“We are like roses that have never bothered to bloom when we should have bloomed and it is as if the sun has become disgusted with waiting”.

23
Jul 13


Prelúdio


Enquanto ele lavava as frutas, eu procurava por umas tesouras, não encontrei nenhumas mas uma faca também servia, dobrei a fita ao meio e cortei.

 

Why am I?

Why am I here?

So distant from

My old life?


Está sol hoje, está sol hoje e não sei.

Eu não sei se já tinha sido -aquela- alguma vez... não, nunca.

Fui-me assim pela primeira vez, quero contar-te tudo mas não sei, perco-me toda...

Estava na sacada, o cabelo ainda estava molhado, deixei que pendesse pelo parapeito enquanto bebia cerveja e os olhos se me humedeciam ao som de cada corda da guitarra que ele deixava ressoar.

Mesmo se tivesse querido tentar aquele quadro anteriormente, não o teria conseguido, não assim, não tão imaculado.

 

You see,

I'm waiting patiently

And what this means to me

Nobody ever knows.


Percebi, ali, que as minhas alegrias serão sempre meias alegrias, atordoadas de melancolia e é bom e sabe bem ser assim.

Ofereceu-me rosas de manhã, três rosas, três rosas muito vermelhas.

Às vezes era dia, outras vezes era noite, contemplámos a lua, descobrimos o mar e flores, muitas, as roxas principalmente.

Fomos ali e acolá e eu prometi ir lá e quis que a promessa se tivesse feito verdade já ali, ou então também não importava porque eu era nova, renascida, tudo era diferente e eu não tinha medo, nem sequer percebia porque tinha tido medo quando me senti tão segura depois…

Gosto que ele não use perfume como eu, inebriada sim, aquele cheiro é o mesmo do da última carta, do do último passeio pela cidade religiosa...

No jardim da outra margem, quando ele desenlaçou o cabelo de trigo para que secasse e eu estava deitada no colo dele como se fosse uma reprodução da pietà... pareceríamos duas mulheres a olhos incautos.

Cavaleiro-das-Terras-Brancas é estranho sim, exótico e o trecho join me in death, this life ain’t worth living fez todo o sentido que poderia alguma vez fazer…

Há compreensão em toda a extensão do azul daqueles olhos glaciares e apeteceu-me chorar muitas vezes porque a beleza é assim, triste e avassaladora e de pontas que aleijam a sério.

E dizia-me que compreendia na plenitude o quão verdadeira fui quando lhe disse que era um gato, e chamava-me gata, gata de passos finos e sorrateiros, gata que brinca e esconde os olhos e as mãos nos bolsos dele, gata que não é de ninguém.

Numa das noites que acabava de cair fomos para o pequeno jardim do terraço, havia alemães e americanos e outros e outros e depois havíamos nós, nós sozinhos, ainda com o cheiro dos livros velhos nos dedos, era noite e bebemos muito, e falámos ainda mais e fomos e viemos e brindámos uma última vez.

Lembro-me do castelo, do loureiro, da escadaria de pedra, das ruas estreitas, da água, dos momentos em que parávamos e olhávamos para dentro dos olhos.

Houve até um dia em que fomos dar a um cemitério e, se tudo isto não fosse natural e imprevisto, poderia ter perfeitamente acreditado que estava dentro da cabeça do Poe, musicada pelos My Dying Bride.

Percebes Supremo porque não queria ir embora? Voltar à minha vida miserável, às pessoas que conheço, era como se quisesse ser sempre assim, uma estranha em terra estranha, de braço dado ao Cavaleiro a quem disse o laço branco porque quis, por ser merecedor, por sentir, por derrotar todas as espadas desembainhadas e até o meu punhal apontado ao peito.

 

Have you forgotten

All this beauty

Around you?

All your worries,

Could easily fade

Behind you...

 

Who is pulling you back?

The end is near.

With such...

With her strength.


As portadas escancaradas do quarto enquanto ele enlaçava a fita vermelha nos meus pés…

… Circe poisoning the sea, Sur l'océan couleur de fer, embalavam esta alegria berçal, este querer não ir e querer não me mexer muito para não sentir que estava a perder o orvalho, ah Alcest!

Claro que sim, claro que tinha de banhar a cidade nocturna, nevoeirenta com a voz do Neige, todo o meu corpo se enrolava e escondia ainda mais no Cavaleiro enquanto cantavas: homem nevado...

Houve a My Pain dos Triptykon:


Fall asleep in my arms
Never to wake up ever again

Morning comes as a surprise
To the solitary heart
This world within my mind
Did it ever even exist?

I wish my touch could mend your bleeding wounds
And mark my existence in your time
I fight the impending lure of belated sleep
For fear of waking up and you are gone


Diz tudo, não é?

Mas, curiosamente, foi The Gathering que imperou e perdurou, a brisa nocturna bailava com a voz da Anneke para cá e para lá e fui adormecendo, esperando a bênção de nunca mais acordar.

Não foi luxúria, euforia, tristeza, foi outra coisa... foi desaparelhamento de tudo o que tinha sido até ali, era como se fosse eu, sim, eu, mas eu mais leve, mais graciosa, eu sem passado e principalmente sem futuro, um eu contente, de sorrisos, um eu enamorado, nobre.

Um eu sem ligações, sem conhecer ninguém, um eu que não queria voltar.

Acordar para voltar? Não.

Descobri uma rapariga elevada e cristalina que nunca logrou existir até agora, uma rapariga celestial, mais filha de ti do que outrora alguma vez conseguiu ser.

Sabes, contei-lhe os meus dois segredos, contei-lhe de ti… contei tudo a bem dizer.

Senti-me tão afastada do mundo e de toda a sua feiura, só existiam lírios, gatos, acordes de guitarra acústica e vinho de tantas proveniências, caía-me e caía-me e havia a viagem de comboio com o rio lá ao fundo e a minha cabeça no ombro dele, enquanto os dedos se seguravam às suas mãos como se fosses tu, havia tudo isto a bailar à minha volta.

Misturo os dias todos, ainda é difícil destrinçar, é tudo uma arca russa, um baile sem paragens.

À noite, disse-lhe que estava enamorada, apaixonada, que o amava nas línguas todas que interessavam, não quis saber de depois, depois, depois, depois que se foda... interessava-me dizer-lho e dizer-lho ali.

Chorei por entre o meu cabelo descido e espalhado quando ele estava a tocar sentado na sacada, chorei quando disse que o amava e chorei quando foi embora, chorei três vezes, três rosas, ele levou a metade da minha fita vermelha e eu tive certezas de gelo de que não queria falar com mais ninguém.

E magoa-me que a vida seja tão desajeitada e dura quando comparada àquela que se desenrola quando somos deuses, almas, anjos enlevados e não caídos.

E não sei se fui demasiado egoísta ao pedir que me salvasse mas não pode ser mais ninguém a fazê-lo senão um Cavaleiro de coração puro e alma branca.

Because Circe is always poisoning the sea…

 

к моему любовнику

 

publicado por Ligeia Noire às 14:07
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