“We are like roses that have never bothered to bloom when we should have bloomed and it is as if the sun has become disgusted with waiting”.

13
Out 13


Quando me levantei, olhei para as rosas e pensei em pegar numa, mas deixei-as quietinhas. Não são as minhas rosas, não têm perfume e enfeitam a mesa de um casamento, a mesa de um casamento numa quinta no meio de árvores, rosas centradas numa toalha negra com debruados prateados, onde um castiçal de pé alto segura velas que se extinguiram quando a noite se fez.

Ao meu lado estava a rapariga de cintura fina que se vestiu no carro quando me veio buscar e, ao lado dela, o nosso militar preferido e depois eram pessoas estranhas.

Não sei bem como estava, sei que a conversa foi agradável e risonha, falámos desde os nossos dias no curso, dos jogos ocultos que encetávamos, da corrupção, da vida lá fora, do preço do arroz, da recruta, do Shining, filmes sem sangue e tripas mas com espíritos, até às fotos feias que nos tiraram e às fotos bonitas que tirámos com a rosa entre nós.

Dançámos os três mas dançámos mais as duas.

A certa altura, já no jardim sentada, coloquei o copo de champanhe na beira da janela e não me levantei para admirar os morteiros que iam iluminando o céu escuro da floresta que albergava tantos movimentos escritos e coordenados.

Puxei o fio da memória, uma memória recente, memória de horas anteriores:

«então, a próxima vez que nos encontrarmos vai ser no teu casamento...

-Eu não quero casar.

-Dizes isso porque não estas apaixonada.

-Estou apaixonada e continuo a não querer casar. Sabem, na verdade, não queria nem ter de viver com alguém…»

Quando era mais nova nunca me vi casada ou com filhos, sempre me imaginei a viver sozinha, o meu paraíso, os meus discos, os meus filmes, o meu canto.

«Ai não, não. Sentir-te-ias sozinha e quando quisesses conversar?»

Eu sempre me senti sozinha, sempre me senti por desabafar e, mesmo quando o fazia e quando tentava mais a sério, nunca me entendiam os amigos, foi sempre a escrever que atingi o propósito que é tido nisto do desabafar, no haver de um confidente, talvez não saiba falar em condições, talvez não saibam ouvir em condições.

Não, não quero casar porque não quero partilhar algo tão íntimo como o meu amor, os meus beijos, as minhas palavras açucaradas com pessoas de olhos e câmaras fotográficas esfomeadas, não quero passos e gestos encenados, já sei tudo isso de cor e enjoa-me, compreendo mas não assino por baixo.

O mesmo sinto quando me passam o caderno de honra... nunca sei o que escrever, sei sempre que vou mentir, escrevi três linhas neste e ela reclama:

«no meu só escreveste felicidades, sinceramente...»

Nem sei que lhe respondi, acho que encolhi os ombros mas se lhe dissesse que não queria mentir, não a ela, não iria entender de qualquer das formas porque ela agora é casada e tem um cão e uma casa.

Não houve igreja, houve largada de pombos e discursos à-estado-de-rede-social, houve mais daquela música que detesto, vestidos demasiado curtos, compridos, justos, ondulantes, coloridos... houve isto e aquilo e ele brincava:

«no teu, teria de haver uma banda gótica a fazer-te a entrada» ela brincava também:

«já há gente a casar de negro», pensava eu: nem tu imaginas quantas e acho tudo muito bonito e criativo, como quando me mostram o álbum de fotos da família mas onde está aí a diferença?

Continuam a ser protocolares, para os outros, encenados, só muda a cor e a música e talvez eu não me aborrecesse tanto nesses, já não tenho vinte anos e a diferença reside noutro lado.

Ele ligou-me, fui para o fundo do salão, era tarde lá e ele bebia vodca à minha saúde, a minha boca sabia a Baileys, o meu corpo sabia ao aperto do enlace do espartilho.

Olhava para o tecto de madeira, para o bolo, para os noivos bonitos e felizes, felizes talvez da felicidade deles, daquelas pessoas, pessoas que seriam provavelmente tios e tias e avós e pais e coisas que tais e sabia que eu não saberia passar por aquilo, não sou anfitriã, odeio ser o alvo de olhares e expor a minha intimidade e aquilo que sinto aos outros porque conquistar, seduzir, charme são brincadeiras de menina mas o amor e a paixão são tão íntimos como o sutiã que não trazia, como o cinto de ligas que nos enlaça a cintura mas que é magia nossa, não sei, não sei, é um admirável mundo novo, terreno minado.

«-Quando mo apresentas? E ele quer casar um dia?

-Nem casar ou ter filhos.»

Talvez nem dormir comigo todos os dias, gosto que ele goste de quartos separados, de cedência a vontades... apenas.

Quartos a funcionarem como frigoríficos, abrem-se quando temos fome ou sede.

Gosto das nossas determinantes diferenças, da minha natureza de gata arredia e do galope do seu cavalo medieval, gosto que isso se transfigure em ideias de esterilidade e antipatia para com o mundo que nos rodeia.

Prossigo com medo e sensação de ameaça mas um destes dias alguém mais velho revelou algo muito sábio que eu ainda precisava aprender: há sempre uma parte de nós que tem de se guardar, de adormecer, de ceder, de ser deixada para trás quando nos apaixonamos. Dizia ela que, o dia mais triste da sua vida foi o dia em que conheceu o marido porque sabia que não daria de outra forma, que com aquele era a sério, era amor e o amor e a individualidade não se coadunam nunca.

Ainda me custa saber a certeza disso mas há o equilíbrio, é esse o segredo de tudo, uma boa canção tem de saber ser equilibrada em todos os seus braços.

Viemos embora tarde, fui falando trivialidades até chegar a casa e poder fechar os olhos, foi bonito, foi aborrecido, gargalhadas e análises deliciosas de três amigos sentados num sofá de jardim acantonado num passadiço, enquanto eles casavam.

Em cima da mesa tenho o leque de madeira, com um padrão de tulipas de um rosa arroxeado que ela trouxe de Havana e me ofereceu.

Não, não era capaz.

publicado por Ligeia Noire às 11:50
música: "Deliverance" de Tarja Turunen

02
Out 13


Como os antípodas se juntam… porque se encimar a cabeça no parapeito vejo tudo a perecer, a esperança, a estabilidade, os amigos, o dinheiro, o futuro e o caralho a quatro mas se me guardar e fechar a janela… hmm é delicioso, é bonito, é génesis de mim e do espaço que ocupo.

Grey view, o Herbst para além dos seus Lantlôs e Líam, tem ainda mais um lado, LowCityRain, post punk, cá para nós aquilo cheira a gótico certeiro, à semelhança dos UltraNoir mas confinemos essas observações a esta página, não vá arranjar chatices...

Bem, acontece que o projecto finalmente debutou na cena musical e com um homónimo do qual já se conhecia duas canções.

Enquanto se espera pelo sucessor do Agape, ouve-se e reouve-se esta novidade que quase parece anacrónica porque cheira a negro e fumo de cigarro e noite de nevoeiro lá das bafientas caves urbanas oitentistas.

Fico contente que ele tenha decidido tomar as rédeas dos vocais, tanto nos já mencionados LowCityRain, como nos Lantlôs porque é perfeitamente capaz de vocais agressivos, quanto barítonos melodiosos, tenho pena, apenas, que assim tenha perdido a única oportunidade de voltar a ouvir o Neige em registo mais agressivo, visto que o gajo se vai deixar disso no Shelter.

Nada que não se esperasse, o francês não é de medos ou de convocar esperanças infundadas.

Depois de toda esta ladainha, olho para cima e não restam dúvidas de que não mudei, queres saber a melhor?

Tenha um colega, amigo ao qual vou ao casamento daqui a uns dias, que cada vez que me via a usar uma espécie de ushanka preto e felpudo sem orelhas me chamava de Nevruska, e nem ele sabia bem porquê, o destino é rato.

Só falta lançar o cabelo da janela da torre e partir. 


publicado por Ligeia Noire às 12:42
música: "Grey View" de LowCityRain

09
Mai 13


I

Quando comecei a ver o filme senti que iria ser uma desgraça, como poderia conseguir transportar-se tamanhos conceitos para o cinema, uma obra onde as personagens são apenas ilustrações, possibilidades do escritor, onde se fala do tem de ser e da queda e do abismo, de existir, não, não se pode.

Então, lembrei-me do que aprendi nas minhas esparsas aulas de literatura e cinema, um filme adaptado de um livro é uma obra nova, não tem de seguir a perspectiva do livro e, assim, comecei a apreciar o dito, até porque tem mais de duas horas e dá tempo para pensar em gostar-se dele ou não.

Já o tinha tentado ver há uns dois anos mas ou adormeci ou não me cativou ao início.

Não me vou pôr p'ra aqui a analisar um ou outro porque não sei ser imparcial, objectiva ou construtiva.

Gostei da brisa leve e cómica com que o realizador escolheu permear a acção e pronto.

 

 II

 

Porque eu encontrar-te-ei, sou mais alto do que tu e posso dizer-te que não precisas repensar e pesar o mundo todo naquele punhado de segundos e sei que ao dizer-to, deixarás que suba aos olhos a alforria de que eles precisam para me mostrarem que somos da mesma laia.


Unleash The Red, Lucifer’s Chorale e When Love Starts To Die estão à altura do que eu esperava que este disco fosse mas são só estas, há umas mais próximas destas, outras menos… e, agora que a impulsividade se foi, vou clareando a percepção e admitindo que o erro começa logo no "eu esperava que" olha, foda-se minha cara, vai ouvir outra coisa porque não falta o que ouvir... mas eles ainda brincam mais comigo porque, apesar de tudo isto, dou por mim a ouvir várias vezes esta açucarada mas, curiosamente, praticável Hearts at war e a canção falou comigo e disse-me tudo isto:

 

So, after all that we have done
Are you feeling cold
Like the winter sun
and have you thought about all the words that
We left unsaid?
Don’t be scared
You shouldn’t be

Hearts at war
Drunk on dreams
Of all that’s been lost now
Let them bleed
Just let them

Run away as far as you can
And hide behind all the promises
But I’ll find you
Cause you’re a fire
And I’m the rain
Don’t be afraid


Hearts at war

Drunk on dreams
Of all that’s been lost now
Let them bleed
Hearts at war
Think of love
There’s no escaping
What we have brought upon ourselves again

Hearts at war
Drunk on dreams
Of all that’s been lost now
Let them bleed
Hearts at war
For thinking of love
And there’s no escaping
What we have brought upon ourselves again

There is no way, I’m waiting
We’ve brought this upon ourselves again


Lyrics by H.I.M./Letra da autoria dos H.I.M.


Se ele soubesse mais do que o meu nome e o meu ego bêbado, se ele soubesse deste caderno medicamentoso, ya isso.

No entanto, ele sabe que sou uma rapariga que se veste de negro, incerta, ambígua e amiga, muito, da amiga dele.

E que sei eu dele?

Não quero saber nada.

Foi para isto que vim aqui hoje escrever, estava era a tentar prolongar a coisa mas não consigo, quanto mais ansiosa e inquieta mais preciso de escrever, para controlar o desassossego.

Uns, sabem de antemão que vivem o peso e esperam do peso a validade da vida, outros vivem a leveza de uma existência que vai arrecadando pontos no carreiro que leva à morte desde o dia em que se nasce.

Outros, ainda, adormecem em Sextas-feiras leves e acordam para Segundas-feiras pesadas.

Esses, que são volúveis, têm dias em que desejam, de todo o coração, que o seu corpo seja hóstia e que, ao comungarem de si, os outros consigam a felicidade.

Noutros dias, esses volúveis, vão fitando as notícias e esperam que a Coreia não esteja a brincar e encete fogo no rastilho porque não poderiam estar mais à vontade com a liberdade de não serem mais.

 

publicado por Ligeia Noire às 00:41

17
Mar 13

 

Todos os dias são bons para ir embora, bater com a porta, visitar a barriga da Terra, todos os dias são bons para desertar, podem não prestar para mais nada mas para fechar o ciclo servem sempre.

É Supremo, é isto a querer subir-me pelas pernas e perpassar as órbitas outra e outra vez, não há volta a dar.
Estou cansada de não ter cordas para subir, são sempre as minhas pernas, são sempre os meus braços, os amigos de todas as horas.

Até o musgo se abastece demasiado desta cercania de pedra meia molhada.


(…)

Beyond this beautiful horizon
Lies a dream for you and I
This tranquil scene is still unbroken by the rumors in the sky
But there's a storm closing in
Voices crying on the wind
This serenade is growing colder breaks my soul that tries to sing
And there's so many, many thoughts
When I try to go to sleep
But with you I start to feel a sort of temporary peace

(…)

 

É o que sinto com ele, doçura, paz, sinto carinho, sinto o final do mar, o mar agreste de Inverno: calmo e ininteligível.

E fazer-me sentir isto já faz parte do mover céu e Terra.

É tudo turvo na minha vida.

Em nada me satisfiz, em nada me completei, tudo me empurra para a cave do rato de bigodes encarquilhados e é por isso que não posso deixar que este braço deixe de estar estendido, não posso ser eu e o Mundo.

Não agora, neste tempo, com esta idade, já escasseiam as coisas bonitas e a vontade de abrir os olhos para que elas me façam sol.

São os Anathema que me enrolam no colo hoje, colhendo-me as lágrimas, enquanto vou empurrando a cabeça como um gato até que me esconda toda e faça noite.


There's a drift in and out, there is always going to be a drift in and out...


publicado por Ligeia Noire às 23:12
música: "Temporary peace" dos Anathema

02
Mar 12


Já é Sexta-feira e reparo que as coisas se tornam cada vez mais complicadas, como se isso fosse possível.

Pergunto-me se chegarei ao final deste ano.

Disse um adeus rápido para não prolongar conversas embaraçosas e fiquei à espera do autocarro, mais uma vez, sou abordada por um homem que me diz não me ir assaltar, sorrio e digo não o ter acusado de nada e ele retorque dizendo que as pessoas, por causa do seu aspecto, o tomam como um larápio.

Eu volto a sorrir e ele diz que vai ser sincero, está a ressacar e precisa da dose mas faltam-lhe quatro euros.

Digo-lhe que também serei sincera e que apenas tenho uma nota, ele diz que me dá troco, se eu quiser.

E eu quis e fizemos contas.

 Ele não estava à espera e encosta-se ao muro, diz-me que já tentou várias vezes mas que não consegue e eu digo-lhe que imagino o quão difícil deve ser e ele pergunta de onde sou, respondo e ele diz que conhece.

Enumera algumas terras minhas vizinhas e acrescenta que trabalhou na associação x… diz que as pessoas da aldeia não são tão agressivas e arrogantes como as da cidade que, sempre que batia à porta de alguém, não lhes mentia e elas agradeciam a sinceridade, tornando-se seu conhecido.

 Diz-me que foi futebolista profissional que trabalhou no estrangeiro e que ganhava bem e eu acabo a frase dele dizendo o óbvio "depois perdeste-te…" e ele assenta com um sorriso e uns olhos encovados.

Queria encorajá-lo a tentar mais uma vez mas não conseguia lembrar-me de um motivo pelo qual valesse a pena erguer-se, tudo o que lhe poderia dizer só o faria descer, ainda mais, pelo musgo.

Desejei-lhe sorte e sorri, ele prosseguiu o caminho em direcção ao sítio do costume.

publicado por Ligeia Noire às 17:08

10
Nov 11


Quero ir para casa, quero mesmo muito ir para casa.

O bem que me faz estar, simplesmente, sentada à lareira com a gata ao colo e os gatos a subirem pelas pernas da mesa.

Não ter espaço para me chorar, para poder agasalhar-me, é, simplesmente, desumano.

Já não me reconheço, começo a achar que comporto toda a gente porque na realidade não gosto de ninguém.

Quero abrir os ouriços verdes com os meus sapatos velhos e guardar as castanhas nos bolsos da minha mãe.

Quero estar nas caleiras, a aquecer o sangue ao sol da manhã e ver surgir o corpo velho do meu cão preto.

Quero ir para casa pai, quero ir para a minha casa velha de pedra, comer santieiros.

Hoje não há pele, carne, ou costelas que me protejam o coração.

Abro a camisa branca ao espelho e coloco-o na pedra de mármore, na pedra gelada.

Pobre coisa mirrada… anda vê-lo Supremo, desce e chora-o comigo.

Não tenho nada que seja teu comigo, sabes que gostaria de ter aquele rosário de prata fechado na mão para poder voltar a sonhar contigo.

Sinto que já não estás aqui, que foste embora e tenho medo, tenho saudades de subir para o teu colo branco.

À noite, quando chove e o vento sibila, é como se o rosário se materializasse e eu te sentisse à janela, pedindo permissão como os vampiros antigos.

Ser esta versão de mim arruína-me

Quando é que me levas contigo?  

publicado por Ligeia Noire às 22:06

17
Jun 10


É natural que quem quer «elevar-se» sempre mais, um dia, acabe por ter vertigens.

O que são vertigens?

Medo de Cair?

Mas então por que é que temos vertigens num miradoiro protegido com um parapeito?

As vertigens não são o medo de cair. 

É a voz do vazio por debaixo de nós que nos enfeitiça e atrai, o desejo de cair do qual, logo a seguir, nos protegemos com pavor.


In A Insustentável Leveza do Ser de Milan Kundera


publicado por Ligeia Noire às 21:03

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