“We are like roses that have never bothered to bloom when we should have bloomed and it is as if the sun has become disgusted with waiting”.

11
Mai 12

 

Também é preciso deixar que aconteça, é preciso largarmos as cordas, é preciso deixarmo-nos cair.

Apaixono-me todos os dias por aquilo que amo.

É uma delícia sabermo-nos dentro do círculo mágico.

Vivo dentro de coisas feias mas tenho-as, de pérolas, revestidas.

Um dia, vi um caído e nunca escrevi sobre isso.

Se me perguntares como se afigurava, eu não te saberei esclarecer porque estando viva, morri, e depois de morta acordei sonhando.

Por poder vê-lo, dormi a noite numa cidade estranha, em cima de um banco prateado.

Eles, eles que já não escrevem e nem sei se vivem, eles que eram os últimos, abriram-me os portões para que o visse e para que, de lá, jamais saísse.

E como poderia eu querer sair do sítio onde os meus olhos desconhecem a domino?

Continuo a achar que o Homem de sorriso de sardão foi um órfão, criado por um monge lá longe e ela, a Senhora de Negro.

E, levei o meu tempo a bebê-los e, levei as minhas mãos a enlaçarem as deles e, devagarinho, enquanto não me sentia segura, fui-lhes piscando os olhos, depois…. Depois era eu e eu, fui eu e eu e descobri portas e portinholas em carreiros desconsertados, pelos portões de ferro cingidos.

E, num "era uma vez", houve uma vez cheia de sorte, cheia de acasos e, bafejada pelo Senhor da luz completa que me levou à cidade estranha, onde o caído nasceu do nevoeiro e onde fui a Laura pela primeira vez.

 

Come in from the cold

I'll owe you my heart

Be my shelter… be my refuge for the night

Love of my life

Pour your light

On the faith I can feel

Make it real

In her sleep

 

E sim, tu deste-me a tua espécie de céu.

 

publicado por Ligeia Noire às 01:43

18
Abr 12


Não sei, foi tão estranho, aliás, está a ser tão estranho…

Ainda não sei explicar o que é.

A expressão, o rosto… é como se já nos tivéssemos conhecido, é como se ao olhar para ele se me extinguisse a raiva.

Como se já o conhecesse?

Não, não é isso… não sei, sei que reconheci alguma coisa.

Sei que algo em mim se coadunou com algo dele.

Se eu fosse um leucócito, mesmo nunca me tendo cruzado com ele por vasos ou capilares, jamais o trataria como um antigénio.

É como se nele, a presença do divino fosse menos distorcida.

A primeira vez não foi assim, estava escuro e eu estava com fomes vorazes de violência, o agora, o instante... era apenas para isso que me conduzia.

Não o vi bem, não me demorei no mundo dele, precipitada e erradamente, achei que se tratavam de coisas verdes e paz e harmonia e outras tolices.

Como fui infantil e cheia de mim.

Ele é tão sereno, tão demorado, mais subtil e delicado que a mais bela das mulheres.

Os olhos de longas pestanas, a forma e a expressão nele e dele são indissociáveis.

É como se ao olhá-lo, de repente, tudo fosse calma e mar à chuva.

Que bonito.

Que bonito, sim.


publicado por Ligeia Noire às 14:25
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06
Fev 12


Eu que ia ver o Twin Peaks, eu que... enfim, dei por mim a pensar nisto.

Há alguns anos apaixonei-me por Evanescence e, depois, descobri que eles não eram tão originais e talentosos quanto pensava, desiludi-me e mais tarde tive vergonha de gostar deles.

Às vezes, as coisas valem pelo que nos fazem sentir e não por aquilo que realmente são.

Não tinha internet, ouvia rádio e, um dia, vi o videoclip da Bring me to Life na televisão pública e fiquei fascinada.

Ela era tão bonita, a pele tão branca os cabelos tão densos e compridos e criava música com o melhor amigo desde miúda, a amizade sempre me fez parar, não é?

A típica dupla de adolescentes menosprezados do liceu que não cabia na caixinha e que vive o conto de fadas uns anos depois.

Sabia e, ainda devo saber, as letras dos primeiros álbuns de cor.

Não havia grande coisa a que uma rapariga da aldeia se pudesse agarrar, não tinha amigos que gostassem das mesmas coisas, não andava na escola e aquilo conduziu-me a um mundo de almofadas em que me adorava recostar.

Os anos foram passando e como em todas as paixões, há sempre uma parte que trai a outra.

O amigo da menina de cabelos negros foi embora e, seguiram-se-lhe os seus comparsas, reparei que a voz dela ao vivo não era grande coisa e que não passavam do tal produto polido, bem masterizado e oleado por uma multinacional, que subiu dez caleiras de uma só vez e ficou lá em cima, recostadinho.

Mas, como a senhora de negro um dia disse: não importa de onde vens mas para onde vais.

Desde então ganhei asco a bandas com vocalista feminina e descobri que há senhoras que elevam a fasquia até ao paraíso, que há senhores de negro que fazem música negra para valer, sem maquinarias industriais a limarem-lhes as arestas até ao tutano, apenas porque é assim que o coração lhes canta, à janela em noite de lua cheia.

Senhores, que mesmo vestidos de amarelo continuam vestidos de negro e te levam ao inferno.

Descobri que as almofadas se haviam multiplicado e tornado mais escuras.

Os Evanescence não eram, nem são nada de transcendental mas abriram tantas portas, para mim e para todas as bandas que jogavam no mesmo relvado.

É certo que, levaram a um público habituado a comida de consumo rápido, a vontade de espreitar para coisas mais negras mas as modas, não passam disso, de modas.

A vergonha deu lugar a indiferença e deixei-os numa gaveta, perdi-lhes o rasto.

No entanto, aprendi uma grande lição, quando as pessoas falam entre si empoleiradas em caleiras consoante a imagem que o espelho lhes devolve, podemos envolvê-las em renda bem bonita e sorrir, enquanto lhes virámos as costas porque por mais que se envolvam nela, o coração há-de sempre cheirar a podre.

Voltando ao assunto, o novo álbum (que por acaso ouvi) a bem dizer é uma bela merda.

Todavia, continuo a gostar de muitas das músicas que fizeram, continuo a gostar do conceito e da estória da menina triste e do menino que compunha para ela... e que belo nome para uma banda, hã?

 

I still remember the world

From the eyes of a child
Slowly those feelings
Were clouded by what I know now

 

Excerto do tema Fields of Innocence dos Evanescence/Excerpt from Evanescence's song Fields of Innocence

publicado por Ligeia Noire às 02:16
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25
Jan 12

 

"(…) Esta teoria considera que as divisões em classes e grupos sociais, e as configurações ideológicas e materiais sobre as quais elas se apoiam, são transmitidas e reproduzidas através da violência simbólica. Ou seja, quando o poder detido por uma classe social é utilizado para impor uma definição do mundo, para definir significados e apresentá-los como legítimos, dissimulando o poder que essa classe tem para o fazer e escondendo, além disso, que essa interpretação da realidade coincide com os seus próprios interesses de classe. Assim, esta violência simbólica «reforça com o seu próprio poder as relações de poder nas quais ela se apoia, e contribui dessa forma, como sublinha Weber, para a "domesticação do dominado"» (Bourdieu, P., 1977, p. 115).

A cultura encontra-se, portanto, dominada pelos interesses de classe. Esta violência simbólica vai exercer-se muito directamente através da acção pedagógica. De facto, P. Bourdieu e J. C. Passeron declaram de forma explícita que «toda a acção pedagógica é objectivamente uma violência simbólica enquanto imposição, por um arbitrário, de uma arbitrariedade cultural» (Bourdieu, P., e Passeron, J. C., 1977, P. 45).

Dentro da concepção de acção pedagógica entram todas as tentativas de instrução, quer as que são levadas a cabo pela própria família e por outros membros ou grupos da sociedade que não têm uma intenção expressa de educar, quer, a que se desenvolve no quadro da educação escolar. Esta acção é rotulada como violenta, visto que se exerce uma relação de comunicação em que as inter-relações são do tipo desigual; existe uma classe ou grupo social que tem maior poder e que o utiliza para realizar uma selecção arbitrária de cultura e impô-la aos mais desfavorecidos. É importante realçar que se trata de uma selecção arbitrária que vai precisar de recorrer a uma maior ou menor coacção, uma vez que os significados que impõem não correspondem a princípios universais ou a leis físicas ou biológicas.

 Dado que estamos perante uma situação definida como a de imposição, é preciso, por isso mesmo, tratar de a dissimular. Entre as estratégias válidas para levar a cabo o trabalho de ocultação está a de deitar a mão ao conceito de «autoridade». Se a acção pedagógica quiser ter êxito na distribuição do capital cultural terá de recorrer à autoridade pedagógica. O reconhecimento da legitimidade do inculcar vai condicionar a recepção da informação nos seus destinatários, a possibilidade de transformar essa informação em formação.

 Em virtude desta autoridade pedagógica, qualquer agente ou instituição pedagógica, surge automaticamente como digno de transmitir aquilo que transmite e, portanto, fica autorizado a impor a sua recepção e a controlar o seu inculcar mediante um sistema de recompensas e sanções que goza da aprovação dessa colectividade. Mas é também preciso não esquecer em momento algum que esta autoridade pedagógica é fruto de uma delegação de autoridade; dispõe desta na qualidade de mandatária das classes ou grupos sociais cuja arbitrariedade cultural impõe.

 É desta forma que se legitima a cultura dominante e que os dominados interiorizam, lhe conferem reconhecimento e que, simultaneamente, aprendem a não conferir valor a outras formas culturais diferentes ou incompatíveis com a «legítima». Os próprios sectores sociais cuja cultura é marginalizada ou desprezada convertem-se em aliados dos seus inimigos. Tudo aquilo que não se identificar com a arbitrariedade cultural que a acção pedagógica impõe fica automaticamente excluído, vê negada a sua existência."


In Santomé, Jurjo (1995). O curriculum Oculto. Porto: Porto Editora.

publicado por Ligeia Noire às 20:20
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17
Jan 12


Não é que me doa a cabeça mas ando a atulhá-la sem responsabilidade e não lhe dou tempo para que arrume tudo em gavetas.

Sinto-me um pouco fraca e muito… muito cansada, cá dentro.

Hoje o medo abateu-se sobre mim, como uma ave de rapina, pensei que se devesse às coisas que luzem ao sol mas continuei com ele agarrado à tiróide, como catarro.

O quarto está frio e os pulsos estão porosos, deitei-me um bocado para esvaziar as entranhas e devo ter dormido uma hora pequena, sonhei com coisas escuras e pessoas efémeras.

Acordei com os salmos dos Les Joyaux de la Princesse mancomunados com os Death in June, que à semelhança dum remoinho, volteavam e volteavam, abrindo uma porta na noite escura.

E preciso de escrever.

Há uns tempos, a senhora de negro disse que ao longo da sua vida encontrou alguns raros com quem nunca trocou uma palavra mas com quem sentia um entendimento mútuo, apenas pelos curtos cruzamentos de olhares.

Olhares de entendimento.

Quando li isto, há alguns anos, não compreendi como alguém podia passar anos a ver uma pessoa, com a qual sente empatia, e não falar com ela, porquê?

Hoje compreendi e, curiosamente, sinto uma satisfação mansinha.

Isto foi-se sucedendo sem que me desse conta e quando me apercebi, sorri.

É espirituoso, não é verdade?

Refunda à não existência de acasos.

Há uma senhora, na minha escola, um pouco mais velha do que eu e uma rapariga, onde vivo, um pouco mais nova.

Ambas exercem o seu fascínio sobre mim.

Vejo-as, ocasionalmente, desde que entrei neste circuito.

São ambas muito bonitas, discretas e reservadas.

A mais velha tem os cabelos compridos ondulados e a mais nova tem os cabelos curtos e vastos.

Lindos, lindos cabelos de carvão.

A dama emana uma calma, equilíbrio e temperanças que me atravessam de um lado ao outro.

No entanto, tal como as sirenas dos gregos e as águas dos lagos, que placidamente aguardam pela lua, haverá, pela certa, mistérios que são só dela.

A donzela é o exemplo de moça que cresceu antes do tempo, ri sem esboçar sorriso, gentil, delicada, espirituosa e que bela e graciosa atravessa a rua.

Mulheres tão detalhadas, delicadas como diamante.

Cruzei-me com as duas hoje.

Dei conta das vestes longas da senhora a abandonarem um corredor e deparei-me com a figura de alabastro da donzela a espelhar conversas no átrio.

Cruzámo-nos nos olhos várias vezes, o entendimento atravessa-me e falámos sem falar.

Já me disseram muitas coisas e eu gosto muito disto, gosto muito de observar e gosto, mais ainda, de ter momentos de entendimento e compreensão sem dizer uma única palavra, como se tivesse subido uma caleira e pudesse espreitar por cima das nuvens ou, descido duas, e fosse visitar a barriga da Terra.

E, ao contrário do que achei no passado ao ler o texto da senhora de negro, jamais lhes quero falar, não preciso e alagaria tudo.

Que rudimentares me parecem estas palavras para descrever tais singularidades.

É tão engraçado quando nos apercebemos de que temos almas que nos brotam dos olhos.

Almas que já viveram e vivem outros mundos.

publicado por Ligeia Noire às 21:10

14
Dez 11


Há coisas, claro que há coisas.

Tenho de alterar o pódio das minhas etiquetas.

O melhor pedaço para a construção do meu Frankenstein, desapareceu no nevoeiro nocturno.

De quando em vez, deparo-me com um noviço, ruivamente belo, mas falta-lhe a fundura dos olhos.

Segunda-feira, manhã de nevoeiro em que me apercebi de que não deveria estar aqui.

Eriçou-se-me o pêlo como a um gato.

Talvez seja essa a resposta para a queda sempre menina.

Descobri a linha vermelha.

Eu deveria ter caído há dezoito anos.

"Se a tivesse trazido um dia mais tarde, ela teria morrido".

Prosseguirei, sim, mais tarde, quando tiver decifrado o que me cifraste.

publicado por Ligeia Noire às 00:14

14
Out 11


Esse negro corcel, cujas passadas 

 

Escuto em sonhos, quando a sombra desce. 
E, passando a galope, me aparece 
Da noite nas fantásticas estradas. 

Donde vem ele? Que regiões sagradas 
E terríveis cruzou, que assim parece 
Tenebroso e sublime, e lhe estremece 
Não sei que horror nas crinas agitadas? 

Um cavaleiro de expressão potente, 
Formidável, mas plácido, no porte. 
Vestido de armadura reluzente, 

Cavalga a fera estranha sem temor. 
E o corcel negro diz: "Eu sou a morte!" 
Responde o cavaleiro: "Eu sou o Amor!" 

 

Antero de Quental, in Sonetos

   

Post ScriptumHoje declamaram-me o poema acima. Uma voz que veio das terras brancas. A noite fazia-se de veludo e estava meigamente escura. Tenho medo porque, mais uma vez, não me parece que tenha chegado a casa. E, também, porque nunca havia sido alvo de tal feito, nunca me havia sido declamado nada, minto já me leram Kafka mas bem, não era i um poema.

Tenho medo porque o risco deve ser praticado longe do conhecimento e em local ambíguo.

De onde veio ele e porque me encontrou, se eu não sou a casa pela qual ele anseia?

publicado por Ligeia Noire às 01:14
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05
Out 11


Bem, não me apetece muito divagar sobre a razão pela qual me deu para falar disto mas, há uns meses, talvez, anos mesmo, estava a ouvir um programa na rádio ou seria um documentário na dois?

Bem, não me lembro mas o certo é que hoje, por causa de certos e determinados assuntos, isto voltou e quis ser ruminado.

Nesse documentário, ou o raio, falavam de um livro que cheguei a apontar mas que ainda não comprei porque é muito caro, chamado Modernidade e Holocausto de Zygmunt Bauman.

Bem, como sou displicente ficou aqui durante meses e, como tudo o que me dou ao trabalho de apontar é porque é realmente importante, o caso voltou a bater-me à porta.

Desde os 14 anos que um dos meus assuntos preferidos é a Segunda Guerra Mundial, por diversos motivos mas antes de todos (e ao contrário do que a minha professora disse há dias, não acho que a nossa racionalidade/razão/ ou ocaralho a sete, tenha adormecido ou então andaríamos em coma profundo há alguns anos) pela simples razão de achar o ser humano naturalmente inclinado para o mal, tendo vindo a domesticar-se e domesticar-se, até ser assim, um coelhito branco.

E, olha-me que exemplo perfeito: o massacre de judeus e outras minorias como se fossem não-conformes numa qualquer bancada fabril.

E era natural para a sociedade vê-los assim, era a forma correcta de existir, assim como era natural uns séculos antes pensar-se que os negros não tinham alma.

As verdades são tão ténues não são?

O que era certo ontem, é agora hediondo, o que hoje é hediondo talvez amanhã volte a ser certo.

Seria fácil pensar que foi um momento de demência ou de adormecimento da razão, fácil porque se quer esquecer, se quer racionalizar à luz daquilo que a sociedade criou como o perfil de um Homem assertivo, uma sociedade esclarecida e de white picket fences munida.

E também seria giro dizer que aprendemos com os eventos do passado, assim numa toada de "não volta a acontecer, somos civilizados e temos tablets"

Era giro, mas não.

Até podemos deixar de comer animais, podemos viajar, enriquecermo-nos com outras culturas, apanhar a vacina anual da gripe, constituir uma rica família e até inventar mil e uma terapias psiquiátricas mas não deixaremos de ser violentos, agressivos, individualistas e de devorar o nosso próximo na fome porque somos assim, simples.

Por mais gravatas, diplomas e águas bentas que se nos conheçam.

Todinhos assim, e enquanto não o aceitarmos, enquanto pensarmos que, o problemazinho é apenas de alguns ou que é um defeito de fabrico, a cena piora, ah pois piora, é como epilepsia não medicada.

E poderia aqui introduzir o grande Michael Haneke mas está muito calor e não consigo concentrar-me em muitos assuntos de uma vez só.

Mas, prosseguindo, o primeiro livro que li na vida, a sério, foi o Diário de Anne Frank depois dele soube que gostava de ler.

Seguidamente, juntaram-se-lhe as aulas de História e as palavras novas que aprendi como: hegemonia, bélico, escapismo, dadaísmo, surrealismo e pufff.

Chegava a casa e, como não tinha livros, a não ser os escolares, era nesses que eu tentava abrir portas, janelas e alçapões.

E então tudo fazia sentido e a minha curiosidade por todo esse admirável mundo novo, aumentava e aumentava.

Se calhar foi por isso que quis ser nutricionista, pensava que a minha fascinação era somente pelo corpo humano mas acho que ela se estende ao lado de dentro, ao que ele provoca e cria.

O livro do meu irmão mais velho tratava do assunto mais detalhadamente do que o meu, (acho que vão alterando aquilo que querem que saibamos ao longo dos anos e nem damos por isso, vai tudo ficando cada vez mais vago, como num sonho cheio de nevoeiro e quando damos por ela… zás já estamos a repetir tudo outra vez.assim como das correntes artísticas… o Santa-Rita, da Guerra Civil espanhola, etc., etc., etc., tudo consequências, tudo escapismos, teoria do caos.

Bem, nesse livro havia uma imagem que ainda hoje recordo com clareza e que mais tarde vim a reconhecer num disco dos Christian Death, um forno crematório em que, do meio das cinzas, pendia um braço ossudo e comprido.

A princípio e como pessoa normal que sou, seja lá o que isso for, fiquei chocada mas, depois, percebi que a imagem me havia mesmerizado.

O fascínio pela humanidade, pelo cérebro humano, a complexidade labiríntica e a fatalidade da repetição.

E, como gente sã, sabemos perfeitamente que não há uma pessoa responsável, assim como não somos todos lineares e bonzinhos.

Vem daí o documentário onde se disse que, enquanto se continuar a pensar que o problema do holocausto foi local e não global, estamos malzitos… malzitos.

O problema de se pensar que "ah e tal aquilo aconteceu lá, naquele tempo, por causa daquele indivíduo, faz-se um tratado, condena-se x e y por crimes de guerra, fazemos uma homenagem à cena todos os anos e 'tá-se bem".

Era porreiro hã?

Pois era, mas já perdi a conta a líderes que massacram os seus povos ou que os deixam morrer à fome.

Assim como, a meros civis que "adormecidos momentaneamente" ou padecendo de doenças criadas à pressão e que, nós cidadãos pagantes de impostos estamos livres, matam ou torturam, ou vendem ou escravizam outros iguais a si.

Lembro-me assim de repente do cházinho de Jonestown.

É que isto, não são só guerras, não.

Se fossem, contar-se-iam pelos deditos mas, como disse acima, o problema não é local, é global.

O próximo pensamento a que tenho medo de chegar é o de que... e se não for um problema?

E se for natural e se tiver de ser assim e se for a condição natural do mundo?

Como podemos nós saber, se nos ensinaram que a regra é praticar o bem e que o mal é a puta cá do sítio?

Todavia, uma coisa é certa, o bem pode ser o intelectual laureado mas precisa de que o mal exista para poder subir ao trono.

Se calhar, e como tão bem o Edgar Allan Poe escreveu, somos meros títeres sujeitos aos quatro elementos e que andam daqui para ali, observados pelos celestes.

O ser humano não gosta do que não conhece, não gosta porque não pode controlar, sente-se impotente, fraco e procura sempre terreno sólido e seco para calcar.

Como os leprosos que se punham num barquito e se mandavam para longe da vista.

Como o filho de fulano, que é heroinómano, mas é ele e enquanto for ele, só temos é de mudar de passeio.

A espectacularidade de podermos ver e identificar, podermos construir um muro e afastarmo-nos do contágio deixa-me fascinada!

Achamos que jamais poderia acontecer o holocausto nos dias de hoje, negamos peremptoriamente mas porquê?

Julgamo-nos mais inteligentes, modernos, pacíficos, calejados?

E o mundo dos anos trinta e seguintes era o quê?

Cego, atrasado, violento?

Parece-me que a natureza humana persiste a mesma, sempre às voltinhas para morder a própria cauda.

E como podemos nós, ter adormecido só naquele tempo, se massacres se sucedem diante dos nossos olhos fechados, antes e depois da Segunda Guerra?

Arménia, Ruanda, Chechénia, e tantos que não sei e outros que não importam porque:

 

The death of one is a tragedy, the death of a million is just a statistic.

 

Diríamos, portanto, que o ser humano é naturalmente mau?

Não será bom nem mau, aliás, nem sei o que é que essas palavras significam.

Sei que o bem depende tanto do mal, quanto o mal depende do bem.

Somos todos capazes, tanto de fechar os olhos como de os abrir.

Será que quem mata alguém pode ser recuperado para a sociedade?

Só o facto de considerarmos que se "pode recuperar" já a estamos a reduzir a um acto, a um não-conforme, será mesmo um entre muitos?

Ou, será antes o facto, de que esses muitos também podem ser esse um?

E aí reside o medo.

Contra mim falo, recuperar alguém que comete um crime é giro de se dizer, se não tiver sido connosco porque se for... perseguir, matar, reduzir a pó o filho da puta... é o que faria.

É assim e, é por me conhecer assim, que não sei o que é o bem e o mal, é por isso que não excluo um ou outro porque me parece, que no mundo do impalpável não existem gavetas, linearidades, ou fronteiras, tudo se mescla, tudo se imiscui.

Na escola, aprendi que as tropas de D. Afonso Henriques derrotaram os mouros mas derrotaram como?

Eles acenavam com lencitos brancos?

Matavam, degolavam, chacinavam, assim como os cruzados, os povos bárbaros mas ah e tal, lá pelo século dezoito descobrimos a luz e achámos que se podia separar a cena, como o antes e depois dos programas de televisão.

Como se o que vai acontecendo ao longo dos séculos tivesse origem somente no meio e não na natureza e na vontade humana.

Queremos, mimalhamente, esquecer e sentirmo-nos aliviados, nada contra, sou praticante dessa religião.

Não ambiciono, nem quero mudar nada preciso, apenas, de pensar as coisas, preciso de questioná-las e escrevê-las.

Incomoda-me senti-las na minha cabeça, misturadas e alagadas, a fazer doer e não as escrever.

Colocá-las ordeiramente para que as perceba.

Mas, e o que é que é o "mal"?

É não agirmos de acordo com a moral?

Com as leis que advêm da vivencia em sociedade?

Mas e se a minha natureza não se coadunar com a moral e as leis estabelecidas?

 

Post Scriptum: Não. Era na rádio sim, na antena dois.

publicado por Ligeia Noire às 23:24

03
Out 11


Enganei-me, enganei-me foda-se!

Decididamente padeço de paranóia esquizoide.

Nem sei se fique contente, quando entrou eu parecia não estar lá.

Bela lição me ensinaste hoje, acho que desta vez aprendi.


publicado por Ligeia Noire às 23:44
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10
Set 11


Poderia iniciar o devaneio dizendo que detesto Setembro mas, na realidade, detesto é ter de acordar.

Hoje apercebi-me de que poderia brincar se quisesse.

Hoje apercebi-me de que talvez tenha cometido o erro de não aprender a nadar, de não querer nadar, de preferir o firme ao movediço.

Ainda tenho a garganta com o sabor do rosé e o cabelo com o perfume violento do tabaco.

O coração ficou aconchegado naquela mesa com aquelas pessoas que desconhecia e que não faziam perguntas, o coração tinha sabor a noite desmaiada.

Foi bom saber que poderia brincar.

Eu, que me julgo a maior das cativas, sempre tive o mundo escancarado.

Acho que é uma derrota saber disso agora, acho que é uma derrota saber que sabia.

Saber, sabia, sei, saberei, acordei, vou, estou… foda-se!

Porque o que sempre importou foi escapar, dormir.

Manter tudo a uma distância segura ou então criar à minha feição, tornar intangível e incerto… fazer-me boneca e brincar e abrir o leque e fechar os olhos e dançar e sorrir e depois cansar-me.

O mundo escancarado que a filha negra me esconde.

Mas teve de se estagnar por ali, não eram os olhos daquele que me davam prazer mas a dança do que não se pode tocar, a liberdade, o mundo escancarado ali, à minha mercê, como sempre esteve.

E, nesta noite pequena, bonita, com cheiro a lenha cortada à lâmina, a cortina funérea caiu-me de súbito no coração…

serei engolida por mim.

É isso.

E dentro daqueles risos e ambiente pesado e olhares fortuitos estava tudo contido: o que desconhecia, aqueles com quem nunca me apaziguei, aqueles que me apertavam laços que eu desatava quando chegava a casa.

Nunca conseguirei andar a quatro pés.

Estavam todos nos olhos dele.

Foi tudo tão simples, como se tempo nenhum se tivesse passado, como se voltasse a ser imponderada.

Eu sei que é o medo que me ronda as pálpebras e não as deixa fechar.

Não quero, sabes, não quero mesmo.

Sei, somente, que estou bem com a queda.

publicado por Ligeia Noire às 03:04
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