“We are like roses that have never bothered to bloom when we should have bloomed and it is as if the sun has become disgusted with waiting”.

12
Ago 13

 

Depois de um fim-de-semana de intensa escravatura, em que me agarrava a esta semana para me alegrar e erguer a cabeça acima das tontas aves migratórias, devo dizer que me sinto uma merda, triste e sei lá. Acho que vou prosseguir a ler o livro do orelhas e a descobrir estas pérolas da Prophecy: Nhor, Camerata Mediolanense e Vàli e esperar que a serotonina desça.

publicado por Ligeia Noire às 12:21
música: "Sune" de Nhor
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27
Mai 13


I


Fui convidada para ser dama-de-honor há uns meses, serei dama-de-honor daqui a uns meses, o vestido está finalmente pronto, gosto do vestido, gosto muito dela e sabia que seria a primeira a casar porque assim o descobrimos há uns anos na mesa da cozinha.

Enquanto escrevo, corre o Madison County na televisão pela décima vez, talvez.

Está no momento em que a realidade bate à porta, ela começa a perguntar-lhe como funciona a cena dele com as mulheres à volta do mundo, que ele não precisa de ninguém, ela é que vai ficar ali, a sentir-se culpada porque é a casada e ele é que é o cidadão do mundo, ele não quer precisar dela, ela diz que ele é um hipócrita.

Não sabia já ela que iria ser assim, não sabia já ela que ele teria de ir, que as paixões não são eternas porque senão não eram paixões?

Por que queremos possuir o instante, estender o momento, ou melhor, por que razão é momentânea a felicidade?

Faz-me lembrar as borboletas que pousavam nas flores dos mentrastos quando eu era pequena.

Eu tentava agarrá-las mas se apanhasse alguma, se lhe tocasse com os dedos e apertasse as asas, ela deixava de voar, seremos assim tão malditos que estamos condenados a ver o anjo da salvação do outro lado da escarpa mas tentar chegar-lhe significa a queda no abismo?

Mas que porcaria de vida com sentido tão perverso.

 

II


Aquele momento em que te está a apetecer explodir o crânio e te aparece do nada, qual cogumelo, um conhecido com o qual tens de lidar momentaneamente.

Inspiras, gretas um sorriso e falas sem te ouvires.

Às vezes, sou rude, há outras em que me consigo controlar e desafiar a gravidade porque sei que assim é mais fácil deixarem-me em paz com as perguntas inúteis e as conversas de absolvição e soluções de quem vive pela medida equilibrada.

Chega-se a um ponto em que já não se consegue voltar atrás, temos é de ter cuidado e astúcia suficientes para nos lembrarmos dos detalhes que usámos, depois… depois as mentiras vão ganhando vida e história e, uma vez maturadas, até nós acreditamos nelas.

E deixa de ser difícil, deixam de ser indigestas.

Afinal de contas é tudo relativo, tudo é perspectiva.

Não quero comer, quero ficar aqui, no escuro, sem ter de lidar com ninguém, hoje não posso.

Deixem-se estar, façam de conta que fui viajar e ainda não voltei, eu juro que não me importo.

A minha avó materna está mal, pouco me importa, sempre foi uma cabra para os meus pais portanto se agora tem alguma bondade é apenas pelo medo da morte.

Se morrer, usar preto não me irá ser problemático.

Chove, está frio, ontem foi ontem, hoje parece ontem também e estou fodida.

O alemão pediu que o comessem, eu só peço que se afastem e se calem.

Pára, respira, pensa em mãos rugosas a fazerem-te tranças à beira do rio na Carélia.

Costelas elevam-se um pouco, corpo distende-se.

Serenidade induzida.

Obrigada.


III

 

Ele pergunta-me se estou bem e eu minto porque assim não há mais perguntas e ele não se preocupa porque eu não quero que ele se preocupe.

Ele desconfia sempre quando digo que estou normal… não gosto de lhe mentir portanto, opto pelo meio-termo, falámos da chuva de lá e da chuva que começou aqui.


if you smile, there'll be some sunshine for me.


Se fosse qualquer outra pessoa a dizer isto… tu sabes… não atingiria qualquer propósito mas sendo ele, eu abro os bolsos e escondo as mãos de agressão e sorrio sem querer, depois apetece-me fechar os olhos, esquecer os haves' e os 'have nots', como diz o Reznor, e dizer-lhe o quanto estou morta e o quanto dói estar morta porque não estou realmente morta e que, quando não dói, ainda é pior porque não sinto porra nenhuma e portanto apetece-me continuar no credo dos Nine Inch Nails e castigar-me para ver se sinto porque focar-me na dor ajuda a respirar e é a única coisa que não é distorcida por olhos, por canais de televisão, por cultos, por receptáculos e já sabemos o resto de cor e salteado porque nunca mudou, não é verdade?

Mas não digo e continuo a sorrir para que no meio de toda a chuva e frio e multitude e grandiosidade e arquitectura dalinista que possam estar a rodeá-lo, seja sempre quente e solarengo no instante em que ele meter as mãos aos bolsos e fechar os olhos.

 

publicado por Ligeia Noire às 23:47
música: “Dauðalogn” dos Sigur Rós
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04
Abr 13


Estágio primeiro: O sete de oiros


Ora bem, eu não gosto de David Bowie, não gosto de Dream Theater ou de Vivaldi, não sinto nada a ouvir Jeff Buckley ou Bob Dylan, detesto os Beatles e os U2. Só gosto de uma ou duas músicas de Bauhaus e o mesmo se passa com os 69 Eyes. The Cure aborrecem-me ao final de meia hora, o mesmo se passa com Placebo e Clan of Xymox. Não gosto de Siouxsie & the Banshees ou de Nina Hagen mas admiro as senhoras. Não suporto Epica e podia ficar aqui a noite toda.

A mais anuente discípula espelha rapidamente o ódio desde a raiz até às pontas.


Estágio segundo: A lua


Está a rodar aquele cd que veio na última edição que comprei da Elegy Ibérica mas o quadro funerário do unplugged dos Nirvana que nina aos acordes únicos da The Man Who Sold The World não me sai da cabeça.

Alumiado por velas pretas e com boas doses de lírios brancos, um impossivelmente belo Kurt Cobain, de casaco de lã dedilha a guitarra e apazigua o sal do Mundo.

Os cabelos amarelos e intoxicados a caírem-lhe pelos olhos doentes, imensos e tristes, olhos mostrando que mesmo no remoinho de doses e doses generosas de escapismo não perderam o orgulho de animal selvagem, a vontade de alma presa que quer retornar ao criador.

Ninguém poderia ter oferecido a esse desespero uma visão cinemática tão bem conseguida quanto Gus Van Sant.

Acorre-me à memória, a última cena, aquela onde a alma do Blake se desata do casulo e sobe pelo gradeamento da janela francesa em direcção a casa.


Estágio terceiro: O Cavaleiro de espadas


Afinal não há esperança.

As the sun hits, she'll be waiting... canta o vocalista dos Slowdive, banda a que estou a apresentar os meus ouvidos e inteiramente todo o meu ser, pela mão dos Alcest.

Já que o dito vai participar no novo álbum dos franceses, é bom que me aclimate à voz e estou a gostar, não há esforço algum a fazer.

Aos catorze anos abandonei a escola e aos dezasseis tive o meu primeiro trabalho, nessa casa havia uma rapariga de cabelos pretos chamada Natércia que ainda hoje abomino.

Acho que o meu desencanto pela vida deve ter agravado a minha capacidade de adaptação àquele sítio, ainda hoje, se passar pelo local sinto desconforto… ninguém andou à pancada, ninguém morreu mas a contrariedade e o desencanto e a melancolia, sim, pululavam dentro de mim e foi muito difícil concentrar-me no essencial.

Acho que já escrevi para aqui que não gosto particularmente de comer à frente de estranhos e, lá, inventava sempre qualquer coisa para poder comer na cozinha longe deles. Não, não sou anoréctica.

Já não me lembro por que carga de água desatei a chorar mas era um choro familiar, um pranto de sufoco, de desespero, de fundura que se desbravou quando fugi dali para a estrada.

Podia muito bem, a gravidade, ter-se cessado para que as minhas costas se pudessem colar de supetão à superfície lunar.

Passava a maior parte do tempo em silêncio e a Natércia de cabelos escuros e corte anos vinte resplandecia em ares de sobranceria no quanto era experiente, dinâmica, aventureira, forte e vivaça, imiscíveis éramos.

Acho que ela me achava aberrante, quando não me via com desdém.

O meu mais recente cão, um pequenino ladino e castanhito abandonado rafeiro, é muito assustadiço, então cada vez que lhe vou levar comida e tento brincar com ele, ele inclina a cabeça e, angular e mecanicamente esparsa os olhos, confuso e perscrutador, exactamente a reacção dela.

Costumava dormir no quarto de uma senhora com alzheimer mas, depois, comecei a dormir no quarto com a moça, ambas detestávamos e eu preferia mil vezes a velhota nas suas mil e uma inquirições sobre a minha identidade do que a menina que fazia questão de passar o seu caro creme nocturno, usar um pijama moderno e falar alto com o namorado ao telemóvel entre sorrisinhos excitaditos.

Estavas tão longe sua idiota, se querias provocar a minha inveja, estavas siberiana de lonjura.

Ela queria forçosamente transparecer o quanto era urbana, moderna, emancipada, ah e não esqueçamos que usava dois cremes diferentes consoante fosse a lua ou o sol a banhar-lhe a tez.

Havia que mostrar à campónia o que era uma rapariga com maneiras.

O que será que eu fazia dentro de mim, nessas alturas?

O que mais detestava era o seu sorriso de condescendência quando se queixava de mim à madame, ou quando foi mexer no meu saco… talvez procurando pelo meu caderno medicamentoso, (não vou dizer o que encontrou em vez disso) mas hoje que penso nela, refundo a minha posição: não me dou bem com mulheres, a maior parte traiu a minha confiança, a maior parte soa aborrecida, chata, moral, preconceituosa, pequena, retrógrada, consciente demais.

Contudo, as que tenho comigo, estão-me junto ao coração e são raras, amigas mulheres nunca foi o meu forte.

Todas as raparigas dessa época me enojam, as da escola, as da família, as do trabalho, todas miudezas, más, idiotas, ainda as detesto, o ódio em mim é continuo, desde a energúmena da escola primária que me ridicularizava, a esta fulana que trabalhou comigo até eu apanhar a oportunidade de nunca mais lá pôr as patinhas, queria voltar a estudar, disse eu, um dia, e voltei depois de outros trabalhos, depois de outras experiências, depois de outras estações os mesmos olhos cadavéricos a mesma esperança morta.

As the sun hits, she'll be waiting
With her cool things and her heaven

publicado por Ligeia Noire às 01:04
música: "When the sun hits" dos Slowdive
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05
Mar 13


Somos órfãos até de nós próprios.

Abandonámo-nos.

Não há nada aqui, não há magia, esperança, fé.

Não sei como era séculos antes, ou nos primórdios... mas, agora, está tudo ainda mais maquinal do que na ida Metrópolis, não há nada aqui em baixo, já não há, acredito que houve, nalgum momento no tempo mas não agora, não agora.

Não há misticismo, mistério, fantasmagoria, epifanias…

Estive a ouvir Sigur Rós, aquela música que parece uma litania fúnebre.

Nos meus anos de adolescente, lembro-me de estar a ver a tabela de discos na televisão e do nome destes gajos aparecer, várias vezes, por ali. Passavam telediscos deles também, deviam vender bem por cá, aliás sempre tive a ideia de que a relação de Portugal com eles era bastante profícua.

Na altura não ligava muito a música, nem sabia bem o que era.

O que passava era uma merda e aquilo que não o era, não chegava cá.

No caso destes islandeses, não percebia ou achava aborrecido e demasiado divagador, já não recordo.

É curioso que, mesmo na altura da ditadura das editoras, que graças à internet acabou de vez, havia alguns furões que conseguiam escapar até lugares tão recônditos quanto aqui o bosque que, certamente, seria bem mais perdido que Reiquejavique.

Estou a conhecê-los, hoje, depois de tantos anos…  hoje e agora que a minha cultura de música etérea e shoegaziana é um pouco melhor e a solitude mais à vontade.

Nas alturas em que me resvalo, um pouco, da violência para permanecer por outras paragens, páro muito.

Devo agradecer aos Alcest que, tantas bandas novas e admiráveis já me ofereceram e que, uma vez mais, me desataram novos/velhos atilhos.

E, pronto, já que o Winterhalter e o Neige foram gravar o novo disco para a Islândia, no estúdio e com o produtor dos Sigur Rós e, graças a uns pozinhos vampirescos lá me decidi a visitar as encostas destes ambientes sonhados.

Escusado será dizer que as que mais me adocicam são as tristes, as muito tristonhas.

Impossível não me lembrar, um pouco, dos Dead Can Dance, Cocteau Twins e mesmo dos My Bloody Valentine, tudo divindades e, mais uma vez, é preciso maturidade e calmaria para namorar as conchas.

A escrever-te e a lembrar-me do primeiro concerto que os My Bloody Valentine deram em Portugal, foi num festival novo, lá p’ro Algarve, onde os Offspring eram cabeças-de-cartaz e actuavam a seguir aos referidos, já podes imaginar o conflito de públicos…

Li por aí um fã da banda americana dizer que até gostou do som dos irlandeses (à parte do holocausto) mas que gostava que os vocais estivessem mais audíveis, fossem mais proeminentes.

Destaque é tudo o que o Shoegazing não é, aliás, conta-se por aí que o epíteto do género foi começando a pegar porque os guitarristas que iniciaram por este terreno estavam sempre de cabeça baixa, olhos postos nos pés, isto é, nos pedais a causarem a tão definitória distorção.

Assim, a voz neste género não tem a mesma superioridade ou não coloca a cabeça no outeiro como a da ópera, a do rap ou a do RnB.

A voz, aqui, é mais um instrumento, as palavras só estão ali porque sim, podiam significar coisas ininteligíveis, podiam, olha a glossolalia da boca da Elizabeth Fraser, da Diamanda ou mesmo o dialecto esperançoso do vocalista dos Sigur Rós, não interessa, é para o the greater good como diria o Reznor que anda por aí a espreitar.

E não sei porque fui por aqui, eles nem sequer são shoegaze, são pós qualquer coisa, rock, sim rock ah já tinha dito…

E coloquei os auscultadores e fui à deriva até ao monte.

Já estava a escurecer e caiu aquela ambiência nocturna que me causa água na boca, o céu com bocados bem escuros, o vento espesso a sacudir as árvores todas, ainda bem que tinha o cabelo entrançado e preso com ganchos, não chovia e estava frio seco.

Lá de cima, olhei para o lá em baixo e lembrei-me da dureza de tudo e lembrei-me de uma entrevista do Johannes dos Cult of Luna aquando, provavelmente, do Somewhere Along The Highway, ou seria do Salvation?

Não, não era… em que eles tinham ido gravar para um celeiro, ou cabana lá p'ro meio dos nenhures suecos e, durante a noite, viram uma rapariga de branco lá ao fundo e nunca chegaram a saber de onde vinha ou para onde foi…

Bem, se calhar inventaram isso, como inventaram a historia do Holger Nilsson no Eviga Riket, confesso que fiquei fodida, até já estava com ideias de traçar um paralelo entre os males do Reino do Ugín e o mal nascente do Twin Peaks mas agora não me apetece, não, que não existam pessoas, aparentemente, sofredoras de distúrbios mentais a cometerem crimes e a não assumirem os mesmos, acusando seres aparentemente fantasiosos…

Digo isto porque estava ali, no alto, com o vento a levantar as folhas que não caíram e o céu negro cedia algumas pingas de chuva ou lágrimas de Deus porque a música chorava e porque o Mundo é um lugar tão triste e tão sozinho e tão sem pai, porque estou triste e quando estou triste todas as gotas são lágrimas.

 

publicado por Ligeia Noire às 01:08
música: "Dauðalogn" dos Sigur Rós
sinto-me: de noite

16
Mai 12


E digo-me, não escrevas porque hoje não é remédio.

Já se sabe que é tudo sujo e podre.

E continuas a contornar o poço, assim não vale a pena, não podes construir uma casa em cima da que já existe.

Como se acordasses num quarto tomado pelo fogo e não fosses capaz de o apagar, assim como de chamar por auxílio.

Não podes mostrar o que está lá no fundo e como não o mostras pagas por isso, tens de te comportar como se tivesses um prato de porcelana inteiro, como se tivesses começado pela primeira caleira quando nem sequer havia por onde subir.

Habitua-te porque tudo fica sempre pior, se calhar até tu Supremo, até tu te irás.

É que teceste o meu carreiro com tantas malhas, tantas… às vezes acho que não gostas de mim duas vezes.

Há uns dias acordei sem saber onde estava nem que dia era, foi preciso correr um pouco a cortina para reconhecer o hospício.

E vou continuar a fazer ninho à volta do incêndio.

Não esperes mais de mim no que diz respeito a este eterno rosário porque nada dele posso desfiar aqui, oxalá fosse poetisa ou pintora para compor o ramalhete em tons cerrados, oxalá fosse feliz e a filha negra não existisse e não precisasse, constantemente, de escrever.

Oiço uma das novas canções dos Anathema. A dado momento a voz feminina entoa:

Why I should follow my heart?

Não, não há porque seguir o coração, aliás, a emotividade é um belo dum entrave.

Agora que penso nisso… tive um namorado que, a páginas tantas, me acusou de ser fria, não percebi um caralho do que ele quis dizer com aquilo, pois não me fazia sentido, mais um cravo no caixão branco, mais um que não fazia a mínima ideia de quem era aquela rapariga para quem estava a olhar.

Se queria dizer que os meus olhos só brilhavam quando ia para o campo, quando ouvia, tinha e entrava na minha música, quando tinha dinheiro, quando os arbustos floriam pelas ruas ou quando provei vodca finlandesa na tasca da rua... com as moças de... da cidade, de... Então entendo e assinto.

Nunca pedi desculpa porque tenho o símbolo dos quatro cantos bem visível.

Nunca fui feliz por andar de mão dada, mas já fui feliz quando me ofereceram a poesia do Mário de Sá-Carneiro completa, quando atei um cordel azul na sapatilha de uma rapariga de olho azul, quando comprei o meu primeiro disco da Diamanda Galás, num sítio que, ainda por cima, estava a passar um tema de Suas Majestades Infernais, ou em todas as vezes que ando à chuva, a sério.

Quando provei o mar de Inverno com a-rapariga-que-tem-nome ou, ainda, quando descobri que há flores que ao invés de se deixarem colher nos ceifam para si.

Meio caminho andado para a felicidade, se se souber que ela é fragmentada e de instantânea compleição, assim como o leite com chocolate em pó.

Por falar em chocolate, sinto-me feliz sempre que sei ter quatro ou cinco tabletes guardadas.

Sou feliz numa hora, sou feliz pelas coisas e pelos instantes, a felicidade não dura mais do que uma rosa em flor.

publicado por Ligeia Noire às 03:00

23
Fev 11


A cesta de medronhos que abona os teus braços e o rio de sangue que corre nos teus cabelos.

Inumo as unhas nas tuas mãos e és o cálice de vinho que derramo na boca.

Ganho-te beijos e sabes como gosto de te toldar os sentidos.

E hoje queria ser violenta e deixar a doença entranhar-se-me na carne mas, eis que chegaste, condensada, e a beleza é o melhor pasto.

Não sejas cândida e tão de porcelana, hoje… desenlaça o viveiro e abre os olhos.

Vem comigo.

Os tempos da santíssima trindade terminaram mas schiuuuuuu isto é um segredo bem pequenino.

Desce as escadas, esta noite vamos aprimorar a decadência.

Vê-los ali?

São tão belos, são assim porque a perfeição lhes nasce da alma.

O chão atapetado de cimento frio e catalítico e eles dançam e dançam, cheios de anestesias diversas.

Os corpos, máquina perfeita, imagino o quão vermelhos estarão os seus corações, os ramos de capilares na pele rendada, os cabelos que tapam os rostos, o passado veio poisar no cenáculo e as oferendas banham-se em cristais de gelo.

Anda comigo, desce as escadas e vamos soltar os cabelos.

Fugir do mundo, hoje a lua abriu-se e os mortos jazem por ela.

Deixa-me encher-te o peito e as veias, deixa-me dar-te liberdade e fazer-te pairar sem embargo.

Hoje tomo conta de ti, hoje estás no altar do mundo e o cenáculo é a tua casa.

Só é possível encontrar e usar este caminho, se o teu corpo se coadunou com o abismo.

Olho-te dentro e estás pronta, estás livre e enquanto a liberdade se encarna de vontade, somos todos nossos e somos todos sozinhos, a celebrar a alienação.

Gosto de deixar estes anjos assim… trazê-los à flor da pele e narcotizar-lhes a realidade para que possam viver uma noite à luz da lua e florescer de braços nus para a música.

O encantamento maior, a delícia mais sublimada e opiácea.

Sorris muito, sorris por entre esse teu cabelo de medronhos e olhos tenros.

Fazes-me bem, inspiro-te completa e danço contigo.

Se é saudável?

Não, não é.

Provavelmente amanhã irás sentir o corpo a fermentar e o céu cinzento vai entrar-te todo de uma vez nos olhos.

As cadeiras onde te sentares e as salas onde tiveres de guardar o corpo irão parecer-te masmorras embebidas de olhos escancarados.

Linhas de gumes afiados irão nascer-te por todo o lado, as bolachas 100% especiais irão dar-te sarna e vontades de lhes escacar os dentes, um a um, irão nascer-te nos dedos... mas ficarás a repousar a seiva que te escorre das unhas e guardá-la-ás nos bolsos.

Não queres assustar os pacotes extra-saborosos que aguardam todos os dias pelo sol mas que se auto-agraciam com a noite, envenenando-a de tédio.

Todos os bichinhos correm da sombra para o sol.

E noites de destruição massiva não podem ser domesticadas e regularizadas.

Não assinas pela tua integridade, nem esperas repetição.

Acontece assim, como um sonho em que apareces nua e rosácea no meio da erva-molar orvalhada, da qual nunca acordas inteira.

Olho para ela e olho para todos e olho para mim e sinto o sangue com pressa de chegar à carótida e cava-me lanhos no peito e sinto-o distender-se imensamente.

As anestesias correm-nos de uma ponta a outra e sinto-me toda.

Dançamos em júbilo e derramamos jóias dos olhos e da boca.

Ela renasce nos meus braços e já não somos pessoas, somos lobos brancos e cinzentos e castanhos e negros e uivamos à deriva.

O mar estende as ondas enroladinhas e quebramos o suor na sua frieza de Inverno.

Damos as mãos e abraçamos os nossos corpos de matilha.

Sei que ao cruzares a hora das bruxas tudo se esvairá da tua memória.

Resta-te o cabelo de sangue e a cesta de medronhos, atravessa a ponte e corre para casa, dorme e prepara a domino para a selva.


publicado por Ligeia Noire às 21:57

21
Nov 10


We are like roses that have never bothered to bloom when we should have bloomed and, it is, as if, the sun has become disgusted with the waiting.


Charles Bukowski


publicado por Ligeia Noire às 00:32

17
Jan 10


Por isso não pensou em suicídio: existem angústias tão desoladoras, tão infinitamente cruéis, que nós temos a sensação nítida de que já passámos para além da morte, em muitos dias da vida, por coisas de bem menor importância, por mil complicações enervantes e mesquinhas, lembrámo-nos de desertar com uma bala, chegámos até a pegar no revólver.

 

Porém, em face de uma catástrofe horrível nunca admitimos a hipótese de a vermos consumada, não pensamos nem por um segundo nessa libertação. Não pensamos porque a nossa dor foi tamanha que mesmo na morte não acharíamos refúgio para ela, a nossa dor foi tamanha que realmente morremos já.

 

E como morremos já, não importa que continuemos vivos. Demais, ao peso dessa angústia, toda a nossa vontade ficou abolida. Ora, digam o que disserem, ainda é imprescindível uma grande força de vontade para desfecharmos uma pistola sobre nós próprios, para nos precipitarmos de uma ponte, para emborcarmos um frasco de veneno.


-Ah, quer dizer: Você não considera o suicídio uma covardia?

Mas de forma alguma! Acho até que um suicida é uma criatura de enorme coragem. Escusam de me interromper…

Sei muito bem que um suicida é um desertor: a existência torna-se-lhe impossível; ele fugiu-lhe. Perfeitamente. No entanto, para fugir, teve que praticar um acto muito mais violento – logo, muito mais corajoso -- do que praticaria se continuasse a viver. Se continuasse vivo, conformava-se no fim de contas com a lei comum. -- «A vida é um sofrimento eterno» -- Sujeitava-se. Mas ele não se sujeitou, morreu às suas próprias mãos – isto é: revoltou-se. Ora, meus amigos, «revolta» foi sempre sinónimo de audácia, de coragem, de energia.


Os suicidas! Ah! Com que entusiasmo os admiro, como os respeito! Eles realizaram aquilo que quiseram. Eis a sua grande superioridade. Valem bem mais do que eu, que tenho tanto desejo e nunca serei capaz de despejar um revolver sobre o meu crânio. Quem vive bocejante, lazeirento como eu vivo, e continua a viver, não é só um covarde – é um miserável.


Rogo que não vejam nisto o pessimismo oco e banal da mocidade literária. Embora de um escritor, estas palavras por acaso são sinceras: tenho vinte e dois anos, e não creio em coisa alguma; olho em volta de mim e não vejo nada que me atraia, nada que me encante, nada para que viva. Sinto, verdadeiramente sinto, que me barraram todo o corpo com uma camada de gesso muito espessa que me prende os movimentos, me aniquilosa os músculos.


Para a doença física em que a vida se me tornou, só existe um remédio: o aniquilamento. No entanto, nunca terei a força de vontade necessária para absorver esse temível elixir. Os meus amigos podem estar perfeitamente descansados. Apesar de tudo, continuarei vivendo; apesar de nada me distrair, não deixarei de frequentar teatros; apesar de não crer em coisa alguma, irei compondo mais livros, sempre mais livros, na conquista de uma vã quimera de ouro… gritando sem cessar a minha desgraça, amaldiçoando a existência, irei gozando do que nela houver de bom – como a outra gente afinal. E escrevi tudo isto…

Literatura, meus amigos, literatura…

 

In O Incesto de Mário de Sá-Carneiro

 

publicado por Ligeia Noire às 21:52

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