“We are like roses that have never bothered to bloom when we should have bloomed and it is as if the sun has become disgusted with waiting”.

18
Ago 13

 

Estou ainda com os olhos mais ou menos nublados e, enquanto escrevo, vejo as minhas unhas vermelhas a acompanharem as letras... penso-me.

O vestido e os sapatos estão ao fundo da cama, a cesta ficou lá, vazia.

Continuo triste, continua a apetecer-me chorar, há muita tristeza aqui.

Lá longe oiço tambores, lá longe ficaram pétalas e olhares mumificados nas pedras onde calculava o tamanho dos meus sapatos, oiço Nhor, dos três, Nhor veio comigo para a gaveta.

Quanto mais os via radiantes: os prometidos, os meus amigos, os velhos, mais me caía nas costas a sôfrega vontade apertada de me desculpar e voltar à brisa nocturna e chorar as tripas e os gargalos de garrafas que já não me adulteram ou fazem normal.

Supremo, ai Supremo que tristeza desmedida, que cansaço de ser, que desvontade me aflige que já nem aos meus amigos broto meios sorrisos.

Todavia, não presumas a direcção da cerimónia por minhas palavras porque tudo correu como deveria correr.

As palavras, a impaciência e a beleza dela, as flores…

No livro escrevi apenas felicidades, não quis ser mais, felicidades foi o que escrevi.

E, de tudo, recordo dois amigos de antes, dois amigos que vieram de longe e me disseram que, mesmo em todo aquele vermelho, eu conseguia sempre ser-me e encontrar-me nos detalhes, a dos cabelos negros diz que eu lhe lembrava uma dama antiga, no meio da conversa da manhã que se prolongava sem rodeios, ainda me esforçava por ser a rapariga de antes, a que ria e recreava os outros, comprazi na mesma mas fui toda oca.

Quis voltar à cama mas, pensando bem, nem era bem à cama ou ao passado, mas à não-vida, não me sentia culpada ou errada, eram os que me rodeavam que não eram iguais, estavam forçados, distantes e crescidos e eu odiava-os naquele instante.

Vi o amigo da amiga, o daquela noite, durante a tarde vi-o e à noite voltei a vê-lo, ora ali, ora acolá, dançava com aquela e a aquela outra e a amiga fingia não se amofinar, estava divertido e entusiástico como sempre, odiava-o também.

Comi devagarinho, e o chocolate ali, que dispensei, porque passou a ser acto ritual.

Sabes, entristece-me sobretudo toda esta coisa de festa, toda esta, por vezes, encenação (que o tem de ser) em conflito com o dia de amanhã, acho que é esse o meu tormento, estou sempre no acabar, no depois, na nostalgia dos pratos com migalhas, nas fitas calcadas debaixo das mesas, nas flores secas, nos vestidos amarrotados, nas salas vazias, nas fotografias que não crescem e não mutam e por isso lhes invejamos e carpimos a perfeição.

Nos gestos efémeros do amigo da amiga que encontrámos nas traseiras, enquanto esperava que fumassem para tomar um café e lhe observava a cadência e o sorriso com que organizava a surpresa.

Foram folhas de fiteiro, garrafas, papel e outras malandrices com que ia enfeitando o carro, imagens que me iam chegando ao canto do olho direito.

Já havia luar e eu não havia nada, tudo ali se me oferecia se quisesse mas eu não queria nada, senão ser outra, confesso-te aqui e agora, ser outra sim.

Não sei, se sei bem dizer isto, se calhar até nem é bem isto que sinto mas por agora é assim que o pergaminho das despedidas me invade o coração, ser outra, uma rapariga mais coadunada, mais tudo e menos tudo.

Às vezes canso-me de não saber ser e de nunca encontrar o alçapão.

Às vezes, gostava que todos os outros dissessem que não sabem ser também ou serei apenas eu?

Eu que não aceito, eu que não quero, eu que não vivo, eu que não progrido, eu que não choro sem paredes, eu que não finjo ou só finjo, eu que não sei, eu que não sei ser.

Eu que só estou e que compreendo que ele e o chocolate ou o champanhe que não bebi, não iam mudar nada, porque nada mudaram no passado.

Quem sou eu meu rei?

Quem sou eu que me resvalo pelas entranhas do mundo e me deixo conservada em vinagre que vai vertendo na infinita roda do destino?

Que pessoa sou eu, meu rei e senhor, que não se completa, não sorri por dentro e não recebe de ti a bênção da evasão final?

Meu amo porque não me alforriais?

Por que me acorrentais e esgaçais o pescoço neste sem-fim de sentimentos nublados e desarranjados que me corroem a barriga e me devastam o peito?

Por que existem outros aqui, neste vosso reino, por que existem tantos outros, tantas mãos e sorrisos e vontades e coisas que eles fazem ali ao fundo e no canto e lá fora e me chegam pelos cantos dos olhos?

Quero-as tanto como comer baunilha mas depois vou e já não quero e já não sei e já não sou e já não desejo mas sigo igual, estancada e desiludida por não ser uma rosa fresca e matutina.

Eu duro.

A vossa vassala, humilde serva, destituída de albergue, enxerga e um prato de comida que sacie, deambula por caminhos alumiados pelo luar à procura da vossa graça, do vosso consolo.

Ofertar-vos-ia os meus ouvidos e as minhas mãos para me curardes, enrolardes no vosso colo e me ensinardes a ser uma pessoa direitinha, uma alma sem resquícios de águas silentes de juncais.

Meu rei, soberano de mim, a ti me entrego, todo o meu ser a vós se entrega, já não sou minha, nunca me fui, talvez…

E, talvez, se calhar, só neste caderno medicamentoso, caderno de horas, o tenha esclarecido.

Rei celestial, rei de mãos duras e cabelo comprido, amai-me, refazei-me, sou eu, aqui, aqui na beira do rio, vestida de sargaças à espera que me entrances o cabelo, amo-vos.

 

publicado por Ligeia Noire às 12:19
música: "The branches are gathered" de Nhor

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