“We are like roses that have never bothered to bloom when we should have bloomed and it is as if the sun has become disgusted with waiting”.

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Out 12


Prólogo


Não se preocupem crias malnascidas que vossas mercês caberão todas por aqui, é só o tempo de deixar que a música, a minha mais abonada musa, me conceda sangue líquido.


O reino de dentro: parte I


Há que iniciar olhando para mim, nunca para o alheio porque eu sou eu e os outros são esterco, ora aí está o que lhes havia de dizer todos os dias. A ânsia de ter de escrever e não poder, não ter tempo ou espaço fez com que tudo se aglomerasse: cordões, meias e sapatos.

Eu sei o que fazer comigo, não sei o que fazer é com os outros, os mirones.

Estou muito cansada, o meu corpo está muito cansado, a minha cabeça não, a minha cabeça não dói, ao contrário do que disse ontem e anteontem e antes de anteontem. Não foi bem mentir… ela doía de maneira diferente, doía de os ouvir mas já arranjei contendas suficientes para um fim-de-semana, tenho de controlar a violência e abonar a hipocrisia, ó coisa tão boa, se soubessem que é isso que os outros querem, ser enganados, elaborados no desenho, ninguém quer saber de verdades, as verdades são tão verdade não é?

Ó que coisa feia e imunda saber agora de verdades, ainda por cima dessa boca que não fala coisas iguais às outras bocas, dessa garota arrogante e com fundações no início do Inferno, lá na primeira caleira.

E que feia que ela é, e como queríamos saber o que está dentro daqueles olhos e daquele rosto opaco quando ela olha e não fala e quando fala mas nada diz do que lá está enterrado.

 

O estábulo

 

Lembras-te do gajo de cabelos loiros, aquele das indumentárias de régua e esquadro que eu via na…?

Nunca mais o avistei mas encontrei um que se lhe assemelha em tudo... mas no nosso espaço cruzado só têm existido olhos, às vezes não sei se o quero desossar ou comer sem condimento algum.

Detesto as conversas deles, os rostos deles, a forma como lançam os olhos da janela, aquilo que pensam conhecer de mim.

Se calhar, isto que pensei quando estava cheia de entremeadas e dores de alma, não foi uma boa ideia.

Não sei de quem tenho pena, se de mim por não os entender, se por eles… pelo que têm de desarmar.

Não é soberbia de personalidade superior, é curiosidade e até mesmo tristeza por não me conseguir moldar ao seu mundo, ao seu campo de visão, é como se estivéssemos na Alemanha do muro, na China da muralha, na cama entorpecida do casal desaparelhado.

Vivo neste interregno de não encontrar o meu povo e de não me conseguir ajustar ao de outrem.

Vivo a vida comezinha com um vestido que não me serve, desconfortável.

Há vezes em que me asseguro de que não haverá esse encontro com o meu povo e há, também, as outras vezes, aquelas em que acho não me saber consignar aos demais e, mesmo que não possa ser aquela eu, aquela que sou em completude, posso viver as outras três, as que me são em parte.

Que pena que essa bacoquice do amor não existe, se existisse apaixonava-me por ele e punha os meus pézitos em sabrinas e percorria todo o carreiro até me conseguir servir numa travessa prateada rodeada por uvas fresquinhas.

 

O reino dos outros 

 

Não é que eu estivesse enganada, não é que eu tivesse acreditado, não é que eu tivesse dado vinte e dois dias constitucionais de repouso à negritude, sempre estive na quitina de um caranguejo vermelho: recua, avança, ui recua e recua ao quadrado.

Confesso, no entanto, que sabia assaz bem crer que ele era um tipo inteligente, que sabia da natureza vitral do mundo, do desengano, da imundície nos olhos dos outros, no prazer pelo prazer e na lealdade.

Bem, acho que esse meu recuo de caranguejo carmíneo de águas pantanais, me providenciou com este sorriso, este que estendo enquanto escrevo e faço pausas para levar o trigo à boca.

Na verdade, tenho estado a sorrir há uns dias por ter sido um caranguejo de recuos estratégicos e um pântano de verdades enganosas.

Supremo, desiludi-me, pois claro, afinal de contas também ele faz parte das bolachas extra-saborosas.

 

O reino às avessas: parte II

 

Supremo, está a chegar… juro e prometo que vou sorrir muito, que vou saborear todos os dedos, todos os cálices de bruma.

Supremo, prometo e levo o joelho à terra, recentemente vindimada, para te garantir que todos estes papéis amarrotados, caroços secos e manhãs de provas consideradas não vão acordar mais do que já foi acordado.

Sempre me vesti para um mundo de dentro, amuralhando-o e, apesar da idade e das coisas que deveria saber, não foi tanta a leviandade que agora me devesse prender na quantidade de orgulho desferido, bem pelo contrário, apesar de desgostosa, até que esperava este novelinho desenrolado na primeira volta do carreiro, lá no fundo da minha alma em corpo de mulher de sol e lua em terra, eu sabia que era tudo um recreio, um desafio para encontrar e vencer o minotauro mas eu não me chamo Ariadne e jamais proveria um fio para o miolo de tudo isto que sou.

Colhemos as uvas todas num dia de sol raiado e os santieiros pululavam pela leira dos castanheiros, a cor do vinho que jorrava para o almude não se pode descrever, só a Natureza tem direito a usar tais cores. Eu banho-me na não-cor que é o negro e pincelo-o em dias de violência com o branco dos lírios ou com o vermelho de rosas de sangue, nada mais.

E à quinquagésima inquisição sobre o negro que me veste, nada mais claro há a dizer, senão que brota de dentro, fluindo para o exterior em torrentes que toldariam até a mais alaranjada das cores.


Epílogo


E é assim que os lírios cortados há tão pouco tempo e nascidos ainda há uns dias se vergam com as gotas que:

-ping, ping, ping-

deslizam do firmamento até à raiz, dizem eles, dizem elas e eu escrevo e assim fica escrito.

Estes reinos de onde saio a tremer de frio e devaneada para entrar devagarinho e com a verdade toda para descobrir, em estábulos anexados como fetos malnascidos, afinal de contas sou eu, a do pó.

publicado por Ligeia Noire às 17:52
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