“We are like roses that have never bothered to bloom when we should have bloomed and it is as if the sun has become disgusted with waiting”.

16
Mai 13


Intro


Antes de tudo deixa-me bendizer o dia em que regressei ao Lost porque é soberbo, foda-se!

 

Ruminações


Eu, na verdade, não odeio ninguém porque quem não ama, não odeia, ou então gosto de toda a gente e odeio metades.

Estou certa de que desconfio de tudo e lembro-me daquele gajo que disse que mataria os pais, os filhos, até o puto de cinco anos do seu inimigo, sem remorsos mas, não o cão, o cão não teve escolha, os maquiavélicos e os seus soft spots por animais.

Podem ser uns desalmados desde que, para nós, deixem a alma subir aos olhos.

Não sei porque estou a escrever hoje, não estou triste, nem contente, estou aqui somente, sei que daqui por algumas semanas estarei cheia de medo, a semana passada estava em pleno jogo, agora estou aqui, volúvel mas inerte.

Talvez seja uma boa oportunidade para memorizar e ordenar a história do homem de tranças que conheci há uns anos, sim, faz-me sorrir pensar nele.

 

Baptismos concupiscentes


Era uma vez uma rapariga e a sua amiga que gostavam de se sentar afastadas no banco de madeira, quando o sol já sobrava da fotossíntese previamente feita, cognominando todos os indivíduos que lhes chamavam a atenção.

Engraçado nunca ter aparecido nenhuma rapariga que interessasse…

Havia o olhos-pretos-que-são-verdes, referíamo-nos ao gajo literalmente assim, era o James Dean lá do sítio, casaca de cabedal negro, calças de ganga, cabelo preto liso e ligeiramente comprido, uns dez anos mais velho, claro está. O nosso carácter voyeurístico só podia ser estimulado na hora de almoço quando ele fumava perto do lago, ou no sítio dos fumadores, como o pessoal chamava a um recanto ladeado por bancos de madeira e encimado por uma ramada.

Nunca falámos, quer dizer, mais ou menos porque uns tempos depois, na paragem para as férias de Natal, em que já nos encontrávamos no caminho para casa, ele passa por nós, abranda o carro e diz qualquer coisa que nunca chegámos a perceber, escusado será dizer que ganhámos o dia.

Muito mais tarde, já ele tinha acabado o curso, voltámos a vê-lo e, por incrível que pareça, foi numa loja bastante conhecida da zona, lembro-me como se tivesse sido ontem, estávamos na entrada e a nossa reacção, após um espanto desmesurado, deve ter sido um riso nervoso porque coincidências não existem.

Seguidamente, reparámos que ele acompanhava uma mulher já com uma pronunciada gravidez, o que foi ainda mais cómico.

Havia o nosso-menino, este era passível de devassidão da nossa parte porque era bastante mais novo do que nós, havia o caracóis... ah o coletinho por quem a minha amiga teve uma enorme paixão platónica. Chegou até a escrever-lhe uma carta que escondia debaixo da cama e que nunca chegou ao destino.

Ei! Quase me esquecia! O saltinhos... fumava cannabis e gostava de dias apartados para festas de trance privadas regadas a bombons pueris, tinha cabelo espesso curto, pele branca, olhos verdes e um ego altaneiro que de certeza provinha do peso do nome de baptismo que carregava.

Era amigo de um amigo nosso, no final de contas acabámos por descobrir que o nosso amigo era o nível acima e que este ser saltitante era apenas um narciso bem adorado

A última lembrança que tenho dele é de mão dada com uma amiga de uma amiga mas, também, já lhe havíamos perdido o interesse há muito.

Havia outro, quase no final da nossa estadia, não houve cognome individual para o dito, eles eram um grupo e o nome designava o colectivo, havia o que usava a t-shirt dos Bizarra Locomotiva, de cabelo grisalho e o semblante mais esquisito que já presenciei, mal eu sabia que havia de assistir a um concerto desses Bizarra e comprar-lhes o álbum negro uns anos depois.

Havia o amigo de cabelo agressivo, camisa bordeaux, ora preta, ora escocesa, calças negras, docs vermelhas ora pretas.

Aguava-se em mim a estética quando ele passava, era um colírio no meio de tanta monotonia, não seria gótico, nem punk, um intermédio talvez…

E o outro, o meu amigo, vi-o há pouco tempo num concerto, um pouco mais velho do que eu, bem… era mais do que um pouco, o que me atraiu nele… os piercings? As camisolas com desenhos animados? O ar de puto crescido? Ter filhas com a idade da minha irmã? Ou o flyer que ele me entregou daquele bar muito conhecido com o número e o e-mail no verso?

Estávamos na tasca do outro lado da rua, e essa tasca dava uma outra página... era um início de tarde langoroso porque tínhamos acabado o projecto final e já tínhamos o peso de tudo nos ombros e os olhos da saudade, fino leva a fino e vi-o ao fundo, do fundo da rua com o grupo dos que nomeei acima, ele inverteu a marcha e veio ter à mesa onde estávamos, para gaúdio dos meus amigos que levaram os dias seguintes a atiçar a língua.

Ficámos amigos, trocámos números, música, foi ele que me deu a conhecer Queens of The Stone Age, umas cenas de drum 'n bass e um músico tradicional brasileiro do qual não me lembro do nome porque não gostei.

Passeios ao início da noite, cervejas, ideias e depois houve aquela conversa à chuva, numa ponte por cima de uma linha férrea, beijámo-nos, pausei o beijo, depois não sei se não pude ir aos passeios do costume ou se ele foi embora, sei que nunca mais nos vimos até há um ou dois anos no tal concerto, foi estranho apenas.

O último, o trancinhas.

Já falei dele tantas vezes, este gajo foi o verdadeiro fascínio, era um bizarro, à parte de algumas maleitas físicas causadas por anos de drogas duras, era verdadeiramente belo.

Chamávamos-lhe trancinhas porque somos literais, gostávamos da imagem de marca das pessoas, daquilo que as identificava.

A este senhor, era simples, ele usava tranças, cabelos loiros e longos e finos e meios ondulados nas pontas, entrançados que ornamentavam os olhos azuis dum rosto preclaro. A primeira vez que o vi, estávamos longe, do outro lado do átrio, ele estava sentado na relva a enrolar tabaco avulso, parecia um guerreiro medieval, ficámos intrigadas e entusiasmadas. Ao vê-lo de perto nada tinha de bélico, havia um profundo ar silente de águas beiradas de juncais que era apenas perturbado por sorrisos infantis.

Que belo, sim.

Às vezes, punha um malmequer branco no meio das tranças e atravessava a cantina a assobiar, eu ficava fascinada.

Foi no bar do senhor de barbas e por culpa das minhas amigas que primeiro falei com ele. Vendo o meu entusiasmo foram pedir-lhe lume ao balcão, ele veio até à mesa, elas foram até à entrada fumar. Dessa conversa lunática, lembro-me de me ter convidado a colocar as palmas das minhas mãos nas dele e a fechar os olhos, não sei se era da tensão ou da estática mas senti verdadeiramente qualquer coisa de bizarro.

Foi ele que me leu Kafka no banco de madeira, na hora de almoço, foi ele que me ofereceu um disco de seu nome Born in Fire Vol.4, era um cd de metal extremo de uma editora holandesa, acho que a única banda que conhecia, e de nome, eram os Nile, não gostava do género mas guardo-o até hoje.

O pessoal gozava comigo, cantarolava mas ele era singular e por conseguinte tinha as suas singularidades.

Gostava de Radiohead, um dia veio até à minha porta emprestar-me um disco deles ao vivo, não me lembro qual era mas sei que tinha a morning bell, que eu ouvia sempre de manhã enquanto me vestia.

Às vezes, ligava-me e ria e depois eu só ouvia os acordes de uma guitarra e a voz do Kurt Cobain e quando a canção terminava ele desligava.

Foi ele de quem falei quando numa noite, depois de um passeio, nos convidou para jantar, sopa de meia-noite dizia ele, eu recusei, ele insistia e as meninas estavam na sacada preparadas para lhe lançarem, à cabeça incauta, os vasos da senhoria…

Eu sei que todos o achavam alienado, consumido mas ele descobriu coisas de mim que mais ninguém sabia, coisas que eu nunca lhe contei mas que sabia que ele sabia.

Acho que a última vez que falei com ele foi por telemóvel, era difícil acompanhar-lhe o raciocínio, perguntei-lhe quem era, perguntei-lhe tanta coisa…

Ele falou-me de uma namorada, da Holanda, (percebi de onde tinha vindo o disco onde estavam os Nile...) de empregos na Alemanha, disto e daquilo.

Ele sabia como me embaraçar, ele sabia que eu detestava que as pessoas olhassem para mim, o que era difícil quando ele de cabelos soltos caminhava pela cantina e se sentava na minha mesa e pescava do meu prato…

Nunca mais o vi, que será feito dele?

Ainda enlaço o cabelo com fitas, brancas às vezes.

 

publicado por Ligeia Noire às 23:33
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