Um dia falo só deles mas não hoje, estes cavalheiros misturam-se com muito do meu miolo, são do âmago, os primeiros, os que trouxeram a minha primeira amizade a sério, os que fizeram com que ponderasse a minha nuca marcada numa mistura do princípio do mal no ventre do bem.
Cresci com eles, apoiei-me neles, dancei ao som deles, pronto sabes como é, os músicos de base, os que vêm do jardim do Éden passam sempre para o lado de cá e fazem parte das memórias, dizer que são mais do que música é néscio porque música é mais do que tudo.
A primeira vez que bebi a sério, foi sozinha e aos dezoito anos, até aí nunca me apeteceu e, apesar das comuns incursões no vinho tinto aquando da minha meninice, fruto da tradição, não prosperou.
Lembro-me dessa primeira vez aos dezoito anos, lembro-me de estar a arrumar a sala e me sentir do lado de lá, foi com vinho do porto, esse esteve sempre ligado às minhas mais estouvadas memórias.
Continuo a não gostar de beber, um copo de vodca não me sabe tão bem quanto um copo de água, uma cerveja não é tão boa quanto uma malga de cevada mas, como explicar, há qualquer coisa de bom e de enfeitiçador no travo amargo e forte e violento e arrebatado do álcool que nos faz repetir o gole e, claro, há o efeito, eu não bebo por prazer, não bebo diariamente, nem semanalmente mas quando bebo, presto homenagem a Baco de joelhos.
Não sei porque estou a falar nisto, se calhar é por estar a ouvi-los, se calhar é porque não consigo dormir, se calhar é porque estou com medo de que esta coragem toda passe, se calhar é porque a vida é uma merda, mas isso já o mais tenro petiz atingiu.
Escreveu-me, não me disse que o tinha feito, aquela letra cursiva, elegante, que custa a ler mas que vale a pena como uma boa bebedeira.
Não falou de mim, nem de nada, falou de montes e florestas no Inverno, da nevasca, de lobos, de Nova Inglaterra e dum escritor que não recordo, tenho medo, agora, mas ao lê-lo, sem a cabeça desperta, sorria e sentia a sacarina a encher-me as veias, ah sim, os pinheiros mansos, muito altos também lá estavam.
O cheiro, eia pois... o cheiro do papel não era o cheiro comum de folhas de papel brancas, era o cheiro dele, ainda estava por aqui algures nalguma sinapse e levei a carta ao nariz várias vezes e lembrei-me daquela vez em que estava no autocarro e senti o perfume da flor-selvagem, fiquei aturdida porque era como se ele tivesse acabado de entrar.
O efeito foi alucinatório e assustador porque o aroma perpassava pelas minhas narinas e era mais acutilante do que o que a reacção de qualquer outro sentido fosse capaz de causar, assustei-me.
O olfacto sempre foi o meu sentido mais apurado, não uso perfume, acho que o cheiro do sabão, do champô, do amaciador já são suficientes e apaixono-me com os olhos fechados por malmequeres bravos brancos e minúsculos, aquelas folhas verdes deles que parecem funcho em miniatura, tenho medo de não conseguir suster esta força de vontade por muito tempo.
São tão diferentes, eles, o cavaleiro e o anti-herói.
A amiga que não cabe aqui, a das linhas acima, disse para abrir a mente, anestesiar a dor de pensar, não sepultar o por acontecer com o meu conhecimento milimétrico de mim mesma.
A carta está ali na gaveta junto das outras, eu gosto dele e ele ama uma de mim.
Lágrimas em cassete, gravadas, que belo título hã?
Sou demasiado compassiva para alterar o curso do rio, compaixão é do que sou feita, mas isso são contas de outro rosário.