“We are like roses that have never bothered to bloom when we should have bloomed and it is as if the sun has become disgusted with waiting”.

18
Ago 13

 

Estou ainda com os olhos mais ou menos nublados e, enquanto escrevo, vejo as minhas unhas vermelhas a acompanharem as letras... penso-me.

O vestido e os sapatos estão ao fundo da cama, a cesta ficou lá, vazia.

Continuo triste, continua a apetecer-me chorar, há muita tristeza aqui.

Lá longe oiço tambores, lá longe ficaram pétalas e olhares mumificados nas pedras onde calculava o tamanho dos meus sapatos, oiço Nhor, dos três, Nhor veio comigo para a gaveta.

Quanto mais os via radiantes: os prometidos, os meus amigos, os velhos, mais me caía nas costas a sôfrega vontade apertada de me desculpar e voltar à brisa nocturna e chorar as tripas e os gargalos de garrafas que já não me adulteram ou fazem normal.

Supremo, ai Supremo que tristeza desmedida, que cansaço de ser, que desvontade me aflige que já nem aos meus amigos broto meios sorrisos.

Todavia, não presumas a direcção da cerimónia por minhas palavras porque tudo correu como deveria correr.

As palavras, a impaciência e a beleza dela, as flores…

No livro escrevi apenas felicidades, não quis ser mais, felicidades foi o que escrevi.

E, de tudo, recordo dois amigos de antes, dois amigos que vieram de longe e me disseram que, mesmo em todo aquele vermelho, eu conseguia sempre ser-me e encontrar-me nos detalhes, a dos cabelos negros diz que eu lhe lembrava uma dama antiga, no meio da conversa da manhã que se prolongava sem rodeios, ainda me esforçava por ser a rapariga de antes, a que ria e recreava os outros, comprazi na mesma mas fui toda oca.

Quis voltar à cama mas, pensando bem, nem era bem à cama ou ao passado, mas à não-vida, não me sentia culpada ou errada, eram os que me rodeavam que não eram iguais, estavam forçados, distantes e crescidos e eu odiava-os naquele instante.

Vi o amigo da amiga, o daquela noite, durante a tarde vi-o e à noite voltei a vê-lo, ora ali, ora acolá, dançava com aquela e a aquela outra e a amiga fingia não se amofinar, estava divertido e entusiástico como sempre, odiava-o também.

Comi devagarinho, e o chocolate ali, que dispensei, porque passou a ser acto ritual.

Sabes, entristece-me sobretudo toda esta coisa de festa, toda esta, por vezes, encenação (que o tem de ser) em conflito com o dia de amanhã, acho que é esse o meu tormento, estou sempre no acabar, no depois, na nostalgia dos pratos com migalhas, nas fitas calcadas debaixo das mesas, nas flores secas, nos vestidos amarrotados, nas salas vazias, nas fotografias que não crescem e não mutam e por isso lhes invejamos e carpimos a perfeição.

Nos gestos efémeros do amigo da amiga que encontrámos nas traseiras, enquanto esperava que fumassem para tomar um café e lhe observava a cadência e o sorriso com que organizava a surpresa.

Foram folhas de fiteiro, garrafas, papel e outras malandrices com que ia enfeitando o carro, imagens que me iam chegando ao canto do olho direito.

Já havia luar e eu não havia nada, tudo ali se me oferecia se quisesse mas eu não queria nada, senão ser outra, confesso-te aqui e agora, ser outra sim.

Não sei, se sei bem dizer isto, se calhar até nem é bem isto que sinto mas por agora é assim que o pergaminho das despedidas me invade o coração, ser outra, uma rapariga mais coadunada, mais tudo e menos tudo.

Às vezes canso-me de não saber ser e de nunca encontrar o alçapão.

Às vezes, gostava que todos os outros dissessem que não sabem ser também ou serei apenas eu?

Eu que não aceito, eu que não quero, eu que não vivo, eu que não progrido, eu que não choro sem paredes, eu que não finjo ou só finjo, eu que não sei, eu que não sei ser.

Eu que só estou e que compreendo que ele e o chocolate ou o champanhe que não bebi, não iam mudar nada, porque nada mudaram no passado.

Quem sou eu meu rei?

Quem sou eu que me resvalo pelas entranhas do mundo e me deixo conservada em vinagre que vai vertendo na infinita roda do destino?

Que pessoa sou eu, meu rei e senhor, que não se completa, não sorri por dentro e não recebe de ti a bênção da evasão final?

Meu amo porque não me alforriais?

Por que me acorrentais e esgaçais o pescoço neste sem-fim de sentimentos nublados e desarranjados que me corroem a barriga e me devastam o peito?

Por que existem outros aqui, neste vosso reino, por que existem tantos outros, tantas mãos e sorrisos e vontades e coisas que eles fazem ali ao fundo e no canto e lá fora e me chegam pelos cantos dos olhos?

Quero-as tanto como comer baunilha mas depois vou e já não quero e já não sei e já não sou e já não desejo mas sigo igual, estancada e desiludida por não ser uma rosa fresca e matutina.

Eu duro.

A vossa vassala, humilde serva, destituída de albergue, enxerga e um prato de comida que sacie, deambula por caminhos alumiados pelo luar à procura da vossa graça, do vosso consolo.

Ofertar-vos-ia os meus ouvidos e as minhas mãos para me curardes, enrolardes no vosso colo e me ensinardes a ser uma pessoa direitinha, uma alma sem resquícios de águas silentes de juncais.

Meu rei, soberano de mim, a ti me entrego, todo o meu ser a vós se entrega, já não sou minha, nunca me fui, talvez…

E, talvez, se calhar, só neste caderno medicamentoso, caderno de horas, o tenha esclarecido.

Rei celestial, rei de mãos duras e cabelo comprido, amai-me, refazei-me, sou eu, aqui, aqui na beira do rio, vestida de sargaças à espera que me entrances o cabelo, amo-vos.

 

publicado por Ligeia Noire às 12:19
música: "The branches are gathered" de Nhor

27
Mai 13


I


Fui convidada para ser dama-de-honor há uns meses, serei dama-de-honor daqui a uns meses, o vestido está finalmente pronto, gosto do vestido, gosto muito dela e sabia que seria a primeira a casar porque assim o descobrimos há uns anos na mesa da cozinha.

Enquanto escrevo, corre o Madison County na televisão pela décima vez, talvez.

Está no momento em que a realidade bate à porta, ela começa a perguntar-lhe como funciona a cena dele com as mulheres à volta do mundo, que ele não precisa de ninguém, ela é que vai ficar ali, a sentir-se culpada porque é a casada e ele é que é o cidadão do mundo, ele não quer precisar dela, ela diz que ele é um hipócrita.

Não sabia já ela que iria ser assim, não sabia já ela que ele teria de ir, que as paixões não são eternas porque senão não eram paixões?

Por que queremos possuir o instante, estender o momento, ou melhor, por que razão é momentânea a felicidade?

Faz-me lembrar as borboletas que pousavam nas flores dos mentrastos quando eu era pequena.

Eu tentava agarrá-las mas se apanhasse alguma, se lhe tocasse com os dedos e apertasse as asas, ela deixava de voar, seremos assim tão malditos que estamos condenados a ver o anjo da salvação do outro lado da escarpa mas tentar chegar-lhe significa a queda no abismo?

Mas que porcaria de vida com sentido tão perverso.

 

II


Aquele momento em que te está a apetecer explodir o crânio e te aparece do nada, qual cogumelo, um conhecido com o qual tens de lidar momentaneamente.

Inspiras, gretas um sorriso e falas sem te ouvires.

Às vezes, sou rude, há outras em que me consigo controlar e desafiar a gravidade porque sei que assim é mais fácil deixarem-me em paz com as perguntas inúteis e as conversas de absolvição e soluções de quem vive pela medida equilibrada.

Chega-se a um ponto em que já não se consegue voltar atrás, temos é de ter cuidado e astúcia suficientes para nos lembrarmos dos detalhes que usámos, depois… depois as mentiras vão ganhando vida e história e, uma vez maturadas, até nós acreditamos nelas.

E deixa de ser difícil, deixam de ser indigestas.

Afinal de contas é tudo relativo, tudo é perspectiva.

Não quero comer, quero ficar aqui, no escuro, sem ter de lidar com ninguém, hoje não posso.

Deixem-se estar, façam de conta que fui viajar e ainda não voltei, eu juro que não me importo.

A minha avó materna está mal, pouco me importa, sempre foi uma cabra para os meus pais portanto se agora tem alguma bondade é apenas pelo medo da morte.

Se morrer, usar preto não me irá ser problemático.

Chove, está frio, ontem foi ontem, hoje parece ontem também e estou fodida.

O alemão pediu que o comessem, eu só peço que se afastem e se calem.

Pára, respira, pensa em mãos rugosas a fazerem-te tranças à beira do rio na Carélia.

Costelas elevam-se um pouco, corpo distende-se.

Serenidade induzida.

Obrigada.


III

 

Ele pergunta-me se estou bem e eu minto porque assim não há mais perguntas e ele não se preocupa porque eu não quero que ele se preocupe.

Ele desconfia sempre quando digo que estou normal… não gosto de lhe mentir portanto, opto pelo meio-termo, falámos da chuva de lá e da chuva que começou aqui.


if you smile, there'll be some sunshine for me.


Se fosse qualquer outra pessoa a dizer isto… tu sabes… não atingiria qualquer propósito mas sendo ele, eu abro os bolsos e escondo as mãos de agressão e sorrio sem querer, depois apetece-me fechar os olhos, esquecer os haves' e os 'have nots', como diz o Reznor, e dizer-lhe o quanto estou morta e o quanto dói estar morta porque não estou realmente morta e que, quando não dói, ainda é pior porque não sinto porra nenhuma e portanto apetece-me continuar no credo dos Nine Inch Nails e castigar-me para ver se sinto porque focar-me na dor ajuda a respirar e é a única coisa que não é distorcida por olhos, por canais de televisão, por cultos, por receptáculos e já sabemos o resto de cor e salteado porque nunca mudou, não é verdade?

Mas não digo e continuo a sorrir para que no meio de toda a chuva e frio e multitude e grandiosidade e arquitectura dalinista que possam estar a rodeá-lo, seja sempre quente e solarengo no instante em que ele meter as mãos aos bolsos e fechar os olhos.

 

publicado por Ligeia Noire às 23:47
música: “Dauðalogn” dos Sigur Rós
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05
Abr 13


Ante Scriptum: A letra é genial, assim que ouvi a canção na série dos irmãos e do anjo caído, não cessei enquanto não a descobri, diz tudo.


It's cold outside
And I'm not quite
Ready for the morning light
My hands are tied

'Cause if I tried
To leave this place I'd surely die
I'd surely die
Hey, hey, hey, I'd surely die

There's stories of
Way back when
A guy got out and made it there
I think I'm gonna give it a try
Even though I'll surely die
I'll surely die


Hey, hey, hey, I'd surely die


lyrics by The Rubens/letra da autoria dos The Rubens

 

Olá tell-tale heart.

Foi há um ano, talvez?

Escuta a estória com as palavras sonorizadas da minha boca:

-Não consigo respirar, estas paredes, esta altura toda, já não são as pessoas, é o imbróglio todo, não sei o que fazer.

-Sai, se te sentes presa sai para onde não haja barreiras visíveis.

Saí do quarto, fechei a porta, desci a escadaria até à rua, abandonei a estrada, saí da cidade e mesmo se saísse do país o sufoco continuaria, como se a força da gravidade tivesse triplicado e me empurrasse, não para baixo, mas para dentro de uma caixa onde só podia estar corcovada.

Aninhada como uma cadela espancada.

Como podia parar de sentir aquilo se o mundo é redondo?

Se não há uma aresta por onde resvalar?

-Como abrir a porta daqui para fora?

-Espera.

E as mãos suavam e o peito contraía-se e não conseguia inspirar, doía-me o estômago, tremiam-me as pernas e o choro era convulsivo e aleijava que chegasse.

O medo de algo iminente era industrial e sangue caía-me do nariz para a boca.

Fechei os olhos e sentei-me no chão, com as palmas das mãos bem abertas no azulejo frio.

Rezei para que parasse.

Ainda houve uma noite em que acordei com uma hemorragia nasal e noites se seguiram em que queria chorar mas privei-me de o fazer.

Aprendi a distinguir o choro sufocado e agressivo, do natural e quando o primeiro me espremia a garganta, desabotoava o que quer que tivesse vestido e punha a música mais alto, sabia no que ia dar se me deixasse levar, tinha medo de morrer.

Era como se estivesse nua e o adamastor tivesse as patas a abarcarem-me as costelas todas.

Ainda tenho pesadelos de que acordo lavada em suor, estertores, dores no peito mas há também este caderno medicamentoso, violências, pingentes de gelo e visitas a Baco em dias de solenidade.

publicado por Ligeia Noire às 00:02
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17
Mar 13

 

Todos os dias são bons para ir embora, bater com a porta, visitar a barriga da Terra, todos os dias são bons para desertar, podem não prestar para mais nada mas para fechar o ciclo servem sempre.

É Supremo, é isto a querer subir-me pelas pernas e perpassar as órbitas outra e outra vez, não há volta a dar.
Estou cansada de não ter cordas para subir, são sempre as minhas pernas, são sempre os meus braços, os amigos de todas as horas.

Até o musgo se abastece demasiado desta cercania de pedra meia molhada.


(…)

Beyond this beautiful horizon
Lies a dream for you and I
This tranquil scene is still unbroken by the rumors in the sky
But there's a storm closing in
Voices crying on the wind
This serenade is growing colder breaks my soul that tries to sing
And there's so many, many thoughts
When I try to go to sleep
But with you I start to feel a sort of temporary peace

(…)

 

É o que sinto com ele, doçura, paz, sinto carinho, sinto o final do mar, o mar agreste de Inverno: calmo e ininteligível.

E fazer-me sentir isto já faz parte do mover céu e Terra.

É tudo turvo na minha vida.

Em nada me satisfiz, em nada me completei, tudo me empurra para a cave do rato de bigodes encarquilhados e é por isso que não posso deixar que este braço deixe de estar estendido, não posso ser eu e o Mundo.

Não agora, neste tempo, com esta idade, já escasseiam as coisas bonitas e a vontade de abrir os olhos para que elas me façam sol.

São os Anathema que me enrolam no colo hoje, colhendo-me as lágrimas, enquanto vou empurrando a cabeça como um gato até que me esconda toda e faça noite.


There's a drift in and out, there is always going to be a drift in and out...


publicado por Ligeia Noire às 23:12
música: "Temporary peace" dos Anathema

29
Mar 11


WHITE LANDS OF EMPATHICA

 

The end.

 

The songwriter's dead.

The blade fell upon him

Taking him to the white lands
Of Empathica
Of Innocence
Empathica
Innocence

 

HOME


The dreamer and the wine

Poet without a rhyme

A widowed writer torn apart by chains of hell


One last perfect verse

Is still the same old song
Oh Christ how I hate what I have become

Take me home

Getaway, runaway, fly away
Lead me astray to dreamer's hideaway
I cannot cry 'cause the shoulder cries more
I cannot die, I, a whore for the cold world
Forgive me
I have but two faces
One for the world
One for God
Save me
I cannot cry 'cause the shoulder cries more
I cannot die, I, a whore for the cold world

My home was there 'n then
Those meadows of heaven
Adventure-filled days
One with every smiling face

Please, no more words
Thoughts from a severed head
No more praise
Tell me once my heart goes right

Take me home

Getaway, runaway, fly away
Lead me astray to dreamer's hideaway
I cannot cry 'cause the shoulder cries more
I cannot die, I, a whore for the cold world
Forgive me
I have but two faces
One for the world
One for God
Save me
I cannot cry 'cause the shoulder cries more
I cannot die, I, a whore for the cold world

 

THE PACIFIC

 

Sparkle my scenery

With turquoise waterfall

With beauty underneath
The Ever Free

Tuck me in beneath the blue
Beneath the pain, beneath the rain
Goodnight kiss for a child in time
Swaying blade my lullaby

On the shore we sat and hoped
Under the same pale moon
Whose guiding light chose you
Chose you all

I'm afraid. I'm so afraid.
Being raped again, and again, and again
I know I will die alone.
But loved.

You live long enough to hear the sound of guns,
long enough to find yourself screaming every night,
long enough to see your friends betray you.

For years I've been strapped unto this altar.
Now I only have 3 minutes and counting.

I just wish the tide would catch me first and give me a death I always longed for.

 

DARK PASSION PLAY

 

2nd robber to the right of Christ

 

Cut in half - infanticide
The world will rejoice today
As the crows feast on the rotting poet

Everyone must bury their own
No pack to bury the heart of stone
Now he's home in hell, serves him well
Slain by the bell, tolling for his farewell

The morning dawned, upon his altar
Remains of the dark passion play
Performed by his friends without shame
Spitting on his grave as they came

Getaway, runaway, fly away
Lead me astray to dreamer's hideaway
I cannot cry 'cause the shoulder cries more
I cannot die, I, a whore for the cold world
Forgive me
I have but two faces
One for the world
One for God
Save me
I cannot cry 'cause the shoulder cries more
I cannot die, I, a whore for the cold world

Today, in the year of our Lord 2005,
Tuomas was called from the cares of the world.
He stopped crying at the end of each beautiful day.
The music he wrote had too long been without silence.

He was found naked and dead,
With a smile in his face, a pen and 1000 pages of erased text.


Save me

 

MOTHER & FATHER

 

Be still, my son

You're home

Oh when did you become so cold?
The blade will keep on descending
All you need is to feel my love

Search for beauty, find your shore
Try to save them all, bleed no more
You have such oceans within
In the end
I will always love you


The beginning. 

 

letra da autoria de Tuomas Holopainen/written by Tuomas Holopainen


publicado por Ligeia Noire às 21:47
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20
Jan 11


Desculpas e mais desculpas para me resguardar do dia.

Evasivas e mentiras para tapar todos estes buracos, grandes buracos, profundas crateras.

E, enquanto as lágrimas resvalam para a boca, apercebo-me que sou feita de solidões e desamparos de outras vidas.

A doença acresce-me e sinto-a nas veias, lateja e queima e rói e não dorme.

Sabes que é para mim e para ti Supremo, que escrevi, escrevo e porventura, escreverei.

Não há intuito estético, ornamental ou literário, isto é-me intrínseco, apaziguador, involuntário e controla-me a agonia.

Nada mudou realmente, nada chegou, nada se completou.

Lembro-me de terem dito que isto era uma maldição e agora compreendo o alcance da palavra e compreendo também a dimensão do negro que nunca me vai sair de dentro, vista eu o que vestir.

Sei que não saberia ser diferente, sei que nunca vou ser feliz.

Sei que nunca vou ser completa, sei que nunca chegará.

Sei que nunca ninguém navegará os meus olhos e sei que de nada adianta tê-los abertos.

Sei que estou cansada e sei que estou doente há alguns anos mas que da cura... nada sei.

Sei que sou pouco e em breve serei nada.

Sei que esta vida que me prescreveram, me inutiliza e abate.

Tenho o cansaço todos os dias injectado na minha jugular, como um vampiro raquítico.

Por tudo o que encontro perco sempre em dobro.

Por tudo o que sou e não soube fruir.

Sei de tudo isto desde pequena e tenho pena por mim, como se fosse um rato mirrado no fundo das escadas, sem força nas patas pequenas para subir.

Escaco-me constantemente, obrigo-me constantemente, procuro incessantemente e dói e dói e nunca parou de doer.

Lanceta-me o peito e arde nos olhos.

Já mendiguei cessação.

Iludi-me com atalhos infundados ou cerrados.

Usei e abusei de violência.

Já me guardei numa caixa

Já vivi para devaneios.

Mas lanceta-me o peito e arde nos olhos.

A resignação é custosa mas acho que já cresci o suficiente para a aceitar.

publicado por Ligeia Noire às 21:58
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13
Jan 11


Chego e sento-me e olho quieta para o céu nocturno da cidade que me acolhe.

Na minha terra os únicos pássaros que interpelam a noite são as corujas e os mochos e, claro, os morcegos mas essas são criaturas de outros passeios.

Aqui, desde ontem que oiço chilreios constantes à hora das bruxas, como se dialogassem com a noite.

Estarão presos por certo, não os imagino em árvores.

O que mais sinto falta neste quarto anti-séptico, nesta terra de ruelas, é a solidão deliberada, a dança a horas da vontade, deambular e restar-me em sítio incerto e calmo.

Enquanto aqui sigo sentada, ao som do chilreio nocturno de pássaro que desconheço, percebo-me calma, aquietada mas também triste, não triste por mim, hoje não, mas triste por saber-me certa da minha solidão de entendimento.

Não me atingem e eu canso-me.

Sei que sabes que já falei disto mas acabo sempre por pisar no charco, não é?

Curioso, o ser humano, sempre à espera que da próxima vez seja diferente, sempre a esperança, a luz ao fundo do túnel que como diz o Valo a maior parte das vezes, senão todas, é apenas um comboio em andamento.

E move-se rápido e atinge-nos e nunca morremos, nem saímos do percurso porque a viagem é circular e não há esquinas para nos escondermos, ou caminhos alternativos.

E no meio de toda esta conclusão que me atinge sempre, tenho momentos, ou tive momentos em que pensei que nem tu, espírito distante, escapavas, pensei já não te conhecer e, perdoa-me dizê-lo, mas até não te gostar, não te conseguia escrever, as palavras não existiam e tudo o que me saia dos dedos não ladeava o coração.

É muito tempo sabes, é muita água, muitas rosas esfaceladas e nuas além-caminho.

Muito tempo, muito tempo mas questionar é natural e por certo continuo a amar-te.

De ti falei e de ti haverei de falar em palavras escritas mas precisas esperar porque tu és e eu preciso de muito tempo para agarrar palavras para ti.

E tu,flor-estranha-da-selva, por ti tudo é mais fácil porque o que te sinto é feito de carne e abraços.

A ela, jamais a perderei porque é minha, já tu, nunca serás meu.

E eu preciso colher as flores e levá-las para a minha câmara para as contemplar a noite inteira.

Tu tens sido demasiado constante, tu que deveria detestar calmamente, adoças em demasia e fazes-me ansiar demasiado, tu assustas-me tanto.

E ainda faltas tu, minha mourning child, disseram-me que pareces doente, que o teu rosto está sereno e triste e pálido, muito pálido, que os teus braços e pernas estão finos, o teu cabelo escuro e pousado nos ombros, está tão quieto como tu, o teu colo e o teu peito estão sós e o teu corpo está delgado.

Eles não entendem, eles não te sabem abraçar e eu sei mas não posso.

Gostava de ter esse teu corpo frágil no meu colo e fazer-te chorar noites inteiras para que finalmente pudesses prosseguir a vida.

Não te quero entender a dor, particularmente essa, que jamais te vai abandonar, receio, mas tudo o que fizeres, eu não questionarei, o amor de sangue é extremo e eu não questiono.

Mas permite-me que refira o quão bela me pareceste, o quão formosa a quietude te poisou no rosto, apenas as lágrimas perturbavam a brancura dos teus traços, jamais te havia vislumbrado tão bela e, apesar de terem sido olhos alheios a dizerem-me da tua curta visita, pressinto que continuas bela porque continuas triste.

Perdoa-me se te soo incorrecta e assaz íngreme mas não existem desvios ou imprecisões nestas palavras.

Recordo o momento em que me abraçaste com olhos de ribeira… o mundo ruiu cá dentro por saber-me sem curas para o teu pesar, para o corte abrupto e imperecível com que o teu coração foi afrontado.

Quando de ti me falaram, eu sabia que tinha de voltar a desenhar-te, a acabar-te o devaneio em que no passado Verão te enleei.

Sei que não lês isto e fico contente, pois acredito que este mundo começa à noite e para lá dos nossos olhos, onde as almas deambulam e se cruzam e dançam e nada mais importa.

Gostava de deitar-me em mantos de veludo carmesim e deixar a Clair de lune embrulhar-me e colocar-vos jarras, imensas de flores.

Das minhas mãos só podem sair carícias, dos meus braços laços ininterruptos e do meu peito, do meu peito e no meu peito mantenho tudo guardado nada sai.


publicado por Ligeia Noire às 04:04
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16
Dez 10


Pode ser que se dormir isto passe.

Pode ser que ao fechar os olhos o peito se feche também.

Pode ser que as lágrimas me sequem o sangue.

Pode ser que um dia consiga abrir-me e celebrar o mundo.

Pode ser que um dia o longe se torne atingível.

Pode ser que um dia os meus retalhos façam um todo.

Talvez um dia alguém me atinja.

Pode ser que finalmente queiras descer e deixar que eu me aninhe no teu colo, como bicho desfeito, nu e em carne viva e me permitas chorar-te o mundo.

A minha dor é tão pesada que tenho medo de morrer se ela me aflorar à boca.

Já não há pelo que esperar, acabou.

Podes levar-me Supremo

Unge-me e por favor tira-me toda a carne para que deixe de sentir.

Liberta-me e acolhe-me em tudo o que é puro, estou pronta.

Suplico-te, arranca-me do vale do desterro.

Tu mandaste-me de volta?

Lembras-te?

Eu não quero mais isto.

Deixa-me ir embora.

publicado por Ligeia Noire às 05:11
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24
Nov 10


Na podridão, que doa, que enoje, que deixe marcas de suor e unhas partidas.

Que aleije e perdure.

Que deixe o corpo amontoado, despido de pele.

Ou então deixa-me estar.

Que faça fechar os olhos e se funda comigo.

Que a luz expluda em lírios brancos e a pele seja toda ópio, absinto, heroína e rebuçados sem o dia de amanhã.

Corpo de linho, mãos de tecedeira afã.

Tão forte que o meu rosto se transforme no espelho de todos os dias.

Ou então eu jamais consentirei.

Ou então deixa-me estar.

 

II

 

 

E continuaremos a perder-nos, neste rio de tristeza e desilusão, até não sentirmos dor.

De pés ensanguentados, de mãos espinhosas e cobertas de abrolhos do vale do desterro.

Há golpes que demoram a ser desferidos.

Cresci a saber que todos somos desenhados para devorar o nosso próximo na fome.

 

 

III  


Sinto-me nua no meio do mato e do silvado.

O desejo de retornar, abre-me crateras no peito.

Tudo parece rodopiar e a minha cabeça não se segura.

Se pudesse gritar…

Se pudesse gritar tudo…

Gritar muito…

Gritar

Gritar

Gritar

Vociferar

Berrar

Bradar em silvos delapidados de graça.

Se pudesse gritar até rasgar a garganta e esfacelar o coração...

Partir o peito e calcá-lo como Cristo calcou a serpente no monte das oliveiras.

Se eu pudesse gritar esta indizível tristeza.

Este mundo de desespero.

Este caudal farto e infecto de dor que corre em círculos sistémicos e resulta em espasmos.

Desfazê-lo em sangue líquido e ir embora.

 

publicado por Ligeia Noire às 12:11
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06
Jan 10


Hurt


I hurt myself today

To see if I still feel

I focus on the pain

The only thing that's real

The needle tears a hole

The old familiar sting

Try to kill it all away

But I remember everything...

What have I become?

My sweetest friend

Everyone I know

Goes away in the end

You could have it all

My empire of dirt

I will let you down

I will make you hurt

I wear this crown of shit

Upon my liar's chair

Full of broken thoughts

I cannot repair...

Beneath the stains of time

The feelings disappear

You are someone else

I am still right here...

What have I become?

My sweetest friend

Everyone I know

Goes away in the end.

And you could have it all

My empire of dirt

I will let you down

I will make you hurt

If I could start again

A million miles away

I would keep myself

I would find a way

 

Lyrics By N.I.N./Letra dos N.I.N.

publicado por Ligeia Noire às 17:34
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