“We are like roses that have never bothered to bloom when we should have bloomed and it is as if the sun has become disgusted with waiting”.

27
Mai 13


I


Fui convidada para ser dama-de-honor há uns meses, serei dama-de-honor daqui a uns meses, o vestido está finalmente pronto, gosto do vestido, gosto muito dela e sabia que seria a primeira a casar porque assim o descobrimos há uns anos na mesa da cozinha.

Enquanto escrevo, corre o Madison County na televisão pela décima vez, talvez.

Está no momento em que a realidade bate à porta, ela começa a perguntar-lhe como funciona a cena dele com as mulheres à volta do mundo, que ele não precisa de ninguém, ela é que vai ficar ali, a sentir-se culpada porque é a casada e ele é que é o cidadão do mundo, ele não quer precisar dela, ela diz que ele é um hipócrita.

Não sabia já ela que iria ser assim, não sabia já ela que ele teria de ir, que as paixões não são eternas porque senão não eram paixões?

Por que queremos possuir o instante, estender o momento, ou melhor, por que razão é momentânea a felicidade?

Faz-me lembrar as borboletas que pousavam nas flores dos mentrastos quando eu era pequena.

Eu tentava agarrá-las mas se apanhasse alguma, se lhe tocasse com os dedos e apertasse as asas, ela deixava de voar, seremos assim tão malditos que estamos condenados a ver o anjo da salvação do outro lado da escarpa mas tentar chegar-lhe significa a queda no abismo?

Mas que porcaria de vida com sentido tão perverso.

 

II


Aquele momento em que te está a apetecer explodir o crânio e te aparece do nada, qual cogumelo, um conhecido com o qual tens de lidar momentaneamente.

Inspiras, gretas um sorriso e falas sem te ouvires.

Às vezes, sou rude, há outras em que me consigo controlar e desafiar a gravidade porque sei que assim é mais fácil deixarem-me em paz com as perguntas inúteis e as conversas de absolvição e soluções de quem vive pela medida equilibrada.

Chega-se a um ponto em que já não se consegue voltar atrás, temos é de ter cuidado e astúcia suficientes para nos lembrarmos dos detalhes que usámos, depois… depois as mentiras vão ganhando vida e história e, uma vez maturadas, até nós acreditamos nelas.

E deixa de ser difícil, deixam de ser indigestas.

Afinal de contas é tudo relativo, tudo é perspectiva.

Não quero comer, quero ficar aqui, no escuro, sem ter de lidar com ninguém, hoje não posso.

Deixem-se estar, façam de conta que fui viajar e ainda não voltei, eu juro que não me importo.

A minha avó materna está mal, pouco me importa, sempre foi uma cabra para os meus pais portanto se agora tem alguma bondade é apenas pelo medo da morte.

Se morrer, usar preto não me irá ser problemático.

Chove, está frio, ontem foi ontem, hoje parece ontem também e estou fodida.

O alemão pediu que o comessem, eu só peço que se afastem e se calem.

Pára, respira, pensa em mãos rugosas a fazerem-te tranças à beira do rio na Carélia.

Costelas elevam-se um pouco, corpo distende-se.

Serenidade induzida.

Obrigada.


III

 

Ele pergunta-me se estou bem e eu minto porque assim não há mais perguntas e ele não se preocupa porque eu não quero que ele se preocupe.

Ele desconfia sempre quando digo que estou normal… não gosto de lhe mentir portanto, opto pelo meio-termo, falámos da chuva de lá e da chuva que começou aqui.


if you smile, there'll be some sunshine for me.


Se fosse qualquer outra pessoa a dizer isto… tu sabes… não atingiria qualquer propósito mas sendo ele, eu abro os bolsos e escondo as mãos de agressão e sorrio sem querer, depois apetece-me fechar os olhos, esquecer os haves' e os 'have nots', como diz o Reznor, e dizer-lhe o quanto estou morta e o quanto dói estar morta porque não estou realmente morta e que, quando não dói, ainda é pior porque não sinto porra nenhuma e portanto apetece-me continuar no credo dos Nine Inch Nails e castigar-me para ver se sinto porque focar-me na dor ajuda a respirar e é a única coisa que não é distorcida por olhos, por canais de televisão, por cultos, por receptáculos e já sabemos o resto de cor e salteado porque nunca mudou, não é verdade?

Mas não digo e continuo a sorrir para que no meio de toda a chuva e frio e multitude e grandiosidade e arquitectura dalinista que possam estar a rodeá-lo, seja sempre quente e solarengo no instante em que ele meter as mãos aos bolsos e fechar os olhos.

 

publicado por Ligeia Noire às 23:47
música: “Dauðalogn” dos Sigur Rós
etiquetas: , ,

mais sobre mim
Maio 2013
Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab

1
2
3
4

5
6
7
8
9
10
11

13
14
15
17
18

19
20
21
23
25

28
30
31


Fotos
pesquisar
 
arquivos
subscrever feeds