“We are like roses that have never bothered to bloom when we should have bloomed and it is as if the sun has become disgusted with waiting”.

26
Ago 13


Prima Stanza: scura

 

A última vez que aqui estive, sentada nas escadas da estação de camionagem, à espera de boleia, o sentimento era bem distinto.

Curioso, e ao mesmo tempo ridículo, como os meus dias de anos são sempre miseráveis, no entanto, acho que este bateu todos os recordes. Desde ter ido trabalhar, que por si só é razão suficiente para uma visita à casa amarela, até à dor de costas que amanhã prosseguirá, duplicada, porque é mais uma fornada que se avizinha.

Sim, sou uma espécie de escrava e isso deprime-me.

Enquanto espero, de vestido preto, meias até ao joelho e sabrinas e sentada nas escadas, de auscultadores a protegerem-me, pelo menos, os ouvidos, vai soando o novo dos Watain, ouço-o pela simples alusão que foi sendo feita em várias críticas aos meus Nefilins, em relação à canção: "They rode on".

E conto isto porque nunca os tinha ouvido antes, o que conheço deles é a imponência e a hegemonia do nome na cena e as entrevistas que o vocalista ia dando, gajo bastante culto, interessante e carismático.

E, não sei o que dizer do álbum, se gosto ou não gosto… sou da segunda vaga do metal negro e tudo isto me é novo, no entanto, sei dizer que, sem dúvida, a canção supracitada é tudo o que disseram dela.

Faço anos e tenho raiva, nem sei bem porquê, faço anos e espero que todos se esqueçam e não aconteça, faço anos e aproximo-me da decadência que, por agora, apenas me circunda a alma.


Aos vinte e quatro dias do mês de Agosto, dia do Diabo.


Seconda Stanza: candida

 

Chego a casa e sento-me, chego a casa e sento-me à mesa, sentada sinto-me cansada desde o choro primeiro, ligam-me, estranho o que me dizem, não conheço, não sei de entrega alguma, flores? Quais flores? Não quereria o gajo dizer livro mas é Sábado e o livro que comprei não poderia chegar a um Sábado.

Indico o percurso a seguir ao homem e peço à minha irmã que vá ao caminho buscar as ditas porque me doem as pernas e os pés, ela chega à entrada ladeada por pedras de um portão que já não existe e deixa-me entrever um bouquet de rosas vermelhas envolvidas por gipsófila branca e folhas largas verdes a ornar todo aquele escarlate, há uma larga fita vermelha que enlaça os finos caules e outra branca com um brilhante que a fecha.

Abro o bilhete e vejo um nome apenas, o nome do Cavaleiro-das-terras-brancas e sinto-me toda.

Há surpresa desmedida, há alegria mas há, acima de tudo e de todas as coisas, uma justiça imensa com o divino porque durante as restantes horas deste dia consegui voltar à rapariga que fui na cidade nevoeirenta, consegui sentir-me como me senti lá, longe, nova, normal, começada no caminho certo.

 

Terza Stanza: incolore

 

É o primeiro dia em sete que não vou trabalhar, posso descansar as costas e as pernas da senzala e das correntes e, se exagero, perdoar-me-ás com certeza.

Ontem, quando cheguei ao trabalho e me preparava para vestir a farda, a minha mãe liga-me para dizer que a minha avó tinha morrido, a minha avó materna de que falei no outro dia, prossegui para o ofício e troquei a minha túnica negra pela farda cinzenta enquanto pensava que, pelo menos durante um ano, ninguém me iria chatear quanto ao negro que visto.

Esta minha avó é também minha madrinha e há uns meses que andava neste circuito de hospital-casa, casa-hospital, não que eu saiba porque a última vez que a vi a mulher ainda falava e andava, estava acompanhada pelo meu avô e iam à missa das sete de Sábado e eu ia à junta de freguesia buscar um atestado não sei de quê.

Quando era mais nova e ainda levava o leite à leitaria, pensavam que eu era filha dela, dizia uma velhota que eu lhe era tal e qual em figura, quando tinha a minha idade, confesso que fiquei orgulhosa porque naquela altura ainda ela sabia que era minha madrinha, e ainda nos ia visitando e nós a ela e, a forma como tratou a minha mãe e o meu pai no passado tinha ficado para trás, mas depois houve ruído no canal, tios que desprezo, primos que desprezo, irmão e cunhada que desprezo e pronto lá foi a cena toda.

Não sei se a minha mãe lhe perdoou verdadeiramente, hoje, quando se despedia do caixão que baixava à terra, pela forma daninha como a criou ou se a absolveu de a ter excomungado por ter casado com o meu pai mas, se perdoou, não esqueceu e nunca esquecerá.

O primeiro filho dos meus pais, nomeio-o assim porque não o considero meu irmão, foi criado com eles, com os meus avós, é uma longa história mas posso resumir-te toda a embrulhada a: eles nunca nos incluíram ou respeitaram ou engoliram porque somos pobres, porque não temos nada e porque mesmo assim nunca deixámos que nos calcassem.

É tudo mais ou menos uma escumalha, bem, mais ou menos todas as pessoas o são, mas o bom e o bonito disto tudo foi perceber nos olhos deles todos que enquanto o padre dizia as últimas palavras e o corpo era carregado, eles subiam ao meu nível e davam-se conta de que a morte é.

A morte chega e é certa.

E, curiosamente, lembrava-me das palavras do Valo, aquando da famosa e já aqui, vezes sem conta citada, entrevista de 2007 em que ele falava do tiroteio que houve por essa altura na Finlândia, um rapaz numa escola que matou não sei quantas pessoas, dizia ele, a propósito disso que, às vezes, é preciso uma catástrofe para que vizinhos que se odeiam, dêem as mãos, que sim é mesmo preciso um infortúnio que lhes abane as certezas e que os faça recordar da sua humanidade e insignificância para com a ordem das coisas e, estas, são palavras tão certas como a morte.

Estava eu à beira dos meus irmãos, os únicos netos que se deixavam à margem e reparava em toda aquela gente de negro, nas flores, nas campas, nas lápides, nos meus pais que choravam, em tios-avós que choravam e baixei a cabeça para admirar a minha sombra desenhada no chão e no cabelo que esvoaçava e não tive medo porque sempre soube o que era a morte desde que tinha sete anos, sempre soube que nada vale a pena, tudo morre, tudo são palavras lançadas ao vento.

Chorei porque vi o meu avô chorar, chorei porque o senti velhinho e indefeso e desmedidamente triste mas não chorei muito e até ali não senti grande coisa, diziam que ela era fria e gostava de roupas escuras, eu gosto de roupas escuras também e, há dias em que o vento nas flores do monte me faz chorar, mas há também outros, em que só quero que o Mundo acabe.

Como a vida é inútil, como a vida é perdida... é isso que mais me dá pena.

 

Quarta stanza: piccola annotazione di chiusura


Acabei de ver o último episódio do Lost ontem à noite.

E queria dizer, queria frisar, queria deixar escrito, o quão aquelas pessoas e aquele fio entrelaçado da vida delas e da verdade ou (in) verdade do mundo que as envolveu, se enovelou em mim.

Como sentirei saudades, como sentirei saudades de todos e da ilha, como…

Sem margem para dúvidas, a melhor e a mais engenhosa série de televisão alguma vez feita, não há como suplantá-la.

E, agora, de volta à cinzenta e lusitana realidade.

 

 

publicado por Ligeia Noire às 16:24
música: "They rode on" dos Watain
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