“We are like roses that have never bothered to bloom when we should have bloomed and it is as if the sun has become disgusted with waiting”.

04
Jan 12


Deveria estar a dormir porque me pesam os olhos e porque estou hedionda mas tem sido complicado.

Quem mais pode fechar o círculo senão eu?

Esperei que a flor-selvagem se importasse, que fosse mais do que aquilo que realmente é.

Já nem posso falar da linha vermelha, mal a vejo de onde estou.

Abri as crostas e esperei que o sol chegasse e nem assim foi possível, pois, pois, se calhar.

Fiz a minha parte, fiz a minha parte, pois sim.

Continuo na cena de considerar que gosto daquilo que és dentro da minha cabeça.

Acho que isso me conforta.

E se gostar daquilo que és fora dela?

Eu, que agora te abomino?

Eu, que sempre te bem-quis.

Ai Supremo, deixa que o rapaz, ruivamente belo, volte para mitigar a selvajaria desta flor.

Preciso que ele não largue semente.

Quando há assuntos maiores, o melhor que podemos fazer é pegar-lhes pelas orelhas e falar de unhas que crescem.

publicado por Ligeia Noire às 01:11

13
Nov 11

 

I

 

Sabes o que sucedeu às filhas dos Homens que foram adentradas pelos Caídos?

Flor-selvagem, alcunha delicada que por mim te foi imposta, ah que infantil me saí.

Se pudesse esconder-me de ti, para não teres de te esconder de mim, fá-lo-ia de bom grado.

És mortal afinal, apenas e só um mortal que judia os céus mas que inveja as mãos quentes dos querubins.

Serviste apenas de inspiração, foi o que nunca te disse e que tu jamais foste capaz de perceber.

Serias completamente incapaz de me conter, não chegaste sequer perto do espelho onde miro os olhos.

Nunca cravaste as unhas nas conchas das minhas mãos e duraste o tempo que quis.

Se tive os olhos fechados, lê bem meu anjo, foi porque a anestesia se propalava nos capilares.

Seria tua serva, se tivesses o poder de me laçar os cabelos e silenciar os ruídos da minha filha negra.

Seria, pois, tua vítima meu amor, a teu bel-prazer.

Juro, que até conseguiste com que durasse um bocadinho.

Todo este tempo em que acreditei na possibilidade foi, como sempre, porque sua excelência estava suficientemente incógnita e distante para que eu pudesse criá-la à minha mercê.

Cheio de rendilhados e beijos labirínticos, gostei.

Mas a maçã vermelha caiu sem que a visse, e calquei a dita em cheio.

Tais foram os barulhos que a pobre derramava, que tive de baixar o rosto para com larvas guinchantes, de abdómens rompidos e de corpos agonizantes me confrontar.

A algibeira consultei e lá tive de macular o meu mais belo lenço branco, na árdua tarefa de limpar os sapatinhos.

Agora, que prossigo no caminho, reparo na proximidade da escadaria industrial e no alçapão que me levará ao nada, ao génesis.

 

II

In that house
there is no time for Compassion,
there is only time for Confession
and on his dying bed they asked him:

Do you confess? Do you confess?

And on his dying bed the dirty angels
flying over him like buzzards asked him,
Do you confess? Do you confess?

shshshshsh
It's so cold
It's so cold
shshshshs
It's so cold
It's so cold
Do you confess?
Do you confess?

Who are you?
Who are you?

Do you confess?
Do you confess?

Yes, I confess
Yes, I confess
When they laugh at the trial of the innocent
Yes, I confess
Let them laugh at the trial of the innocent
Swing swing
Let them laugh at the trial of the innocent
saying, "Here's the rope
and there's the ladder,"
Coming for to carry me home.
Yes, I confess

[tongues]

Yes, I confess
angels! angels!

[tongues]

Yes, I confess
Yes, I confess
Yes, I confess:

Give me sodomy or give me death!
 

 

 

lyrics by Diamanda Galás/Letra da autoria de Diamanda Galás


publicado por Ligeia Noire às 00:40

19
Set 11


Pratos e copos: Dia 1


Ao entrar no quarto anti-séptico, foi como se tudo o que se passou fosse parte daquilo que faço para adormecer.

Como se nunca daqui tivesse saído e isso deixa-me claustrofóbica e irritada.

Já sinto falta de poder beber e lavar os cabelos na fontana fria.

Mais um ano nesta vida desvalida, mais um em que procuro respostas de noite e uso a domino de dia.

Ainda sinto as costas pesadas da noite perigosa de Sexta-feira, o cabelo ainda cheira a tabaco e o rosto ainda não acordou.

Trabalhámos juntas e por momentos virei as costas e desci para esfregar os olhos… dispersar lágrimas de fragilidade excessiva.

A realidade estava à porta e eu sorri-lhe de desdém e mandei-a p'ro caralho.

Quando me apercebi, os meus lábios cobriam-se de vermelho e negro e os corpos delas floresciam ao espelho.

Descemos, como outrora o fazíamos na escadaria da casa de outrem, e deixámo-nos embriagar pela noite.

Pessoas que não conhecia, pessoas que não me faziam diferença.

Foram tantos e tão diferentes os copos, que poderia ter prolongado o exercício mas para minha surpresa os olhos continuavam acordados.

Esperava encontrar o rapaz que me lembrou de que poderia brincar mas foi o que me interpelará primeiro,

quem acabou por abrir o lenço e escondê-lo atrás das costas.

Chamara-me de agressiva e acabou por cortar-se na vontade.

Ooopsss!

Eu confesso que encetei o jogo e abri o leque, ele não entendeu e eu, que estava ali, estava ao lado também.

Foi mais uma daquelas ricas valsas em que sou perita.

Sorri-lhe e dançámos, envenenei-o e, quando rogava nas minhas mãos pelo antídoto, disse-lhe que fingisse que tinha sonhado e que o álcool iria ajudá-lo a que o amanhã parecesse cortina de ferro para o ontem.

Não gostava dele, não lhe sentia desejo, só me apeteceu brincar e desatar os laços do meu cabelo à sua frente, como prova de que regressei há muitos anos, do sítio para onde o senhor se dirigia.


Flor-selvagem: dia 2

 

Odeio quando o mar se vai chegando ao pescoço, talvez tenha sido por isso que, mesmo sem pinga de sono, continuei a forçá-lo aos olhos e te interpelei.

Não era segura e com a cabeça cheia de reticências e bocados de rochas que costumava ouvir-te e falar-te.

Mas, ontem, foi e percebi que tinha terminado.

Foi-se o corpo que tremia, foi-se o encantamento, talvez.

Agora que estás mais aqui e mais em mim eu estou mais além e mais fugidia.

Acho que forcei demasiado, acho que quis muito e, tudo o que se quer muito, termina quando se consegue.

Acho que não sei quem és, conheço aquilo que imaginei e queria que fosses.

Espero que tudo isto se dissipe, espero estar enganada.

Se calhar és apenas mortal, afinal.

publicado por Ligeia Noire às 21:12

06
Ago 11


As palavras têm vida própria, associam-se como a roupa.

São exteriorização.

Há sempre coisas que não se podem dizer, a menos que as vistamos primeiro.

Estou a dançar no fio da navalha, como diria o outro, não sei se goste, se odeie.

Estados antagónicos?

Afinal apercebo-me de que a fronteira entre as coisas não existe, é tudo dúbio, tudo se mescla.

É tudo um cocktail de coisas vivas.

As fronteiras não são naturais, o bem e o mal não existem.

Existem os nossos olhos.

Apenas e só.

Férias, Agosto, o meu mês, vêm todos e o tempo foge.

E depois tenho medo de voltar e espero sempre que o relógio de Deus encrave.

Os meses anteriores foram espinhosos e ainda hoje me pergunto o que aconteceu e como consegui encontrar a corda para subir.

Pensei que o melhor seria esconder-me debaixo de uma pedra mas não encontrei uma que abarcasse o tamanho do meu nada.

Visitas inesperadas que me interrompem a escrita.

Volto, ligo o aparelho e deixo a música correr:

  

I'm a little curious of you in crowded scenes

And how serene your friends and fiends

We flew and strolled as two eliminated gently

Why don't you close your eyes and reinvent me

 

You know you've got that heart made of stone

You should have let me know

You could have let me know

 

We'll go 'till morning comes

And traffic grows

And windows hum


Spending all week with your friends

Give me evenings and weekends

Evenings and weekends

 

I could be yours

We can unwind


All these have flaws

All these have flaws

 

You'd agree it's a typical high

You fly as you watch your name go by

And once the name goes by

Not thicker than water nor thicker than mud

And the eight k thuds it does


Sunset so thickly

Let's make it quiet and quickly

Don't frown

It tastes better on the way back down


I could be yours

We can unwind

 

All these have flaws

All these have flaws

All these have flaws


Will lead to mine


Mezzanine by Massive Attack/Mezzanine da autoria dos Massive Attack      

 

All these have flaws é isso, é.

Consegui apanhar o pensamento outra vez.

Tudo isto tem lacunas, rasgos, crateras.

Tudo é imperfeito e tudo se clareia na decadência.

Continuo a dançar intensamente no fio da navalha de outrem.

Rodopio e rodopio e vejo-o lá ao fundo.

É preclaro e meu, sorri e é noite velha como sempre.

Percorro o gume com os meus sapatos negros, volto-me outra vez e lá está a flor-selvagem Supremo, ele está ali.

… está mais perto, insinua que continue a voltear enquanto colhe flores.

Reparo que faz dia.

Quedo-me no cabo e choro porque sei que os seus dias não são as minhas noites e as suas noites não são os meus dias.

As lágrimas fazem com que a navalha se torne lúbrica e é agora número arrojado continuar a voltear.

Viro as costas à plateia e danço embriagada no meu círculo sem retorno.

A lâmina secou e conheço, agora, o gume como a mim mesma.

Colho o meu vestido e sento-me.

Um visitante chega, este é praia que abandonei sem provar o mar que a estende.

Olha-me e tenta culpar-me dos seus olhos pesados e semblante soturno.

Voltou, e a senda é a mesma: resgatar a Rapunzel.

Brinco e aceno-lhe com a minha distância, ele oferece-me a sua constância, lealdade e devoção abrindo o corpo como uma sacada ao sol.

Acha que sou eu e apenas eu a…

a que… percebes Supremo?

Mas eu falo palavras e abro olhares que ele não compreende nem nunca compreendeu e calço os sapatos negros para prosseguir a minha dança no fio da navalha afiada do Universo.

Espero que ele se afaste.

Sinto-lhe apenas carinho.

Espero que me perdoe.

É novo e era ainda mais novo, pensei que passasse, espero que ainda passe.

Rodopio e reparo que a flor-selvagem continua a colher... ele colhe as tuas flores Supremo.

Enquanto eu danço, ele colhe flores o dia inteiro.

Em mim faz noite.

Estou a dançar no fio da navalha, como diria o outro, não sei se goste, se odeie.

  

publicado por Ligeia Noire às 02:46

01
Ago 11

 

Give me some kind of Heaven...

 

Quarto quieto de janelas não existentes.

Achas que consigo suster?

Começou por ser um suspiro na minha cabeça.

Um conjunto de frases de anseio para poder respirar melhor mas, às vezes, temos de ver para além do que o primeiro par de olhos alcança e, para lá dele, percebi que já o sabíamos antes de o sermos sequer.

Percebi que estou a chegar lá, estou quase.

Nesta intermitência de sendas, chega-me aos pés o ímpeto finalmente humanizado.

Prossigo através da escadaria industrial onde o comboio siberiano me esperou desde sempre.

Abrir o meu caminho, o meu caminho… abandonar os carreiros e seguir, seguir sabendo que não posso volver, não posso levar ninguém por protector, nem quero.

Sou a minha filha negra, minha e indomesticável.

Os carreiros fizeram-me calosa e, agora sei, agora posso abrir os portões do Inferno e sorrir-te.

Hoje percebi que tu não és o meu salvador, eu não preciso de ser salva por ninguém.

É a ti e és tu.

Eu sou a tua Redentora e é isso que te atrai.

É a ti que a salvação vestirá de púrpura, és tu que precisas de ser resgatado.

És tu que precisas da água que corre no rio que atravesso todas as noites.

Agora percebo a fascinação sem precedentes, a leveza, o conhecimento para além do tempo.

O encontro a horas da alma, o sangue que faltou brotar.

Diz-me Supremo, na forma que entenderes, se estou certa… diz-me se ele é filho da lua, fala-me na tua língua, fala-me ao coração e eu entender-te-ei.

And I feel some kind of Heaven... 

publicado por Ligeia Noire às 19:51

14
Jul 11


Gostava de dizer que és o tudo do meu nada mas chego à conclusão de que o meu nada não te acha o seu tudo.

O que é que poderia ter sido?

Talvez, se acabar com este resto, saiba ou melhor, consiga, transportar-me para "o tudo que poderia ter sido"… e esse "tudo que poderia ter sido", só poderia ter sido, se esta passagem fosse outra e se este tempo fosse, também ele, outro.

Às vezes, sinto que se ficar parada e entrar demasiado dentro de tudo aquilo que sou, a garganta se vai estreitar e o peito comprimir.

Assim, como, naquelas vezes em que me desvairo com a minha respiração e deixo de conseguir engolir e tudo parece convergir-me.

Tenho medo de dar razão à rapariga que eu era, essa rapariga que sabia que sonhar com pingentes de gelo só lhe traria desgraças.

Tenho passado algum tempo com a rudeza ao pescoço porque não consigo escrever, não consigo escrever o que me lacra e aleija mas agora acho que percebi, tenho de deixar fluir, abrir os ventrículos e, por conseguinte, as aurículas cederão e tudo sairá, devagarinho, como o vinho que caía da pipa grande na caneca.

Agora, que já não estou no epicentro do tumulto, que tudo se acamou, esperava abrir o sorriso e poder dormir, voltar… mas tudo em mim caiu tão fundo, assim como se tivesse deixado cair o meu coração a um poço e dele se soltasse, apenas, um baque lamacento.

Agora, que posso descansar e colher flores, desceu em mim tamanha tristeza que... ah Supremo... ela caiu tão pesadamente em mim, como se eu fosse aquele poço fundo, fazendo ricochete em todos estes ossos.

Preciso tanto de ti, preciso tanto de ti.

Provaste-me que não te afastaste mas é que, às vezes, precisava de que estivesses no mesmo chão que eu, para poder enrolar-me no teu colo.

Todos eles, os meus queridos, todos eles, poucos e raros, de quem ultimamente tenho falado, estão comigo, estão mesmo... mas continuo na mesma, regada de melancolia, como se o buraco nunca se fechasse.

Então, encho-me de anseio e vontade deles, com eles mas nunca me é suficiente.

Há sempre fome, uma fome além-túmulo, uma fome que me obceca pela revelação e, quando tudo se enche de sol e olhos turvos, percebo que tal coisa não existe, não para mim.

É-me impossível amar alguém de corpo e alma.

Amar é ter uma arma na têmpora e pensar neles e não em nós, amar é fechar os olhos e deixarmo-nos cair seguros.

Amar deve predicar-se de muitas coisas, coisas que se relacionam com extremos, coisas que só sinto pelos que tu sabes, pelo amor de sangue.

No entanto, estranhamente, tenho uma fascinação e uma idolatria desmedida pelo amor romântico, pelo raro fenómeno de conseguirmos amar alguém fora do círculo de sangue, da mesma forma como amas aqueles que te partilham as feições.

Não creio que isso exista.

Conheço as paixões extremas mas depois... depois tudo cansa, tudo se extingue ou então, talvez, tu que tento refazer com o meu Frankenstein tenhas realmente existido.

Faço força, tento, choro e sofro para fazer-me crer que também sinto mas a mim me engano, é-me tudo estranho, todos são antigénios.

Espero cansar-me depressa, desta tentativa de me provar errada e, espero sonhar contigo Supremo, tenho saudades da antecâmara.

A realidade é que vim a este mundo com a sensação de que quero alguém que aqui não cabe, sofro esta constante inquietude, esta saudade desmedida, esta nostalgia que me rebenta o corpo e que me empola a alma por criatura que se me esconde noutra senda.

Injecto-me com ela e fico prostrada de lágrimas quentes a caírem-me pelo pescoço.

Se o amor existe, esse amor eterno e que não se coaduna com o mundano, então existe solitário em mim, mono, decepado e viúvo porque aqui, nada me encontra que me satisfaça, que me aparelhe, que me restitua o miolo, que levante o véu negro dos olhos vazios.

publicado por Ligeia Noire às 02:01

11
Jul 11


Depois de falarmos fiquei com a sensação de que te estavas a despedir.

Não me perguntes porquê mas o meu peito pesou-me sem medida e estreitou-se como se o enlaçasses.

Já não consigo deixar de parte as saudades, as saudades que me rebentam nos ossos e que me abarrotam a carne.

E é assim.

Tem sido assim, falta-me o sono porque sinto que vais embora, de mansinho, outra vez.

Se soubesses, se eu pudesse, se…

Lembras-te de quando disseste que…

Apeteceu-me descer de mim e esbofetear-te pela dor que aqui ficou plantada.

Eu sabia e eu sei de tudo isto, sei de tudo o que nós não dizemos e sei que ficarei no cimo das rochas, a acenar à caravela, como viúva antecipada a salgar as águas selvagens de mares que te navegam.

Fiquei zangada porque sei que não me mentes e porque sei que há palavras que não são para dizer.

Não são para dizer quando tu te manifestas e eu te sei fugidio como todas as coisas harmoniosas e naturais com as quais te poderia emparelhar.

Há coisas que se devem fingir inexistentes por conhecimento da sua impossibilidade.

Sabê-las, é por demais intolerável… é como presenciar o anjo da salvação do outro lado da escarpa.

Entendes?

Do outro lado da escarpa… ele de braços que me poderiam ter abraçada.

Consentir-me a contempla-lo, a sabê-lo ali, não mais seria do que dor deliberada.

É assim que sempre fomos:

uma utopia,

um desassossego de consubstanciação.

E, baixinho, peço sempre que te vás.

Peço-o para mim.

E tu vais e eu rogo que não voltes e tu voltas e tens em mim o efeito de rio bravo e caudaloso que rasga o abismo.

Hoje é assim, tive de transbordar um bocadinho para respirar.

publicado por Ligeia Noire às 01:46

09
Jun 11


Prezado, Abre os olhos um bocadinho.


Ya, não é que esteja enamorada de ti mas, até hoje, não encontrei ninguém que te suplantasse e, não me entendas mal, não é que seja difícil suplantar-te mas, não me ponho a jeito de ser pescada, a maior parte dos pescadores não me acha uma boa pescaria e eu não acho que tenham engenho para que eu salte para o balde.

Se calhar, és mesmo difícil de suplantar, se assim não fosse, não eras flor-selvagem, rodeada de abelhas, vespas, formigas, borboletas, traças e mais uns quantos bicharocos.

Não te faço sentido?

Abre mais um pouco os olhos.

E, depois, quando estou neste humor introspectivo, a imagem de ti ou o conceito que criei para te explicar, não entra pela porta porque está sempre trancada à chave, (a minha colega de quarto foi para a Sibéria) a janela está fechada (porque a vizinhança é barulhenta) mas abro os olhos e…

Foda-se…

Foda-se…

Esta ligação desnaturada, bizarra, anómala, em que eu não te amo e tu não me amas, em que eu gosto de ti e tu gostas de mim, em que eu estou sempre a sobrevoar o abismo e tu estás sempre a atravessar o rio e a ir para o Mundo dos mortos, como Orfeu.

As saudades, as saudades e são saudades só minhas porque tenho medo, medo de ti e de mim e de tudo e do nada também.

É engraçado sabes, quando voltei estava convicta de que poderia invocar o teu cheiro quando quisesse, pretensiosa, pequena boneca pretensiosa...

De mim, que palavras poucas digo, não há muito para contar, ao contrário da Nau Catrineta.

Estou mais esburacada, alienada, cortei o cabelo, aprofundaram-se-me os olhos e matei a esperança.

Sim, leste bem, matei a desgraçada à navalhada.

Ainda bole mas já não guincha, era fraquita, a pobre.

E, sabes mais uma coisa?

Mesmo, quando durmo a noite inteira, acordo sempre cansada e sempre com sono, raramente me lembro do que sonho, lembras-te dos meus pesadelos, frios e compridos?

É melhor assim.

Prefiro não me recordar de nada e ficar apenas com o sono, não dói não é?

A antecâmara.

Nunca mais esqueci, fez sentido.

Quem és tu?

Teremos nós bebido do rio que atravessa o mundo de lá?

Abre as mãos, guarda, dorme.

Pode ser que o amanhã não exista.

Pode ser que abra, eu também, os olhos e o barqueiro esteja estacado à minha espera.


publicado por Ligeia Noire às 23:42

03
Mai 11


Quero escapar-me.

Se me perguntassem qual é o meu desporto favorito, eu diria escapismo.

Pratico-o sempre que posso mas de preferência quando estou à luz do sol e à luz dos outros.

Acho que posso considerar-me uma profissional, tendo em conta os meus longos anos de experiência.

Às vezes, adiciono-lhe violência porque, como não gosto do perigo desequilibrado, me desato pela certeza do castigo em ambiente controlado e higienizado.

E isto é por mim e em mim, uma vez que não gosto de correntes e autoridades alheias, mecanizadas e planeadas.

As flores da Páscoa, que estavam sobre uma toalha de linho na mesa da sala, estão agora e ainda no meu quarto.

São rosas que picam a cada milímetro do seu caule e, não sei como dizer a cor, porque o vermelho, o cor-de-rosa e o roxo podem misturar-se.

Ainda não estão secas mas já não estão vivas.


Breathe the air through the water


Neste fim-de-semana descobri que:

- O meu sangue não é açucarado;

- A minha mãe pensa que tudo o que tem sucedido em catadupa já saiu do domínio das leis da Física.

 Tenho voltado aos pesadelos de coisas que me varrem a cabeça de um lado ao outro e, sinto-me um cão ou neste caso, uma cadela, vadia e inquinada com raiva.

Um bicho desregrado e desconsolado que se atira contra as grades do seu ambiente controlado deixando-as cobertas da saliva seivada que lhe escorre do focinho, até às garras embrutecidas.

E tudo isso é provado pelos factos pequeninos, como o de pegar naquele instrumento prateado e querer cortar todo este cabelo.

Este espécimen que aqui presenciam, sabe-se alterado quando viola aquilo que lhe é sacro.

Não me vai fazer sentir melhor mas a que tenho dentro de mim, quer me fazer ver que sim, para depois vir de dentro, sentar-se na minha garganta e rir-se da minha vontade utópica de perfeição na devastação.

O poeta é um fingidor mas eu sou uma pessoa.

Ainda faltam tantos dias para saber…

E como se me quisesses afagar a fronte fizeste acordar aquilo que melhor me adormece, a flor-selvagem.

Tenho que agradecer-te.

Como me sabes tão bem…

Ele é o escapismo em correnteza de rio precioso.

Pensei que… não, não pensei.

E que palavras ele me trouxe e de que palavras me encheu.

Sei que a estória das gavetas ainda é cal fresca mas não estou zangada.

Ele é teu filho, não o admite, não te conhece conscientemente mas é tão teu filho, por isso, nunca espero que fique e nunca guardo amarguras, porque sei que ele e eu somos de sempre e isso é melhor que ser de agora.

Foi tudo isto e é tudo isto que me escorre dos dedos enquanto tento escapar-me ao saco negro e industrial que se aproxima a passos largos.

publicado por Ligeia Noire às 01:08

26
Abr 11


Se calhar, tudo isto é o paradoxo com pernas.

Se calhar, só consigo amar a mim própria, loucamente, excessivamente e gravemente.

O amor obsessivo que prefere o nada se não tem o tudo.

A paixão pela perfeição inteira que desfaz, devagarinho, tudo o que lhe contradiga os olhos.

Não me peças para explicar.

Há dias em que me sinto o lírio mais belo para que, em outros, me possa comer as pétalas e culpar-me pela morte do caule em estertores.

Às vezes, sinto isto tenuemente como se esse eu (seja lá quem esse eu for) não quisesse que me apercebesse.

Como se deixasse de ser eu, se soubesse as teias em que me emaranhei, desde que o ar me inchou as narinas.

Serão todos caprichos, volúpias, jogos de sedução de que me canso?

Amores que verto de demasiado alto para que nunca ninguém lá consiga subir.

Não sei se me obrigo a fazer-me companhia ou se estou obcecada comigo toda.

As unhas, o coração que me lateja na carótida, o cabelo que me tapa o torso, as mamas que me resvalam para as mãos… e os olhos, os meus olhos, o que mais me inquieta são eles... sempre foram eles porque sei que têm pessoas dentro, uma, duas, não sei.

Não sei, não sei, sinto-me tão irrequieta e infectada, como assustada e reticente.

Quero continuar a aguçar-me e a escavar-me mas tenho medo de não ter migalhas suficientes para me alimentarem o caminho de volta.

E os amantes?

(ir com calma, caminho minado).

Queria senti-los muito mais do que no cadáver mas nunca deixei que me descobrissem, nunca achei que o soubessem fazer.

Aquieto-me sempre, plantando palavras em todos os cantos do cérebro, para me alimentarem a certeza de que eles não me sabiam, de como nunca seriam capazes de me atordoar.

Havia sempre um lanho no rosto, uma mordacidade que faltava, um beijo que dormia, um inebriamento que nunca sucedia.

Sempre fechei os olhos.

Mas, por certo, nunca deixei que fossem algo, sempre os reduzi a si próprios e, alguns, temo, a meros lenços de seda mas, depois, sinto-me rosa florida de sangue e apraz-me amar o mundo e todos e todos, sinto-me a virgem pura que quer aperfeiçoar o Homem, a Mulher Escarlate que abarca a imensidão e sorrio sem nada, só pelo prazer de ver o sorriso.

Acho que são as pessoas que tenho nos meus olhos que fazem isso.

Amo os que têm o meu sangue e por isso apenas, egoisticamente, conheço o amor.

Volto a ti e desço-me as mãos nas tuas, agora, que estás de branco vestido (outra vez) e de coração cheio, espero que me aches dentro de tudo isto.

Eles são todos eu?

E tu também me és ou eu é que te sou?

Vence-me e não digas que a vitória te é indiferente!

Eu que sempre quis ser a presa, eu que sempre quis a loucura, eu que sempre quis o extremo, sou a raposa sempre, a suicida consciente, a gata preguiçosa.

Deixa-o descer, deixa-o encher o receptáculo de carne, a carne de sangue e vence-me.

Mesmo que seja efémero, mesmo que ele seja um Filho-da-lua e tenha de voltar contigo.

Percebe-me o peito que te fala alto e lê-me o olhos.

Anseio que todos os espinhos das doces rosas se me enterrem nas mãos, desejo-os a cravarem-me o peito.

Não ter ossos suficientemente robustos para conter tudo o que ele me fizer sentir.

Desejo consubstanciá-lo e perpetuá-lo na morte.

Anseio por ser a sua viúva negra, de rosto rendado e de amor esfacelado mas sentido e sangrado.

Vá, prova-me que sou una e completa e que este é o meu último naufrágio.

Estou solene e vim sozinha, curvo-me e beijo-te a mão, empunho a espada e aguardo pela retaliação.

publicado por Ligeia Noire às 23:45

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