As palavras têm vida própria, associam-se como a roupa.
São exteriorização.
Há sempre coisas que não se podem dizer, a menos que as vistamos primeiro.
Estou a dançar no fio da navalha, como diria o outro, não sei se goste, se odeie.
Estados antagónicos?
Afinal apercebo-me de que a fronteira entre as coisas não existe, é tudo dúbio, tudo se mescla.
É tudo um cocktail de coisas vivas.
As fronteiras não são naturais, o bem e o mal não existem.
Existem os nossos olhos.
Apenas e só.
Férias, Agosto, o meu mês, vêm todos e o tempo foge.
E depois tenho medo de voltar e espero sempre que o relógio de Deus encrave.
Os meses anteriores foram espinhosos e ainda hoje me pergunto o que aconteceu e como consegui encontrar a corda para subir.
Pensei que o melhor seria esconder-me debaixo de uma pedra mas não encontrei uma que abarcasse o tamanho do meu nada.
Visitas inesperadas que me interrompem a escrita.
Volto, ligo o aparelho e deixo a música correr:
I'm a little curious of you in crowded scenes
And how serene your friends and fiends
We flew and strolled as two eliminated gently
Why don't you close your eyes and reinvent me
You know you've got that heart made of stone
You should have let me know
You could have let me know
We'll go 'till morning comes
And traffic grows
And windows hum
Spending all week with your friends
Give me evenings and weekends
Evenings and weekends
I could be yours
We can unwind
All these have flaws
All these have flaws
You'd agree it's a typical high
You fly as you watch your name go by
And once the name goes by
Not thicker than water nor thicker than mud
And the eight k thuds it does
Sunset so thickly
Let's make it quiet and quickly
Don't frown
It tastes better on the way back down
I could be yours
We can unwind
All these have flaws
All these have flaws
All these have flaws
Will lead to mine
Mezzanine by Massive Attack/Mezzanine da autoria dos Massive Attack
All these have flaws é isso, é.
Consegui apanhar o pensamento outra vez.
Tudo isto tem lacunas, rasgos, crateras.
Tudo é imperfeito e tudo se clareia na decadência.
Continuo a dançar intensamente no fio da navalha de outrem.
Rodopio e rodopio e vejo-o lá ao fundo.
É preclaro e meu, sorri e é noite velha como sempre.
Percorro o gume com os meus sapatos negros, volto-me outra vez e lá está a flor-selvagem Supremo, ele está ali.
… está mais perto, insinua que continue a voltear enquanto colhe flores.
Reparo que faz dia.
Quedo-me no cabo e choro porque sei que os seus dias não são as minhas noites e as suas noites não são os meus dias.
As lágrimas fazem com que a navalha se torne lúbrica e é agora número arrojado continuar a voltear.
Viro as costas à plateia e danço embriagada no meu círculo sem retorno.
A lâmina secou e conheço, agora, o gume como a mim mesma.
Colho o meu vestido e sento-me.
Um visitante chega, este é praia que abandonei sem provar o mar que a estende.
Olha-me e tenta culpar-me dos seus olhos pesados e semblante soturno.
Voltou, e a senda é a mesma: resgatar a Rapunzel.
Brinco e aceno-lhe com a minha distância, ele oferece-me a sua constância, lealdade e devoção abrindo o corpo como uma sacada ao sol.
Acha que sou eu e apenas eu a…
a que… percebes Supremo?
Mas eu falo palavras e abro olhares que ele não compreende nem nunca compreendeu e calço os sapatos negros para prosseguir a minha dança no fio da navalha afiada do Universo.
Espero que ele se afaste.
Sinto-lhe apenas carinho.
Espero que me perdoe.
É novo e era ainda mais novo, pensei que passasse, espero que ainda passe.
Rodopio e reparo que a flor-selvagem continua a colher... ele colhe as tuas flores Supremo.
Enquanto eu danço, ele colhe flores o dia inteiro.
Em mim faz noite.
Estou a dançar no fio da navalha, como diria o outro, não sei se goste, se odeie.