Na podridão, que doa, que enoje, que deixe marcas de suor e unhas partidas.
Que aleije e perdure.
Que deixe o corpo amontoado, despido de pele.
Ou então deixa-me estar.
Que faça fechar os olhos e se funda comigo.
Que a luz expluda em lírios brancos e a pele seja toda ópio, absinto, heroína e rebuçados sem o dia de amanhã.
Corpo de linho, mãos de tecedeira afã.
Tão forte que o meu rosto se transforme no espelho de todos os dias.
Ou então eu jamais consentirei.
Ou então deixa-me estar.
II
E continuaremos a perder-nos, neste rio de tristeza e desilusão, até não sentirmos dor.
De pés ensanguentados, de mãos espinhosas e cobertas de abrolhos do vale do desterro.
Há golpes que demoram a ser desferidos.
Cresci a saber que todos somos desenhados para devorar o nosso próximo na fome.
III
Sinto-me nua no meio do mato e do silvado.
O desejo de retornar, abre-me crateras no peito.
Tudo parece rodopiar e a minha cabeça não se segura.
Se pudesse gritar…
Se pudesse gritar tudo…
Gritar muito…
Gritar
Gritar
Gritar
Vociferar
Berrar
Bradar em silvos delapidados de graça.
Se pudesse gritar até rasgar a garganta e esfacelar o coração...
Partir o peito e calcá-lo como Cristo calcou a serpente no monte das oliveiras.
Se eu pudesse gritar esta indizível tristeza.
Este mundo de desespero.
Este caudal farto e infecto de dor que corre em círculos sistémicos e resulta em espasmos.
Desfazê-lo em sangue líquido e ir embora.