Foi ontem.
Sim, foi ontem que quis ser o teu brinquedo e é hoje, sim, é hoje que deixo o nevoeiro do torpor dopamínico, que deixo de saltar à corda de meias de linho que prendem nos joelhos com laços turvos.
E, enquanto abríamos a garrafa na mesa de madeira do jardim principal, lá longe, grupos de rapazes e raparigas inundavam o orvalho leitoso de cannabis e sons de rua madrasta.
Eu pensei, eu sim, de que gostava muito que tu me pudesses ou conseguisses ou quisesses ver como coisa de brincar.
Um objecto ornamental, quebrável, bonito, de pôr na arca aos tombos, na beira da lareira hirsuto, ou na madeira escura e envernizada de uma mesinha-de-cabeceira quando se tem um corpo crescido.
Pensei, também, que ser bailarina de sapatilhas finas numa caixinha de música seria bonito, às vezes... mas que, também, me faço de extremos geografados onde qualquer objecto pequeno de atirar, rodopiar, vestir despindo ou construir desmembrando, seria uma escolha feliz.
Tu, especialmente, tu serias o apenas Homem a quem as palavras rudes e desinteressadas, de quem veste casacos negros e camisas de punhos laçados com o efeito secundário de desviar os desatentos, me interessava ouvir.
Não gostei do que se bebia e acordei a horas indecentes para perceber que não és dos que brinca ou dos que brincou.
Quase que vejo todos os teus brinquedos cheios de pó e por partir em caixas pelas quais não te interessas, caixas por abrir ou, então, nem sequer existem, se calhar as caixas estão vazias, se calhar até sei o que lá está dentro.
Tenho uns sapatos novos, de preto imaculado e brilham, brilham, brilham, sapatinhos de menina, com fivelas e presilhas prateadas, e, por altos serem, me prenderam a distâncias calculadas.