“We are like roses that have never bothered to bloom when we should have bloomed and it is as if the sun has become disgusted with waiting”.

01
Set 13

 

Ainda não o ouvi, estou no Aenigma, ainda, eu sei.

Já o ouvi tantas vezes e não me canso, estes sim, são os In Vain do Latter Rain, tenho para mim que a forma melódica como entoam os refrães, por si só, faz milagres.

São verdadeiros cânticos dos cânticos e desculpem lá a associação religiosa que eu sei que detestam.

A fotografia da capa do Teethed Glory & Injury deixa-me fora de mim.

É àquilo que eu chamo sensualidade exacerbada.

Primeiramente porque é uma mulher e as mulheres são mais bonitas do que os homens, depois porque não há cores, depois porque os cabelos são senhores de si e por fim a forma ofertada como ela concebe o corpo aos deuses... as palmas das mãos viradas para cima... parece um casulo, não sei como explicar melhor.

A fotografia chama-me, tanto sexualmente, como em toda a pureza que me resta e a forma como estes irlandeses, agora terminados, falaram aquando do Mammal no ritual funério de lamento devotado ao morto, oiça-se para isso a canção: When The Sun Drowns In The Ocean, casa-se como oiro sobre azul com esta glória dentada e ferida.

Não consigo esquecer a parte do cabelo por pentear: The woman’s hair would be un-brushed and let hang down over the corpse to symbolize the disarray of death.

E, por falar em funerais, ontem fui à missa de sétimo dia e nem sei bem porquê, ao visitar a campa não senti nada e, na capela, só senti calor e dor nos pés por ter ficado de pé com saltos de centímetros demasiados para a ocasião mas eu sou demasiada em demasia e demasiada mesmo às colheres, perguntai ao cavaleiro, não é Supremo, perguntai-lhe.

Dizer que já sabia que estes rasgões se iam mostrar a qualquer altura pela estrada, seria desnecessário, dizer-te que gostam de gatos mas depois não sabem lidar com eles, seria duplamente desnecessário também porque tu sabes e, subsequentemente, sei-o eu também.

E dizer-eu- sabe-me pela vida, porque convocar o eu, é convocar uma entidade com ninho próprio.

Eu não gosto de coleiras, nem correntes, eu gosto da moça enclausurada em si mesma como se estivesse na cerimónia da luz do Luciferismo ou da forma como o corpo da modelo do Ghanem se parece com um animal quando este lhe veste o corpete negro que mais parece uma gaiola mas é isso, assim; não me obstruas o caminho porque eu não reajo bem a ataques infantis de vontades autoritárias.

Nunca deixei de ser a opositora, a rapariga de camisola negra até às unhas de olhos pelo meio do cabelo, pronta a golpear tentativas néscias de aproximação.

Não, não vou sair da elegância dos saltos altos negros, não tenho medo, tenho apenas pena que, talvez, a partir daqui seja sempre a descer mas, como bem sabes, o meu nome é falling e tenho o novo álbum dos NIN para degustar.

 

publicado por Ligeia Noire às 09:09
música: "Hymne Til Havet" dos In Vain

02
Mai 13


The Persistence of Loss


A tristeza que sempre pensei me ter atingindo neste Mundo, vem de outro lado. São demasiadas provas para olhar e deixar passar. Não sei quando começou mas lembro-me da primeira vez que me senti como me sinto quase todos os dias da minha vida, tinha sete anos e nunca mais passou porque não há nada, exteriormente, que chegue ao primeiro anel do toro, ao cerne.

(...) but I never felt that one other person could enter that room and cure what was bothering me...or that any number of people could enter that room.

É por isso que, assim que descobri este desabafo, me apaixonei pelo Bukowski. Não era preciso explicar, falar... o que ele escreveu é tão importante para mim, como a música, e está sentado à direita do meu Mário de Sá-Carneiro.

E, assim, percebi que não valia a pena fugir porque já vim com isto de lá e não adianta esfregar com mais força durante o duche gelado de todos os dias, não vale a pena procurar, é preciso esperar.

Morrer, só aconteceria se significasse que, ao fazê-lo, toda a gente a quem a dor pudesse procurar para fazer ninho se fosse esquecer da minha existência.

Morreria se soubesse que nunca teria existido para aqueles que me tinham... que jamais provocaria tal sofrimento àquele montinho de pessoas e, isso, é uma prisão, não tenhas dúvidas de que é.

Jamais fui tão clara.

E, esta sensação de que algo de que sinto falta não pertence a este reduto, de que amo algo ou alguém que não cabe aqui ou que não conseguiu descer ou encontrar-me, de que conheci alguém sem conhecer neste agora, junta-se a esta melancolia de ser.

Esta devoção solitária crê que houve um septo que separou almas como o carnal separa ventrículos mas ficaram reminiscências.

É uma espécie de Beside you in time, sempre e ao longo do tempo porque o tempo faz o sempre, sem estar lá mas ao meu lado.

Se calhar não tem nada que ver com amor mas não sei descrever melhor, é algo natural, indissociável, estupefaciente, extremo.

Por tal, associo o não me apaixonar -aqui- ao já estar apaixonada -lá- ou então é algo incompreensível para este receptáculo e a forma como ele o reproduz na minha alma traduz-se nesta espécie de amor romântico devoto.

O problema das traduções...

Lembras-te da viagem do David do Space Odyssey por planos e planos de tempo, onde depois vem a encontrar-se com vários estágios de si?

Quem é, ou o que é aquilo pelo qual anseio?

O que é que preenche este buraco?

Esta cratera, quem é?

Sou eu?

És tu?


Parques industriais com passagens subterrâneas para linhas férreas transiberianas

 

Eu costumo ter pesadelos com comboios, viagens neles, a estrutura deles, as linhas, os túneis, enfim uma rebaldaria. O último foi com um transiberiano branco e um túnel de que já não me recordo mas que me fez sentir inquieta a sério. Aliás, esse não foi propriamente o último. Há umas semanas, sonhei com uma zona industrial rodeada de pinheiros mansos. Só havia um pavilhão, lembro-me de máquinas gigantes que me fizeram tremer e acordar transpirada como se estivéssemos em Agosto.

Esses bichos mecânicos, provavelmente, serviriam para construir coisas ainda maiores, como navios mas aquilo não era um estaleiro naval, aliás, nunca sonhei com rios ou mares ou oceanos, água não faz parte da minha vida onírica, excepto daquela vez e não estava num rio ou mar estava no telhado de uma fábrica que se ia inundando, era um lençol de água e penumbra que cobria tudo.

Mas, se não eram navios, seria para construir aviões, talvez... bem, aquilo assustou-me setenta vezes sete, os meus sonhos são sempre meio penumbrosos, é difícil, tudo é difícil de estremar.

E este foi assim também, era uma estação de caminhos-de-ferro antiga ou degradada, o comboio movia-se numa vala onde trabalhadores ainda estavam a construir a linha ou a arranjá-la ou a fazer furos, não sei, sei que só havia lama e terra salonada, parecia a terraplanagem alagada de uma casa.

Para variar, perdi o dito mas por portas travessas lá consegui entrar e, depois, a turbulência da viagem era tanta que acabei por sair.

Não interessam as pessoas que lá estavam comigo, onde foi ou o etc. e tal, importa que stes sonhos são sempre a partir das seis, sete da manhã, nunca antes.

Há uns meses que me sinto inquieta, ansiosa, angustiada, agitada... há uma palavra que me ocorre sempre em inglês para descrever isto e, eu não penso em inglês mas anda-me aqui às voltas, deve ter vindo de alguma canção: restless, isso desassossegada, obrigada Pessoa vestido de Bernardo.

É uma inquietude, um peito apertado, um olhar vago que espera por espessura, não aconteceu nada para me sentir assim e isso irrita-me desmedidamente e, lá voltaríamos ao inicio deste escrito, se eu não tivesse mais o que fazer e se já não soubesse que é ao eterno retorno a que vou dar sempre.

publicado por Ligeia Noire às 23:01
música: "Le Revenant" dos Mortifera

24
Abr 13

 

Ciclo Primeiro

Herbst e Neige em palco, não presenciei mas vi por esses ciberespaços fora e, apesar de não terem incluído a Pulse/Surreal, houve a Eribo, Eribo poderia significar-me, se falling não me tivesse procurado aos dezassete anos.

Anteontem, sem querer, encontrei um trevo de quatro folhas largo, cortei-o e coloquei-o na bíblia verde.


Ciclo Segundo

Já me havia esquecido o quão detesto a urbe, o cheiro da urbe, se calhar são as pessoas, o sol desenfreado e o dia mal nascido que ma fizeram sentir dessa maneira. Se calhar foi o lado para que acordei ontem que me predispôs a odiá-la por umas horas, aquela cidade só se suporta com nevoeiro ou com o cair da noite.

O Teixeira de Pascoaes teria gostado de mim.

Apesar de todos os senãos, gostei do desabafo, do desconhecido de cabelo pelos ombros e das quantidades muitas de nata no meu gelado e da proposta dela, se calhar vou embora daqui Supremo, se calhar tomo coragem e vou para onde o poeta do menino do baloiço pendente numa corda esgarçada escolheu desertar da vida, se calhar vou, não sei, perco-me toda...


Ciclo Terceiro

Ele é o caído eu sou a que cai.

Numa destas noites, que vão amenas, tive uma epifania, não vou dizer o que estava a fazer mas ajudou-me a clarear o que se conjugava na cabeça há muito tempo.

Estás a ver o que acontece ao mercúrio em estado líquido: uma assembleia de esferas que se unificam.

Tocava a Mourning Sun, (olha a novidade), we are fallen, dizem eles, canta ele.

O meu pseudónimo foi arranjado para propósitos musicais e de devaneio quando era uma catraia ainda mais abatida do que sou hoje, tentei uns quatro, primeiro, mas por isto ou aquilo não resultaram, vindo este a conjugar-se-me na língua perfeitamente, soando a eterno.

  • move from a higher to a lower level, typically rapidly and without control
  • [no objectarchaic yield to temptation:
  • OriginOld English fallanfeallan, of Germanic origin; related to Dutch vallen and German fallen; the noun is partly from the verb, partly from Old Norse fall 'downfall, sin.
Cortesia de um qualquer dicionário Oxford.

Três

Santíssima Trindade

Eles são a palavra original, a maior, a larga, eu sou a pequena, a acção, o qualificador pequeno, a continuidade.

Não posso falar da mitologia Hebraica, de Hermetismo ou das religiões pré-cristãs ou da Suméria porque não sei que chegue mas sei do significado para os mundos em que me movo.

Na altura, fez sentido e quando comecei a transpor para aqui o meu caderno medicamentoso, nos inícios dos inícios, quando o nosso professor nos ensinou a criar esta ferramenta e disse que teríamos de lhe dar um nome e um nome é uma coisa muito importante, é para sempre e diz-nos todos, só poderia ser o meu nome.

Eu era a falling, bem que o meu caderno de papel que agora passava a uns e zeros só se poderia apelidar de falling também.

Era eu e sou eu.

No início, se calhar, um pouco inconscientemente, se calhar um pouco literal, se calhar muito emotivo e, depois, à medida que fui descobrindo o mundo de dentro, nada mais poderia ter sido.

Desde a Lost Control dos Anathema, num sentido mais humano mais dor da carne: Yes, I am falling... how much longer 'till I hit the ground?

À Mourning Sun dos Fields, num sentido escapista, mágico e de sonhos: We didn’t fall from HeavenWe didn’t fall for you.

Tudo ia fazendo sentido e eu fui apontando e mesclando as acepções e as apreensões nestas páginas.

Só sabia que estava bem na queda, com a queda, no por acontecer, na iminência, no vácuo, no interlúdio que une o antes e o depois, os olhos antes do beijo, os mamilos antes da língua, o meio que une o que vai acontecer ao que já aconteceu, a paz, a sanidade, o silêncio e a segurança do por acontecer, o resguardo da viagem à janela, onde as terras vão passando e onde não se pertence.

Eu sou a filha.

Tudo faz sentido, o que tem de ser será, não existem coincidências, antes de descermos a este Mundo já o sabemos, estamos apenas dormentes, no momento zero.

DMT.

E que o/as sentinelas olhem por mim.

 

Innocence is hurting, a world speaks out of tune
Promise calls, promise falls, what are we to do?
With a clouded view, you follow me through

Sadly the tides are changing, my world slips out of queue
Your body falls, my body calls, what are we to do
With a clouded view, you follow me through

My lifes turning pages, I see a promised day
Watchmen never age here, they just sleep in vain
Drowning people stare here, they don't care to call
So I rebury the pages, Kthulhu calls...

You'll see, you'll see her when she starts to form
You'll see, you'll see her when she starts to call

In the name of Jesus Christ won't you fear my name
I've been around since Moses, your preacher never came

You'll see, you'll see her when she starts to form
You'll see, you'll see her when she starts to call
Follow me...

You sleep, you sleep, follow me

It's just another day, remember I am calling for you
Just another day, remember she's calling for you
Just another day, Kthulhu I am calling for you
Just another day, An empire has fallen from view

You sleep, you sleep
Follow me
You sleep, you sleep
You cannot follow me

 

The Watchman by Fields of the Nephilim/Letra dos Fields of the Nephilim


publicado por Ligeia Noire às 08:30

01
Out 12


Espera e escuta:

Não sei se estou a forçar-me a pensar assim mas há momentos antes de adormecer em que se escondem, por detrás das pálpebras, vislumbres de querer ser a tua mulher: Cavaleiro-das-Terras-Brancas.

Vestir a renda que teceste desde o dia em que me viste de vestido sem cor e cabelo todo descido, ó aranha laboriosa, ser assim e acreditar nesse "ser assim", piedosamente.

Também eu quero entrar nesse estupor e apagar tudo o que se fez de mim antes.

Existem estes momentos daninhos em que penso que, talvez, pudesse ser feliz se subisse ao teu cavalo, é como se eu fosse duas, a que quer durar no abismo rodeada de pecado, avassalando o corpo para desumanizar a alma e a que quer escolher o caminho sem lobos.


Lamb of God have mercy on us

Lamb of God won't you grant us?

 

Existem estas vontades dentro de mim e há trilhos que corroboram as duas.

Esta portinhola donde me espreito com ele e me ouço a dizer que não haverá melhor pescador, ao que objectas:

e o que faz deste melhor do que os outros?

E com franqueza te clarifico meu amigo, ele não é sequer pescador é cavaleiro e o cavalo é branco.

Agora, que me permiti a ver a impossibilidade de animar o meu Frankenstein e que o Aristocrata não existe, pelo menos aquele que eu fazia dele, vingo-me na aceitação da normalidade bacoca dos dias que começam às nove.

E objectas outra vez, ao quase ter fechado a boa vontade a estes vislumbres de luz em horas de sono:

Queres fazer isso para acabares com as tuas vigílias, fechar a porta e oferecer sorrisos cheios ao que te ama e aos que te esperam inteira.

Espera Supremo, deixa-me descer daqui, puxar a aldrava e molhar os dentes.

Sabes… não há propósito neste soalho, nesta manta nos pés descalços ou no amortiçar dos olhos na Geena, não sei se é desistência ou impossibilidade, sei que é tristeza sem cauda.

…porque a minha outra vontade, meu senhor, a urgente, a extasiada, a licenciosa, a mais funesta das vontades feitas fome quer atingir o mais puro negro, engolir negritude sem plenitude possível, transfigurar-se em pura fonte de carvão, que jorrará na boca do mais casto dos lírios brancos, até que essa maldita flor nevada se torne negra, faça a chuva que fizer.

É negra que a quero, negra, tão negra que tudo o que se acercar do bocado de terra onde ela esbracejar as raízes se torne negro também, como se ela fosse um sol pousado.

Ser imprópria para consumo, desgraçada, obscena, vadio vaso quebrado sem retorno ou extrema-unção.

Escandalizar e escancarar olhos e bocas além-caminho, mostrar-vos o avesso do que vos abscondo, ó mundo expirado sem saber de suicídio.

publicado por Ligeia Noire às 14:50

13
Mai 12


A brisa continua a transportar o som

Se calhar desaparecerei…

O rasto perder-se-á na neve

não me vais encontrar aqui


Gelo começa a formar-se

terminando o que começou.

Estou trancado na minha cabeça

com aquilo que fiz.

 

Eu sei que tentaste resgatar-me

não deixar que ninguém entrasse.

Deixado com um rasto do que foi

e do que poderia ter sido


Por favor

pega nisto

e foge para longe

longe de mim


eu estou…

manchado.

Nós os dois

nunca estivemos destinados a ser.


todos estes…

Bocados

e promessas e abandonos…


Se pelo menos eu pudesse ver

no meu

nada

tu eras tudo

tudo para mim


Ido, desvanecendo

tudo

e

tudo o que

poderia ter sido

e tudo o que poderia ter sido


Por favor

pega nisto

e foge para longe

tão longe quanto o que conseguires alcançar


eu estou

manchado

e felicidade e paz de espírito

nunca foram para mim


e todos estes

bocados

e promessas e abandonos…


se pelo menos eu pudesse ver

no meu

nada

tu eras tudo…

tudo para mim

 

Tradução livre do tema "And all that could have been" dos NIN/ Free translation of "And all that could have been" by NIN  

 

Post-Scriptum: Como tenho montes de coisas para fazer decidi não fazer nada.

Fui um pouco herética por traduzir uma das mais belas canções e letras que conheço, tentei ser fiel às palavras, (trigo limpo, farinha amparo) e também àquilo que a música é, sem tentar adicionar sentidos, sei que o senhor deixou versos ambíguos, sem sujeito definido, frases partidas e etc. e tal, propositadamente.

 Ontem, muito à noite, sentada numa cadeira de uma sala e com a janela escancarada, o calor era considerável e as pessoas continuavam a viver por debaixo da janela que abri.

Levantei-me e pousei a cabeça no parapeito e fiquei ali, um bocado, a vê-las viverem.

Crianças que corriam e gritavam constantemente, daqui para ali e depois para o antes, ciganas de cabelos impossíveis em grupos e riam e falavam enquanto os homens lavavam carros e estacionavam carrinhas.

Ele deixa uma frase propositadamente ambígua que eu acho reveladora:

Didn’t let anyone get in

Quem?

A pessoa que o tentou salvar, que tentou resguardá-lo da selva?

Ou será que foi ele mesmo que não deixou que ninguém entrasse, nem aqueles que o tentaram proteger?

Assim como:

Left with a trace of all that was and all that could have been

A vileza que é estar ali, frente a frente com o acabrunho de nós, com uma das folhas da árvore da vida, com um vislumbre do que podia, podia, podia, podia, podia mas não foi.

Lá longe, havia néones de coisas que vendiam coisas e cá perto, continuava o burburinho de pessoas que, para além de existirem, também eram.

Um gato magro, preto e branco ia atravessando tudo à procura de qualquer coisa, comida talvez, passeava-se devagar, por entre os agarrados que davam sinal codificado a brancuras ou transparências que tardavam em chegar para que pudessem ser conduzidos a uma qualquer masmorra que, outrora, se vestiu de castelo instalado nos píncaros.

Sentei-me outra vez e o barulho foi indo embora, restava apenas o gato, a terra sem erva, algumas janelas iluminadas e uma grande, uma melancolia sem tamanho que atravessava o mundo de um lado ao outro.

Era tarde mas não queria adormecer, não queria que o amanhã, que na verdade já o era, chegasse definitivamente, mas ele chegou e chega sempre e eu tenho de lhe abrir o corpo e ir com ele.

Dizer que gosto desta canção é dizer metade.

Dos meus olhos não a vejo como sendo sobre o amor, sobre o par, sobre o desgosto mas sobre o individuo, sobre a escada que erguemos e para onde subimos (não de onde mas para que), simplesmente, nos possamos avistar aos tropeções cá em baixo, sem fazermos porra nenhuma, é sobre irmos embora, irmos sempre embora.

É aquele momento em que admitimos saber que nos assemelhamos àquele puzzle velho que arrumámos há muitos anos, à pressa, num caixote qualquer.

Um dia lembrámo-nos dele e fomos, portanto, buscá-lo e reparámos que faltava uma peça: "é inútil", concluímos.

Marcado, estragado, corrompido, manchado, gosto da palavra estragado, ou melhor, gosto da sua acepção.

Estou estragada.

E acho que foi isso que vi ontem, o que poderia ter sido feito de mim, do meu carreiro, da minha vontade, do meu coração e do meu corpo.

A minha alma, como diz acima, não está guardada ou perdida cá dentro, está mesmo trancada, o som da palavra traz aloquetes, ferrolhos, correntes de aço e fundos do mar onde está o anjo fugido, sem migalhas de cinzas que nos levem até lá, para que nos salve.

Eu estou toda trancada, não no azul-escuro de águas silentes de juncais mas, como não poderia deixar de ser, numa qualquer caverna de uma particular floresta negra, os meus passos foram cobertos pela neve que eu quis que caísse porque cai sempre, cai continuamente, cai hoje porque caiu ontem e cai, cai, cai porque é de sua intenção cair.


publicado por Ligeia Noire às 14:50

11
Mai 12

 

Também é preciso deixar que aconteça, é preciso largarmos as cordas, é preciso deixarmo-nos cair.

Apaixono-me todos os dias por aquilo que amo.

É uma delícia sabermo-nos dentro do círculo mágico.

Vivo dentro de coisas feias mas tenho-as, de pérolas, revestidas.

Um dia, vi um caído e nunca escrevi sobre isso.

Se me perguntares como se afigurava, eu não te saberei esclarecer porque estando viva, morri, e depois de morta acordei sonhando.

Por poder vê-lo, dormi a noite numa cidade estranha, em cima de um banco prateado.

Eles, eles que já não escrevem e nem sei se vivem, eles que eram os últimos, abriram-me os portões para que o visse e para que, de lá, jamais saísse.

E como poderia eu querer sair do sítio onde os meus olhos desconhecem a domino?

Continuo a achar que o Homem de sorriso de sardão foi um órfão, criado por um monge lá longe e ela, a Senhora de Negro.

E, levei o meu tempo a bebê-los e, levei as minhas mãos a enlaçarem as deles e, devagarinho, enquanto não me sentia segura, fui-lhes piscando os olhos, depois…. Depois era eu e eu, fui eu e eu e descobri portas e portinholas em carreiros desconsertados, pelos portões de ferro cingidos.

E, num "era uma vez", houve uma vez cheia de sorte, cheia de acasos e, bafejada pelo Senhor da luz completa que me levou à cidade estranha, onde o caído nasceu do nevoeiro e onde fui a Laura pela primeira vez.

 

Come in from the cold

I'll owe you my heart

Be my shelter… be my refuge for the night

Love of my life

Pour your light

On the faith I can feel

Make it real

In her sleep

 

E sim, tu deste-me a tua espécie de céu.

 

publicado por Ligeia Noire às 01:43

21
Abr 12


I collect the light from the stars

When I close my crippled fingers
And when I draft my emaciated back
Confined in my gazebo of crystal,
It only shines for you

Come by, my father, look
Come and see my fall
For I collected all the light

Come by, my father, look
Come and see my fall
For I collected all the light

I tear of my skin and bow to thee humbly
Take my tongue, so you can always hear my worries
Take my ears, so I can hear your solace

 

Lyrics by Lantlôs/Letra de Lantlôs

publicado por Ligeia Noire às 00:28
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14
Dez 11


Há coisas, claro que há coisas.

Tenho de alterar o pódio das minhas etiquetas.

O melhor pedaço para a construção do meu Frankenstein, desapareceu no nevoeiro nocturno.

De quando em vez, deparo-me com um noviço, ruivamente belo, mas falta-lhe a fundura dos olhos.

Segunda-feira, manhã de nevoeiro em que me apercebi de que não deveria estar aqui.

Eriçou-se-me o pêlo como a um gato.

Talvez seja essa a resposta para a queda sempre menina.

Descobri a linha vermelha.

Eu deveria ter caído há dezoito anos.

"Se a tivesse trazido um dia mais tarde, ela teria morrido".

Prosseguirei, sim, mais tarde, quando tiver decifrado o que me cifraste.

publicado por Ligeia Noire às 00:14

28
Nov 11


-Se não gostas que leiam o que escreves, por que o fazes?

-Não disse que não gostava, só não quero saber, não preciso de o saber porque não o faço para os outros, faço-o por necessidade.

-Pois mas há sempre quem leia.

-Um dia li que isto era, mais ou menos, como escrever e deixar o caderno esquecido em cima de um qualquer banco de jardim depois, alguém pegaria leria e deixá-lo-ia no mesmo sítio, para voltar a ser escrito.

-Compreendo.

Não me importo, assim como assim, pouco lhes há-de interessar e pouco iriam compreender.

Às vezes, arrependo-me de ter aberto algumas janelas, deliberadamente, mas o que está feito está feito.

É como o prazer pelo prazer, não há a vontade de se querer conhecer quem está ali.

Não quero conhecer.

Quero viver no meu mundo, quero olhar para as pessoas como se fosse uma eterna viajante, apenas olhares, cruzares de caminhos, sem palavras, sem violações de linha vermelha, apenas e só, vultos difusos e nevoeirentos, nada mais.

Hoje foi um dia de muito cansaço, hoje foi um dia de demasiado cansaço.

Amanhã, o cansaço será demasiado e depois e depois e ainda depois, até que eu envelheça mais e mais, até não conseguir colocar a domino.

Estou triste, assim triste e frágil e não sei, não sei.

Nada faz sentido, tantas lombadas de livros, tantas pessoas que me cruzaram o caminho, tantos dias que cresceram desmedidos, tantas horas por dormir, tanto e um tanto mais de coisas que não fazem sentido, que não me fazem sentir melhor.

Eu, eu, e eu queria só ser.

Queria seguir um caminho direito e parar ao final dele, não queria ter estes olhos que olham para as pedras minúsculas e para os ramos secos, queria apenas ver o caminho à minha frente e andar.

Queria querer ter um futuro, queria querer ser alguém, queria querer casar, queria querer ter filhos, queria conseguir amar, queria ser aquilo que não posso, não há metáforas, não posso.

Queria que a paranóia, o pânico, o medo, a dissidência, a violência, o abismo e a queda, cessassem.

Queria que tivesses mãos para que pudesse saltar, queria sonhar com as gotas das tuas lágrimas a caírem-me nos olhos e, assim, saberia que nunca foste embora.

O que é que eu faço agora?

Queria ir e não posso.

Estou tão cansada Supremo, estou tão cansada e tu não vês que sou apenas uma criança pequena, nunca deixei de ser a menina dos caracóis que chorava virada para a janela do quarto anti-séptico.

Nunca deixei de ser a rapariga que achava que tinhas mãos como regaços onde me podia sentar e baloiçar.

Nunca deixei de pensar que, haveria uma noite, apenas e só uma, em que abriria os olhos e deixaria de pairar.

Quando chove muito, quando o vento se zanga muito é quando te sinto mais perto, é quando sinto que faço parte daqui, que as coisas me pertencem também.

E tu estarás do lado de fora da janela a pedir permissão para entrar, como os vampiros velhos.

Hoje estou realmente desfolhada, tal como naqueles dias em que me fechava no quarto branco com líquidos transparentes.

Aquando da minha meninice, tinha um quarto pequeno onde passava horas a fazer de conta.

Tinha muitas bonecas e gostava de sobremaneira de as vestir, invejava-as tanto, tanto quanto aquela gata branca, tanto quanto aquela rapariga alta de pulsos finos.

A rapariga.

É a sensação de que algo pode atingir um tão grave grau de beleza que tu não consegues suster, que tu não consegues suportar sequer.

É uma vontade imensa de as possuir, de as ter numa caixinha de laço branco.

As flores são as mais altivas, pensas tê-las para ti assim que as colhes mas morrem-te nas mãos.

Houve um episódio de uma série no qual uma mulher tinha uma obsessão pela princesaSissi, deixou crescer os cabelos e vivia uma vida paralela àquela que o mundo lhe conhecia.

Assim que chegava a casa, abria a porta de um quarto secreto e vestia longos vestidos, soltava os cabelos e colocava-lhes pérolas.

Um dia, até chegou a deixar-se ficar para trás numa visita turística, só para poder dormir na mesma cama.

Gosto muito de bonecas, daquelas que parecem sempre tristes.

Era assim aquela rapariga do estabelecimento.

Nos seus jeans clássicos, blusa branca e casaco de lã, cabelos castanhos lisos e pulsos finos.

Mal ela sabia que eu ficava longos minutos a admirar a forma como se mexia e como pegava nos papéis.

Era disso que mais gostava, de ver as mãos finas e brancas a dançarem, enquanto eu fingia estar no planeta ao lado.

Um dia, trouxe o cabelo apanhado com um belo gancho e a dona do estabelecimento disse-lhe que ficava melhor de cabelos soltos.

Gostava de lhe ter dito: "não a ouças, as flores mais belas, são as que ainda nem sequer desabrocharam."

E gostava que ela tivesse sorrido.

Às vezes, penso se não lho terei dito?

Não me lembro, é tudo tão nebuloso, é tudo tão mutável.

Nunca mais lá fui, nunca mais a vi.


publicado por Ligeia Noire às 21:58
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18
Out 11


I've never been lonely.

I've been in a room.

I've felt suicidal.

I've been depressed.

I've felt awful.

Awful beyond all but I never felt that one other person could enter that room and cure what was bothering me...or that any number of people could enter that room.

In other words, loneliness is something I've never been bothered with because I've always had this terrible itch for solitude.

It's being at a party, or at a stadium full of people cheering for something, that I might feel loneliness.

I'll quote Ibsen, "The strongest men are the most alone." I've never thought, "Well, some beautiful blonde will come in here and give me a fuck-job, rub my balls, and I'll feel good."

No, that won't help. You know the typical crowd, "Wow, it's Friday night, what are you going to do? Just sit there?

"Well, yeah. Because there's nothing out there. It's stupidity. Stupid people mingling with stupid people. Let them stupidify themselves.

I've never been bothered with the need to rush out into the night.

I hid in bars, because I didn't want to hide in factories.

That's all.

Sorry for all the millions, but I've never been lonely.

I like myself.

I'm the best form of entertainment I have.

Let's drink more wine! 

 

da autoria de Charles Bukowski

 

Post Scriptum: Quem me dera ter dinheiro e um trabalho maquinal para poder chegar a casa e ler todos os livros deste Homem.

publicado por Ligeia Noire às 20:44
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