“We are like roses that have never bothered to bloom when we should have bloomed and it is as if the sun has become disgusted with waiting”.

10
Mai 11

 

I


Palavras feias


Não sabia que ainda me faltavam tantos espancamentos.

Desce lá daí e explica-me as circunstâncias.

Para além da porrada diária, fazes com que os que amo presenciem de camarote almofadado às impossibilidades.

Obrigas-me a ver o esforço deles para me darem a mão, enquanto rasgas e rasgas.

Não consegui, ainda, atingir a dimensão da crueldade.

Como és tu capaz de roubar um sorriso prematuro, um sorriso que tentava habituar-se, ainda, à luz forte da manhã?

Como podes tu, que já não reconheço, ter guardado no bolso uma lâmina nova, uma queda aparatosa, um derrame seco?

A culpa não é minha.

Não venhas bater-me aos neurónios durante a noite porque me sabes inocente, sabes que tentei, sabes que contrariei a minha natureza para estar acima da superfície e tu… tu queres-me morta… morta em vida.

Já violei tudo em mim e no dia em que violar o amor de sangue, vou aí ver-te a cor dos olhos.

 

II  

 

If you come closer, I'll show you how it feels


E espera lá, o que raio foi aquilo?

Por que motivo o acordaste e lhe puseste aquelas palavras, que não sei processar, na boca?

Acordar a flor-selvagem foi idêntico à esponja envinagrada que deram a Cristo quando ele pediu água e eu sei que tu sabes o gosto.

E a ela?

A ela esvaziaste-lhe o peito de mim e da boca saiam coisas triviais.

Acha-me confusa e presa ao círculo por abnegação.

Dás-lhes vidas em que eu estou longe e coberta de neve.

Não gosto disto, não gosto de me encontrar sempre num quarto de paredes brancas e estéreis enquanto morro em cima de lençóis brancos e rosa, como uma árvore no meio da tundra.

E aquela senhora, aquela senhora com quem não falava há anos, apareceu assim, a falar da minha beleza e das saudades e do caminho que não fiz.

Olha para mim!

Por que os fizeste sorrir?

Por que adoçaste o ar?

Às vezes, pareço uma criança esfomeada, cheia de costelas visíveis e de pés desregrados que se cola ao vidro de uma montra cheia de bolos de baunilha, chocolate e chantilly.

Parece que te oiço dizer, sem palavras, que ainda há muita profundidade para alcançar que, por certo, até me deixas ultrapassar o vidro e ter os bolos na boca mas, depois, sentirei nojo, repulsa e tudo me parecerá pequeno e grotesco, visto de dentro.

Por que me dás rosas e caminhos e depois me abres o deserto nos pés?

 

III

 

Now you know how it feels


Há uns tempos, escrevi que tu e todos os que controlas ou que te fazem ou que tu fazes ou o caralho a sete, me preferem desesperada a sepultada.

Ah... não me sabia tão sábia, verdadeira autoridade canónica na arte de descer, cair a pique, sobrevoar o abismo.

E o que prometi vou cumprir, conheço-me como uma mulher de palavra.

Querias que chorasse?

Temos pena, não consigo.

Nem beber consigo, só o sono me assola.

Embora, solenemente, espere uma sede de proporções industriais.

Assim, podes sentar-te na plateia, como os anjos da Ligeia, a ver-me no meio de todas estas palavras imundas de sabor.

Fica tudo mais suicida e dolente.

Não é divertido?

E, como podes adivinhar-me no coração, a raiva nunca é por mim, que sou proscrita, mas pelo que fazes à minha corrente de salvação.

Não há atalho possível sem que por eles não passe.

Espero sim, pela verdade, porque se a culpa é minha, é tua.

Se fiz os buracos aquando da inconsciência, foi com os teus olhos em cima.

Se os fiz em lágrimas, foi na tua casa, até porque não posso continuar aqui sem existires num canto da minha cabeça.

   

Post Scriptum: Pensei em não transpor isto para estes lados porque não sei se ainda faz sentido mas há umas semanas fez e, de alguma forma, ainda faz porque só retirado de dentro e posto à minha frente se torna perceptível. É para isso que escrevo.

publicado por Ligeia Noire às 23:37
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