“We are like roses that have never bothered to bloom when we should have bloomed and it is as if the sun has become disgusted with waiting”.

14
Jul 11


Gostava de dizer que és o tudo do meu nada mas chego à conclusão de que o meu nada não te acha o seu tudo.

O que é que poderia ter sido?

Talvez, se acabar com este resto, saiba ou melhor, consiga, transportar-me para "o tudo que poderia ter sido"… e esse "tudo que poderia ter sido", só poderia ter sido, se esta passagem fosse outra e se este tempo fosse, também ele, outro.

Às vezes, sinto que se ficar parada e entrar demasiado dentro de tudo aquilo que sou, a garganta se vai estreitar e o peito comprimir.

Assim, como, naquelas vezes em que me desvairo com a minha respiração e deixo de conseguir engolir e tudo parece convergir-me.

Tenho medo de dar razão à rapariga que eu era, essa rapariga que sabia que sonhar com pingentes de gelo só lhe traria desgraças.

Tenho passado algum tempo com a rudeza ao pescoço porque não consigo escrever, não consigo escrever o que me lacra e aleija mas agora acho que percebi, tenho de deixar fluir, abrir os ventrículos e, por conseguinte, as aurículas cederão e tudo sairá, devagarinho, como o vinho que caía da pipa grande na caneca.

Agora, que já não estou no epicentro do tumulto, que tudo se acamou, esperava abrir o sorriso e poder dormir, voltar… mas tudo em mim caiu tão fundo, assim como se tivesse deixado cair o meu coração a um poço e dele se soltasse, apenas, um baque lamacento.

Agora, que posso descansar e colher flores, desceu em mim tamanha tristeza que... ah Supremo... ela caiu tão pesadamente em mim, como se eu fosse aquele poço fundo, fazendo ricochete em todos estes ossos.

Preciso tanto de ti, preciso tanto de ti.

Provaste-me que não te afastaste mas é que, às vezes, precisava de que estivesses no mesmo chão que eu, para poder enrolar-me no teu colo.

Todos eles, os meus queridos, todos eles, poucos e raros, de quem ultimamente tenho falado, estão comigo, estão mesmo... mas continuo na mesma, regada de melancolia, como se o buraco nunca se fechasse.

Então, encho-me de anseio e vontade deles, com eles mas nunca me é suficiente.

Há sempre fome, uma fome além-túmulo, uma fome que me obceca pela revelação e, quando tudo se enche de sol e olhos turvos, percebo que tal coisa não existe, não para mim.

É-me impossível amar alguém de corpo e alma.

Amar é ter uma arma na têmpora e pensar neles e não em nós, amar é fechar os olhos e deixarmo-nos cair seguros.

Amar deve predicar-se de muitas coisas, coisas que se relacionam com extremos, coisas que só sinto pelos que tu sabes, pelo amor de sangue.

No entanto, estranhamente, tenho uma fascinação e uma idolatria desmedida pelo amor romântico, pelo raro fenómeno de conseguirmos amar alguém fora do círculo de sangue, da mesma forma como amas aqueles que te partilham as feições.

Não creio que isso exista.

Conheço as paixões extremas mas depois... depois tudo cansa, tudo se extingue ou então, talvez, tu que tento refazer com o meu Frankenstein tenhas realmente existido.

Faço força, tento, choro e sofro para fazer-me crer que também sinto mas a mim me engano, é-me tudo estranho, todos são antigénios.

Espero cansar-me depressa, desta tentativa de me provar errada e, espero sonhar contigo Supremo, tenho saudades da antecâmara.

A realidade é que vim a este mundo com a sensação de que quero alguém que aqui não cabe, sofro esta constante inquietude, esta saudade desmedida, esta nostalgia que me rebenta o corpo e que me empola a alma por criatura que se me esconde noutra senda.

Injecto-me com ela e fico prostrada de lágrimas quentes a caírem-me pelo pescoço.

Se o amor existe, esse amor eterno e que não se coaduna com o mundano, então existe solitário em mim, mono, decepado e viúvo porque aqui, nada me encontra que me satisfaça, que me aparelhe, que me restitua o miolo, que levante o véu negro dos olhos vazios.

publicado por Ligeia Noire às 02:01

20
Jun 11


Como se o tempo e o espaço te fossem indiferentes.

Como se as feridas abertas e os olhos molhados não te fizessem parar.

Como se acreditasses sempre enquanto fazes crer ao mundo que tudo são lágrimas.

É ela que te traz preso e é ela que guardas entre o sangue mais quente.

É ela, meu querido amigo, que esperas no teu Inverno.

Foi essa flor, que desabrocha longe dos Homens, a tal, a que procuraste em todas as outras.

A mulher entre as mulheres, a de regaço balsâmico que te limpava o coração e o pensamento do horror do mundo cimentado.

Acha-la rainha e navegas por entre o céu e o inferno para lhe impores coroa e trono.

Mareias num mundo circular mas nunca cessas e corres muito, com os pés desfeitos mas os braços bem abertos, na esperança de que a musa esteja lá e te revele o que lhe envolve o peito. 

Queres-lhe enleios e guardas-lhe o teu sorriso mais precioso, para que lhe acenda os olhos embaçados.

Queres-lhe palavras de amor e exiges que o firmamento se funda e os deuses chorem na presença da pureza que albergais.

Foste cavaleiro, leal guerreiro, trovador de coração agredido, guardando do mundo todos os segredos.

Mas a musa, a musa não voltou, a musa trazia lâminas nas palavras e ,viste-lhe os passos certeiros e de partida trilhados, por entre a neve.

Agora, o lume restringe-se à lareira, enquanto os dias te consomem sem piedade, sem talheres e de boca imensa.

Lá ao fundo, há uma janela por onde os teus olhos caminham, testemunhando a flor que luta por colocar as suas pétalas, brancas, acima do manto gelado.

O milagre da sobrevivência nasce sob a tua alçada e nada dizes, nada sabes porque crescer é saber que nada é o que parece.

 

A ti devotado, ao último dos românticos.


publicado por Ligeia Noire às 21:51
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06
Jun 11


Salvé Rainha, Mãe de misericórdia, vida, doçura e esperança nossa, salvé.

A Vós bradamos, os degredados filhos de Eva, a Vós suspiramos gemendo e chorando neste vale de lágrimas.

Eia, pois, Advogada nossa, esses Vossos olhos, misericordiosos a nós volvei.

E, depois deste desterro nos mostrai Jesus, bendito fruto do Vosso ventre.

Ó clemente, ó piedosa, ó doce Virgem Maria, Rogai por nós Santa Mãe de Deus, para que sejamos dignos das promessas de Cristo.

Ámen.


Não há nada mais gótico (primeira vez que utilizo a palavra neste caderno) do que o Cristianismo.

O filho que veio à Terra prossegue cravado na madeira.

Pregado de mãos e pés.

Rosto baixo e braços que ascendem até nós.

O sagrado, as oferendas, o altar, o sangue de um homem que se deixou martirizar por amor.

A trindade que se consubstancia.

O vinho, o cálice, as vestes majestosas da celebração, as velas, os rosários, o silêncio.

A beleza, que se entregou às mãos de Miguel Ângelo ao conceber a Pietà.

A mulher, mãe e senhora que segura o filho morto nos braços.

O filho morto.

Cristo de S.João da Cruz de Salvador Dalí, o homem crucificado sem rosto, o céu, a unidade, nós lá em baixo,

sozinhos, órfãos.

A Divina Comédia de Dante:

Inferno, Purgatório, Paraíso.

Paraíso, Purgatório, Inferno.

Os caminhos e os entre-caminhos, o limbo, o escuro, por onde ir, aonde chegar, a finalidade és sempre tu.

Bach, Bach, Bach Magnificat!

Ave Maria de Schubert, lembro-me de a ouvir pela primeira vez na igreja, pela voz de uma soprano que cantava em memória de um rapaz que morreu num acidente.

A mãe dele chorava.

A beleza que amansa o trágico e que permite as lágrimas.

O Réquiem de Mozart, como inserir aqui letras que formem palavras que aperfeiçoem… repouso eterno, carne, luz perpétua… piedade, tende piedade de nós, pobres filhos órfãos, pequenos e sozinhos.

O Paraíso Perdido de John Milton, Lúcifer filho, Cristo filho, nós pobres filhos órfãos, redenção na queda.

Estrela-da-manhã que te rebelaste e caíste, caíste tanto que estás agora aqui, a equilibrar o mundo que pisamos até ao dia último.

E os Nefilins, os cavaleiros dos céus, dos caídos, filhos de anjos que amaram as filhas dos homens, será que se soubesse falar enoquiano me ouviriam?

E a casa dos mortos?

De anjos de pedra feita, de flores mortas decorada, de círios e cruzes e noite e silêncio e choro e dor e partida e descanso final e esperança última para aqueles que sabem esperar.

A Virgem, a Dama branca, Maria, filha dos montes e das águas, pagã, a mãe de todos, o regaço, a mulher que segura o filho morto nos braços.

E tu?

Quem és tu que moldaram e induziram em catecismos a seu bel-prazer?

O verbo consubstanciado carne, o amor incondicional, a liberdade, a mesa onde partiste o pão e seguraste o cálice, a premissa de amor eterno.

Tu, que empregamos como limite para lermos o tempo

Tu, que ensinaste os Homens a lavar pés cansados.

Tu, que escreveste no chão, tu que chamaste as crianças, tu que calaste as pedras e fizeste falar a prostituta. Tu, que te deixaste beijar pelo filho errante, tu que pregaram à madeira, tu que sangraste.

Tu, filho, que soubeste o que é ter sangue nas veias, ossos que doem e lágrimas que corroem como ratazanas.

Tu, que bradaste aos céus:

Pai, pai por que me abandonaste?

Tu que principiaste a aliança e que foste embora para nunca mais voltar…

Tu, que vieste não sei de onde e que os Homens educaram, disfarçaram, destruíram e reconstruíram sob outros nomes, noutros ritos.

Tu, que desenhámos à nossa semelhança.

Tu, que és nós.

Tive um amigo, esse amigo é catequista, ele gosta de ensinar crianças e gosta de ser educado.

A minha irmã vai fazer o Crisma… São leis dos homens, existes? Gostas delas?

A minha mãe foi catequista, o meu pai era membro do grupo coral.

Não vamos à missa muitas vezes mas, quando vamos, ouço-os entoar os cânticos como se tivessem vinte anos, cânticos embelezados com o som do piano levezinho.

O padre que me baptizou e me ensinou continua lá, as crianças continuam a achar aborrecido, há pessoas que continuam a olhar para as roupas do vizinho e, as eternas senhoras de longos anos sempre de negro, já não têm medo da morte, pelo menos dizem-no assim, mas quando olhamos com cuidado, para os seus olhos de muitos anos, vemos que não querem ir, querem abraçar os netos mais um bocado e ouvir o que nunca ouviram dos filhos.

E é assim que prosseguimos, pé ante pé, acordamos, lavamos o rosto, mochila às costas, ou enxada na mão.

Professor que ensina, ou saco de cimento que pesa.

Homem que trespassa as costelas de outro, ou mulher que colhe flores.

Fogo que consome arvoredos ou chuva que dizima gentes.

É assim que prosseguimos, daqui, para ali e dali para um outro qualquer sítio, sem memórias do mundo a que pertencemos primeiro, sem conhecimento daquilo que está para lá do mármore frio ou do lume que crema.

Dizem coisas todos os dias, dizem coisas todos os dias.

Nada que importe, nada que faça chuva.

Assim é.


publicado por Ligeia Noire às 23:20
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13
Jan 11


Chego e sento-me e olho quieta para o céu nocturno da cidade que me acolhe.

Na minha terra os únicos pássaros que interpelam a noite são as corujas e os mochos e, claro, os morcegos mas essas são criaturas de outros passeios.

Aqui, desde ontem que oiço chilreios constantes à hora das bruxas, como se dialogassem com a noite.

Estarão presos por certo, não os imagino em árvores.

O que mais sinto falta neste quarto anti-séptico, nesta terra de ruelas, é a solidão deliberada, a dança a horas da vontade, deambular e restar-me em sítio incerto e calmo.

Enquanto aqui sigo sentada, ao som do chilreio nocturno de pássaro que desconheço, percebo-me calma, aquietada mas também triste, não triste por mim, hoje não, mas triste por saber-me certa da minha solidão de entendimento.

Não me atingem e eu canso-me.

Sei que sabes que já falei disto mas acabo sempre por pisar no charco, não é?

Curioso, o ser humano, sempre à espera que da próxima vez seja diferente, sempre a esperança, a luz ao fundo do túnel que como diz o Valo a maior parte das vezes, senão todas, é apenas um comboio em andamento.

E move-se rápido e atinge-nos e nunca morremos, nem saímos do percurso porque a viagem é circular e não há esquinas para nos escondermos, ou caminhos alternativos.

E no meio de toda esta conclusão que me atinge sempre, tenho momentos, ou tive momentos em que pensei que nem tu, espírito distante, escapavas, pensei já não te conhecer e, perdoa-me dizê-lo, mas até não te gostar, não te conseguia escrever, as palavras não existiam e tudo o que me saia dos dedos não ladeava o coração.

É muito tempo sabes, é muita água, muitas rosas esfaceladas e nuas além-caminho.

Muito tempo, muito tempo mas questionar é natural e por certo continuo a amar-te.

De ti falei e de ti haverei de falar em palavras escritas mas precisas esperar porque tu és e eu preciso de muito tempo para agarrar palavras para ti.

E tu,flor-estranha-da-selva, por ti tudo é mais fácil porque o que te sinto é feito de carne e abraços.

A ela, jamais a perderei porque é minha, já tu, nunca serás meu.

E eu preciso colher as flores e levá-las para a minha câmara para as contemplar a noite inteira.

Tu tens sido demasiado constante, tu que deveria detestar calmamente, adoças em demasia e fazes-me ansiar demasiado, tu assustas-me tanto.

E ainda faltas tu, minha mourning child, disseram-me que pareces doente, que o teu rosto está sereno e triste e pálido, muito pálido, que os teus braços e pernas estão finos, o teu cabelo escuro e pousado nos ombros, está tão quieto como tu, o teu colo e o teu peito estão sós e o teu corpo está delgado.

Eles não entendem, eles não te sabem abraçar e eu sei mas não posso.

Gostava de ter esse teu corpo frágil no meu colo e fazer-te chorar noites inteiras para que finalmente pudesses prosseguir a vida.

Não te quero entender a dor, particularmente essa, que jamais te vai abandonar, receio, mas tudo o que fizeres, eu não questionarei, o amor de sangue é extremo e eu não questiono.

Mas permite-me que refira o quão bela me pareceste, o quão formosa a quietude te poisou no rosto, apenas as lágrimas perturbavam a brancura dos teus traços, jamais te havia vislumbrado tão bela e, apesar de terem sido olhos alheios a dizerem-me da tua curta visita, pressinto que continuas bela porque continuas triste.

Perdoa-me se te soo incorrecta e assaz íngreme mas não existem desvios ou imprecisões nestas palavras.

Recordo o momento em que me abraçaste com olhos de ribeira… o mundo ruiu cá dentro por saber-me sem curas para o teu pesar, para o corte abrupto e imperecível com que o teu coração foi afrontado.

Quando de ti me falaram, eu sabia que tinha de voltar a desenhar-te, a acabar-te o devaneio em que no passado Verão te enleei.

Sei que não lês isto e fico contente, pois acredito que este mundo começa à noite e para lá dos nossos olhos, onde as almas deambulam e se cruzam e dançam e nada mais importa.

Gostava de deitar-me em mantos de veludo carmesim e deixar a Clair de lune embrulhar-me e colocar-vos jarras, imensas de flores.

Das minhas mãos só podem sair carícias, dos meus braços laços ininterruptos e do meu peito, do meu peito e no meu peito mantenho tudo guardado nada sai.


publicado por Ligeia Noire às 04:04
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21
Set 10


A certeza das horas indistintas.

Tu não és uma pessoa, tu não existes.

Tu és feito de bocadinhos que coleccionei ao longo da vida.

Enlaças o Inferno e o Paraíso nos mesmos olhos.

És o Caído que não procriou com as filhas dos Homens.

Vives no Inverno e trazes a eterna rosa no peito.

És flor-da-lua que espera noite cheia.

Certeza de horas indistintas, aquelas em que existe beleza e quietude.

És travessia completa do desejo de atravessar.


publicado por Ligeia Noire às 00:30
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12
Out 07

 


29/09/2007

publicado por Ligeia Noire às 15:25
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