Não havia muito espaço na minha mochila e apenas coloquei a agenda e uma caneta, instintivamente.
Tenho de ter sempre um caderno comigo.
Sempre que escrevo em páginas brancas e transponho para aqui, nada mais sou que uma tradutora.
Há coisas que não se podem ver sem roupa.
Era de noite, não há data nem hora mas há muito sangue e preciso de o verter para que este caderno medicamentoso não fique partido.
Há uns meses, durante a noite, num quarto sacro e branco:
Nunca pensei que conseguisse fazer isto, estar tão perto de tudo e, todavia, o mais longe que poderia conseguir.
Seria suposto serem apenas os meus lábios a abrirem-se em sorrisos e não, verem-se fechados e humedecidos, por gotejamentos em torrentes cálidas.
Acho que mais uma vez preferi enganar-me a suportar o insuportável, pensei ainda existir alguém que me conhecesse.
Estou sozinha, estive sozinha desde que me lembro de estar encostada ao muro no pátio da escola primária enquanto que, uma matulona, agreste e feia… (falha de tradução).
E dizia alto e a rir que...
Acho que nunca tive tanta consciência de estar sozinha como hoje.
Não é aquela solidão de que gosto, refiro-me à velha solidão de entendimento.
A solidão de saber que ninguém existe, ninguém me sabe e abrir os olhos para isto e matar a esperança é indescritível.
Estou rodeada de estrangeiros para quem o português é língua intransponível.
Estou no quarto de... (falha de tradução) apenas um andar, coisas que se esperavam, coisas que chegaram e que agora se espalham, como vidro esmigalhado e isso faz-me ter pena de mim.
Faz-me ter pena da rapariga pequena e cheia de retalhos que pensava que quando crescesse iria ser alguém e conseguir dar (falha de tradução) e isso… ninguém sabe.
Estou neste quarto e sinto pena de mim, estou neste quarto e a ela e à amizade que lhe sinto... não sei, perco-me toda.
Tudo isto foi perdido nos ontens que só podem ser ontens e que jamais sairão de ontem.
E, penso na flor-selvagem, também, e penso que há um ano lhe disse que tinha saudades e pensei e depositei e esperei que fosse ele, o alguém aonde os meus olhos fossem desaguar, era a esperança Supremo, era essa que me tinha à espera.
Ele disse que estava comigo, que gostava muito que… mas eu tive medo e hoje são tudo rosas esfaceladas, as rosas da rainha Isabel que aqui nunca chegaram a ser pão.
E fui eu Supremo, fui eu que não quis repetir, fui eu que saí, fui eu que fugi e me escondi debaixo de pedregulhos musgosos.
Jamais pensei ter coragem para fazer o que fiz, jamais sonhei que a minha força de vontade fosse tamanha, não porque o ame mas porque era ele a minha última corda para saltar, a última esperança de me ver derrotada.
Tudo se acabou em manhãs de dias de nevoeiro e, hoje, estou aqui, neste quarto, à espera dela e da anestesia para poder descansar um pouco de todas estas pequenas agulhas que me cobrem as costas.
Debaixo dos meus olhos toda a paisagem é triste, silenciosa e impossível.