Oiço My Dying Bride, o Evinta e, apesar da Loud assentar que foi um exercício inútil, continua a parecer-me um
belo, fantasmagórico, ambiental e melancólico trabalho do que melhor se faz nesse plano.
Estou triste, deve ser de tudo estar acobreado lá fora... bem, agora não, agora está escuro, uma lua siberiana
de tão bela e um céu que se deixa alumiar por ela, finalmente.
Estive a pensar ontem, pensar, e já não sei o que sabia, pelo menos não com certezas de quem agarra a mão dos pais para atravessar a estrada.
É que a culpa também não é minha, é desta inconstância e insatisfação que tenho.
E sabes o que me veio à memória?
Quando estive com a flor-selvagem, exactamente há quatro anos.
E, apesar do que quero dizer se prender com:
-afinal até gosto dele, afinal até lhe sinto um doce carinho nostálgico-
Bem, apesar de ser isso o que queria escrever para que ouvisses de olhos fechados, o que rememorei foi o quão leve, desprendida e animada me deixei ficar, nada mais, apenas corpo e irracionalidade.
Singular.
Tudo foram toques e beijos e mãos e enleios de desejos, sim desejos.
Mas estive lá, não só para o beijar mas para a ver também e lembro-me do antes, lembro-me de estar naquela
casa térrea em rua perigosa e estarem na sala esperando para que me juntasse aos comensais para o jantar.
Estava no jardim feio e escasso porque o telemóvel tocou.
Ela.
Olá.
Ouvi.
Ouvindo…
Cerrei os dentes mas depois a minha raiva tesa escacou-se de tão fraca e chorei uma meia dúzia de lágrimas
corridas para as mãos, para que pudesse ir jantar incólume e esperar pela noite branca.
O quarto era espaçoso, estava muito calor, a rapariga que dormia ao meu lado ressonava, procurei pelos auscultadores e…
Cult of Luna.
Estava naquela paixão arrebatadora de os ter descoberto há meia dúzia de dias e de não conseguir desapegar-me deles.
Eram e são como um exército de templários que se coloca à porta do castelo para que dali ninguém passe; provavelmente até seria a Leave me here ou a Waiting for you… e chorei apenas metade do que havia para chorar, para que ela não acordasse.
Naquelas horas nocturnas tive saudades de casa, odiei os doirados cabelos tabágicos do lado, quis que a flor-selvagem, que dormia a alguns metros e por quem eu não estava enamorada mas que me prendia o sentido, saltasse do tecto como um vampiro faminto e me fizesse esquecer as dores velhas e cansadas, odiava
a cidade e chorava por tudo, pela que já não sei e sei e não sei, perco-me toda...
Ela estava no planeta ao lado desde que as cervejas verdes ocuparam o seu espaço na mesa de pedra do episódio anterior.
Rememorei hoje, esse ontem todo.
No dia seguinte, entrei na escarpa dele para poder voar.
Não pairar, voar, e voei e gostei e foi bom e branco.
I'll be your lover, I'll be forever
I'll be tomorrow, I am anything when I'm high
Nunca a denominei neste caderno, até hoje não consegui arranjar uma palavra que a vestisse, para ela não
consigo...
Tem ficado solta pelas páginas, nomeio-a para mim nas entrelinhas, e não há um nome criado para que Adão a
possa convocar à reunião baptismal e Deus a reconheça.
E, já que falamos de senhoritas, sonhei com a rapariga-que-tem-nome numa destas manhãs de fim-de-semana.
Ela conduzia e eu estava com ela, num carro incógnito, na estrada secundaria que fica por baixo daquela árvore
impossível que não vou nomear.
Engraçado esse sítio porque ela não lhe pertence, nem o conhece mas eu sei-o de cor.
Já parti a cadência do que aconteceu mas ainda vejo o ramo de flores que colhi para ela e que ficou esquecido
na berma da estrada, no meio da erva.
Lembro-me bem delas, açucenas cor-de-rosa e lilás pálido, talvez, mas o róseo abonava o bouquet, eram para ela e faz todo o sentido que pode fazer.
Rosa cai-lhe bem no colo, confunde-se com a sua compleição eterna de mulher em todas as vidas:
Bela e orvalhada.
Acordei com a certeza de que estive apaixonada e ainda continuo nesta coisa de arrebatada e ávida por si, dona.