansa, é o simples acto de escovar o cabelo quando está meio húmido e enrolá-lo com as pontas dos dedos.
Ontem, estava numa instituição bancária e sentei-me à beira duma senhora que me perguntou, se já estava na vez dela, disse-lhe que não e ela encetou conversa.
-Fica-lhe muito bem esse penteado, a senhora tem rosto para isso, eu já não posso usar.
-Envelhecemos todos, não é?
-É verdade… já estou quase nos oitenta.
-E deixe que lhe diga que está muito bem.
-Ah e esse vestido cai-lhe muito bem, é muito bonito. Sabe, sempre me disseram que, uma mulher que se arranja, ganha o respeito e admiração dos outros. Hoje em dia a juventude já não leva isso a sério.
-Outros tempos, não é?
-Mas não é viúva é? Gosta de cores escuras, pois.
-É isso. Olhe, chegou a minha vez.
-Adeus, tudo de bom para si, muita felicidade e sorte.
O receio de envelhecer... sempre lhe escapei pensando que morreria antes de lá chegar.
Achas que estive a desperdiçar a vida, o tempo, a pele, os lábios?
Estive a pensar na flor-selvagem, fui mais forte que a vontade e fico feliz por isso.
Apesar de me ter estendido as pétalas, as minhas mãos ficaram guardadas nos bolsos e fechei-o na gaveta.
Talvez noutros receptáculos possamos prosseguir a tingir copos de cristal.
E, mais uma vez, concluo que ninguém pode ser-se em conjunto.
A individualidade e a personalidade são sempre decepadas quando andamos a quatro pés.
O meu cabelo ainda traz o odor de cascas e mel.
Se calhar, Supremo, se calhar era esta a conclusão a que querias que chegasse.
Que posso brincar, abrir os laços, rodopiar em valsas continuadas, enregelar as costas contra paredes marmóreas em embates suculentos de violência mas, não a andar a quatro pés mas, não a ser-me frente a outro par de olhos mas, não a deixar-me desvelar por tempos indeterminados.
Tudo se torna imperfeito na continuidade, tudo se danifica na cadência de dias claros.
Os extremos não podem ser vividos, senão, em golfadas e, eu quero o derradeiro e, o derradeiro é momentâneo como o desabrochar de uma rosa, uma rosa de vida curta mas imensa porque da finitude nasce-lhe a perfeição.
Sou assim, demasiado minha.
Lembro-me de te ter desafiado a provar-me o oposto mas acho que desta vez quem ganha sou eu.
Esta vitória nasceu-me no berço.