Acontece que nós, seres humanos, felizmente ou infelizmente - não sei - somos da família dos primatas poligâmicos. Isto é, somos naturalmente, biologicamente, instintivamente poligâmicos. A ararinha do Brasil, o pombo, o joão-de-barro são naturalmente monogâmicos, mas nós não! Nós somos poligâmicos! Em outras palavras, o casamento monogâmico, construção da cultura judaico-cristã, é, para o homo sapiens, absolutamente antinatural!
Tanto é assim que quando nos casamos, seja no civil, seja no religioso, temos que prometer fidelidade, e diante de testemunhas. Prometemos porque ser fiel não é natural! Alguém precisa prometer que vai beber água todos os dias ou que vai comer quando sentir fome? Não. Ninguém duvida que o faremos!
In Vivamvs: Instituto Interdisciplinar para Saúde Mental, blog de Graça Oliveira
Hoje acordei com o coração a ouvir-se por fora dos cobertores mais um pesadelo, presumo.
Não consigo conceber, aliás até me assusta, o comprometer-me com alguém, soa-me sempre a estar presa de algum modo, limitada, circunscrita, sujeita a um determinado comportamento.
Sempre detestei responsabilidade, o meu emprego ideal seria aquele incógnito do staff de uma banda, exactamente, aquele tipo que anda no palco a ligar cabos e a arruma-los no final do concerto, de sonho diria.
O mais cómico disto tudo, é que sempre fui a menina responsável, a que tomava conta dos outros.
E porquê?
Por não falar muito? Por ter boas notas? Por me pôr a ler colunas de revistas cor-de-rosa aos sete anos, na rodoviária, para as velhotas?
Foda-se, as pessoas são tão facilmente ludibriáveis.
O que mais gosto nestes rituais, os de galanteio digo, é exactamente isso, a corte, sempre o estágio primeiro, a sedução, o jogo, o desejo, o nunca saberem o suficiente de mim e eu não querer saber o suficiente dele/as, o fantasiar com o que está para lá dos olhos, a passionalidade, o que não se controla, o enquanto jorra é porque jorra naturalmente, depois tudo o que está para lá disso não tem interesse, absolutamente nenhum, para mim.
Aliás, não é mais do que um repelente.
A individualidade não funciona a dois, claro que consigo esquecer-me disso tudo durante o período passional, enquanto dura o feitiço, no entanto, todo o socialismo que vem a seguir, é-me impossível.
O ser humano é enredado, já se sabe, se eu disser que sou quatro pessoas, como já o fiz, não me refiro apenas a mim mas sim ao facto de que, enquanto ser humano, assim o sou.
Não quer dizer que esteja a dissimular a minha imagem de acordo com a pessoa que está a olhar para mim, estou apenas a adaptá-la.
Usando a domino.
Há a escolhida para os amigos, para a família, para os amantes, et cetera e tal.
Todas estas meninas são fieis, são minhas e sou eu, mas não podem viver juntas aos olhos alheios, não as posso reunir à mesa, qual Santíssima Trindade.
E, às vezes, penso se quero mesmo que isso aconteça, que haja alguém a quem possa mostrar o negro e o carmesim, o sorriso escarninho e as lágrimas quentes e, sendo possível, só poderia ser um amigo, nunca um amante porque desses, não quero saber como lavam os dentes, ou vê-los a escolherem a roupa, ou ir às compras com eles, andar de mão dada, respeitar datas, usar alianças, apresentar a x e y ou ter de, o ter de mata-me!
Não e não e não.
Eu gosto do aparece porque quer, do apeteceu-me, ou o quero e quero agora, do não saber muito bem se comportamentos extremos ou romantismos de cavaleiro medieval se revolvem por detrás daqueles olhos.
A paixão e o amor ficam tão bem misturados com o por desvelar e a vontade e nós sabemos que tudo o que abandona a escuridão e o segredo da noite é feio, chato, obrigacional e vendido e, na verdade, não, não quero que exista.