“We are like roses that have never bothered to bloom when we should have bloomed and it is as if the sun has become disgusted with waiting”.

04
Ago 13

 

Já não via um filme tão genuinamente bom e bem feito há muito tempo, uma pena que o rapaz tenha morrido num acidente tão ridículo e não possa continuar a presentear-nos com actuações como esta, ou como o icónico Danila, uma pena mesmo.

publicado por Ligeia Noire às 12:21
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12
Jun 13

 

Às vezes sinto que basta um botãozito para me derrubar do cavalo, é como se toda a minha vontade fosse feita de esforço, como se a determinação se pautasse de crer nela a muito custo.

E como tudo isso não é natural, basta uma aragem para que o mundo venha abaixo deste lado.

É a segunda vez que o gajo, amigo da amiga, me aparece em sonhos e ignoro a importância disso porque é impraticável.

Existe este perigo sempre presente em mim de começar a pender para o lado de lá, de que viver dentro da minha cabeça é mais apelativo do que fora e, convenhamos de que é, mas finjo que acredito no contrário para manter a sanidade dos que me rodeiam e para manter o dinheiro de que preciso para viver, de resto, poderia nunca mais voltar aos dias das nove às cinco, aos dramas económicos, aos bandos de aves migratórias, às fugas de conversas sérias, aos exames médicos, aos sins e nãos, com ocasionais pois e realmentes (respostas minhas a conversas que não oiço) porque estou tão farta mas tão, tão farta que nos dias em que acordo a pender mais para o lado de lá sou um perigo público e mais valia que me pagassem para ficar na cama.

Gosto de cinema asiático, não o procuro deliberadamente, nem tenho grande conhecimento de realizadores ou ondas de géneros mas de vez em quando lá me encontro com um, ontem foi o Kairo, o que mais gostei nele foi a sensação de que a tristeza daquela gente era tamanha que não me cabia na cabeça que pudessem não acabar mortos.

Almas assim só podem encontrar paz na morte, nada aqui lhes vale de sossego, é como se vivessem em velo constante.

Há uma onda crescente de suicídios na juventude japonesa, o Mário de Sá-Carneiro diz que os suicidas são heróis e que cobardia é desperdiçar a vida sobrevivendo.

Há dias em que gostaria de ter a liberdade de o fazer mas as razões pelas quais não me permito a essa liberdade, não me põem na gaveta dos cobardes, nem dos heróis mas dos honestos, dos tem de ser, e em último reduto, dos mártires -na acepção do meu filme preferido-.

Há na partida que se faz por desesperança uma tremenda melancolia, uma pena imensa, um podia ser que… deve ser isso que sentem os que se imiscuem na roleta russa, pode sempre ser que a sorte esteja do nosso lado ou então viemos com o destino escrito e pendurado ao pescoço e esta senda não se inverte por bafejos sortudos.

 

publicado por Ligeia Noire às 14:05
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01
Mai 13

Descobri o Jagten através do Valhalla, que filme estupendo, aliás filmes.

E especiais, ambos me mostraram o senhor Mads Mikkelsen.

Do Cristo de um só olho que não falava e era traduzido pelo rapaz loiro, na sua senda, perdidos na floresta pantanosa, até à caça de veados no seio familiar, onde até a cadela lhe mataram, um bicho tem o direito de gostar do seu dono, de confiar nele quando mais ninguém o faz. Foda-se ainda tenho a garganta enlaçada.

 

publicado por Ligeia Noire às 00:47
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25
Out 12

 

(…)

-What's vampires?

-They're not very nice. They bite your neck, and drink your blood. Stuff like that.

Not very sociable.

- What do they do that for, Pa?

- Because if they don't, they get old.

They do it to stay young.

Then the people whose blood they drunk, well, they get old... and then they die.

And during the day, they sleep in a coffin... and at night they turn into a bat.

If they feel so inclined.

(…)

-Did your father ever touch you anywhere?

-Yeah.

-Where?

-In the kitchen.

-Anywhere else?

-Anyplace outside the kitchen?

(…)

-Why don't you go play with your friends? 

-They're all dead. 


Post Scriptum: Apaixonada por este filme.

Um filme de vampiros sem vampiros.

publicado por Ligeia Noire às 11:10
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16
Out 12


Sabes, sinto-me como a Justine quando se deu conta de que o Melancolia ia destruir a Terra, confortada,

calma, entendida, preparada para a liberdade quando leio Bukowski.

Gosto da palavra melancolia, gosto das letras que a compõem, gosto do som, do significado, da música que

expele…

Revi o filme, como é claro para ti, não sei se fale agora dele, se o misture com o que queria dizer, se mencione o que é importante ou se me cale.

Mas só vejo a Justine no seu vestido branco de devaneio, de felicidade para sempre, de véu incauto e ramo de

pureza, as mamas abastadas e os olhos doentes, se pensar no filme é esta a imagem que me perpassa pelas

pálpebras fechadas, um mundo lá em baixo, com pessoas e mesas e coisas a acontecerem e esta rapariga branca a caminhar perdida pelo labirinto, até perder o vestido, as flores e se sentar a um canto sem querer mais levantar-se.


Pain is strange.

A cat killing a bird, a car accident, a fire.... Pain arrives, BANG, and there it is, it sits on you.

It's real.

And to anybody watching, you look foolish.

Like you've suddenly become an idiot.

There's no cure for it unless you know somebody who understands how you feel, and knows how to help.


(Charles Bukowski)


Haveria tantas coisas lineares para serem ditas.

Direi algumas.

A primeira vez que vi o filme achei que seria uma perda de tempo, um aborrecimento intelectual de menino

riquinho que não sabe o que é ter fome e não ter tempo ou dinheiro para depressões e, na realidade, a

primeira parte não deixou de me causar sarna.


It was true that I didn’t have much ambition, but there ought to be a place for people without ambition, mean a better place than the one usually reserved. How in the hell could a man enjoy being awakened at 6:30 a.m. by an alarm clock, leap out of bed, dress, force-feed, shit, piss, brush teeth and hair, and fight traffic to

get to a place where essentially you made lots of money for somebody else and were asked to be grateful for

the opportunity to do so? (Charles Bukowski)


Afinal por que raio está a Justine tão deprimida?

Talvez a Claire tivesse maiores motivos para não querer acordar, talvez a Claire me assustasse mais enquanto

a Justine me inspirasse compaixão.

Se te iniciares no filme sem nenhum tipo de informação, exceptuando o prólogo, o que vês para além da

limousine com os noivos?

Não me parece felicidade mascarada, parece-me riso genuíno e vontade de seguir, há pois o simbolismo da

grande máquina branca que não consegue avançar naquele carreiro curvilíneo, a metáfora da manifesta

aberração, do elefante na loja de cristais, diria.

Mas sem saberes nada mais, não podes dizer que ela esteja a fingir sorrisos… apenas com o decorrer da festa

te vais apercebendo do miolo e mesmo depois do miolo percebido a felicidade inicial continua a afigurar-se

genuína, talvez indicando que é a intrusão do externo, da família e das concupiscências sociais a causa da melancolia, do cansaço.

Bem, mas ia dizendo que a Justine é uma privilegiada, dá-se ao luxo de fretar uma festa milionária, de se

armar em presunçosa e, mesmo depois do atraso imenso, ir visitar o cavalo.

Diria qualquer um que, estando a doença já num estádio de severidade ou mesmo de catatonia, nada interessa.

O cunhado é descrito como o sovina e materialista do pedaço mas, na verdade, seria um pouco chato gastar

tanto dinheiro e ver a princesinha passarinhando com ar de frete e de obrigação, ora pois, dissesse que não.

A Justine pode dar-se ao luxo de não querer comer, vestir-se ou sequer andar e tem a irmã a cuidar dela, a servir-lhe de gradeamento berçal, Claire que se me afigura tão ou mais deprimida que Justine, não pode e não tem.

Claire é descrita como agarrada às convenções sociais e quejandos mas o que vejo é uma mulher que também

não as suporta, que não tem alternativa, que atura todas as situações e que não tem quem olhe para dentro dela, já Justine dá-se ao luxo de desprezar e de se rebelar contra o que acha ser a ambição desmedida do chefe, a frieza da mãe, a desatenção e irresponsabilidade do pai, dá-se ao luxo de poder não fingir, de cair e ficar caída.

O difícil não é cair, chorar, não se mexer, largar a mão da sacada, difícil é ficarmos agarrados, chorar sem

provas, ficarmos quietinhos e termos de engolir em seco e calçar os sapatos.


I was naturally a loner, content just to live with a woman, eat with her, sleep with her, walk down the street

with her. I didn't want conversation, or to go anywhere except the racetrack or the boxing matches. I didn't

understand TV. I felt foolish paying money to go into a movie theatre and sit with other people to share their

emotions. Parties sickened me. I hated the game-playing, the dirty play, the flirting, the amateur drunks, the

bores. (Charles Bukowski)


Mas eu não detesto a Justine, eu gosto da Justine, eu não sei por que está a Justine doente, isto é, mais do que as pistas que são dadas mas posso usar de muitas miradas e escolher as que quiser e as que escolhi foram as induzidas pelo argumento, um pai que se desresponsabiliza de ser pai (a tal treta de se ser adolescente para sempre) ora bem se se quer continuar a foder, beber, dançar, sair sem dar um ai aos que ficam, então não cases e não procries, sempre fui apologista da salvação na destruição mas individual, sempre, sem danos colaterais porque senão perde toda a validade.

Uma mãe que se mostra intencionalmente fria, dorida e fracassada.

Em suma, o que aconteceu a esta mãe, é o que acontece a todas as meninas que são amamentadas a sonhos românticos, a positivismos de alcofas e a linearidades de percurso, isto é, descobrem que tudo é uma treta e levam com dez doses de realidade de uma vez, ao invés de optarem pelo doseamento controlado.

Ela não foi dura com a filha, ela disse-lhe a verdade.

Esta nossa Justine de vestido branco e mamas espartilhadas trabalha na publicidade, no meio da venda, do envenenamento… cá para mim estando ao lado de um pai que não é pai e de uma mãe de peito seco, juntou-se-lhe a vivência no meio do mundo fabricado onde se enfia garganta abaixo a legitimidade do oco, do pueril, as convenções sociais e boom…


There's nothing to mourn about death any more than there is to mourn about the growing of a flower. What is

terrible is not death but the lives people live or don't live up until their death. They don't honor their own

lives, they piss on their lives. They shit them away. Dumb fuckers. They concentrate too much on fucking,

movies, money, family, fucking. Their minds are full of cotton. They swallow God without thinking, they

swallow country without thinking. Soon they forget how to think, they let others think for them. Their brains

are stuffed with cotton. They look ugly, they talk ugly, they walk ugly. Play them the great music of the

centuries and they can't hear it. Most people's deaths are a sham. There's nothing left to die.

(Charles Bukowski)


Ao lado das suspeições há o factual ódio que ela nutre pelo chefe que se pavoneia como um ser evidente e ambicioso.

Nothing, is too much for you diz-lhe Justine…

E ele desmorona-se desesperado e sai da imagem que faz de si, parte o copo. Será que também ele quis ser um homem ambicioso e materialista?

Será que o Mundo lhe deu o luxo de poder dizer não e continuar a alimentá-lo?

E o noivo?

O noivo faz-me lembrar os príncipes que se vêem a si mesmos como príncipes e, por tal, sentem a

necessidade intrínseca de ter uma princesa que nem sequer conhecem, querem que ela se deixe arrebatar, que sinta o amor dos trovadores e seja a Rapunzel resgatada.


Love is a form of prejudice.

You love what you need, you love what makes you feel good, you love what is convenient.

How can you say you love one person when there are ten thousand people in the world that you would love more if you ever met them?

But you'll never meet them.

All right, so we do the best we can.

Granted.

But we must still realize that love is just the result of a chance encounter.

Most people make too much of it.

On these grounds a good fuck is not to be entirely scorned but that's the result of a chance meeting too. You're damned right.

Drink up.

We'll have another. (Charles Bukowski)

 

Ele pensa que a ama, ele ama-a mas o amor não existe.

Ela quer esquecer a dor, ela quer agradar à irmã, ela quer tentar ser feliz: enganar-se... e quando lhe leva a mão pelo vestido e o provoca e sorri matreiramente e sai e mais tarde não lhe cede à vontade de a possuir acabando por foder com o rapaz que conheceu à instantes no relvado, faz-me lembrar do gajo do Shame.

A primeira incursão, a masturbação, foi o uso do escapismo -o mesmo que se faz com a droga, o álcool e os

demais prazeres- vontade de fuga, por instantes, da dor, da realidade, a segunda foi o castigo.

 

And my own affairs were as bad, as dismal, as the day I had been born. The only difference was that now I

could drink now and then, though never often enough. Drink was the only thing that kept a man from feeling

forever stunned and useless. Everything else just kept picking and picking, hacking away and nothing was

interesting, nothing. The people were restrictive and careful, all alike and I've got to live with these fuckers

for the rest of my life, I thought.

God, they all had assholes and sexual organs and their mouths and their armpits. They shit and they chattered and they were dull as horse dung. The girls looked good from a distance, the sun shining through their dresses, their hair. But get up close and listen to their minds running out of their mouths, you felt like digging in under a hill and hiding out with a tommy-gun. I would certainly never be able to be happy, to get married, I could never have children. Hell, I couldn't even get a job as a dishwasher. (Charles Bukowski)

 

Este homem, agora marido,estava ali, atraente, provavelmente bom partido, amava-a mas não a entendia, nem a atingia, ele amava algo que ela não sabia ser.

Ela, na sua desvontade, na descrença nessa convenção social que é o amor, sente-se culpada, diferente, tudo isto lhe é tão sagaz que o nojo de si mesma, a impureza que sente em si lhe traz a vontade de castigo e castiga-se ao oferecer o corpo ao primeiro que lhe aparece, como se não conseguisse optar pelo caminho correcto, como se precisasse de se danificar, de descer mais.

Talvez fale da segunda parte noutro dia mas deixa-me dizer-te que não me parece que a descoberta do

Melancolia tenha invertido os papéis das irmãs, como se de repente a Justine ficasse curada, parece-me, antes

que vendo a iminência do final do Mundo, deste Mundo donde ela não vê saída, que ela detesta, cheio de maldade, às avessas, é como se visse a luz ao fundo do túnel.

Sente-se em casa neste território de desesperança com o qual sente empatia, reconhecimento, alívio.

Finalmente tudo vai parar: paz.


I was drawn to all the wrong things: I liked to drink, I was lazy, I didn't have a god, politics, ideas, ideals. I

was settled into nothingness; a kind of non-being, and I accepted it. I didn't make for an interesting person. I

didn't want to be interesting, it was too hard. What I really wanted was only a soft, hazy space to live in, and

to be left alone. (Charles Bukowski)


publicado por Ligeia Noire às 11:41
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13
Ago 12


Qual das três a mais profícua?

O primeiro estágio, a dor da menina acabada de nascer.

O segundo que invoca a necessidade de se aprender a viver com unhas cortadas, garras decepadas em vitórias que jamais existiram.

Já o terceiro é a irrealidade a comandar uma vontade de abandonar a sacada e fingir que está tudo bem.

Nós ouvimo-la nos filmes a todo o instante, a frase, o epíteto de uma existência em que as pálpebras comandam os olhos, uma miserável e triste caminhada por entre rosas só de caule.

Que mistura hã?

Eu sei, eu sei, ah eu sei, eu sempre soube.

 

Epilogue:

 

So here he lies at the last, The deathbed convert.

The pious debauchee.

Could not dance a half measure, could I?

Give me wine, I drain the dregs and toss the empty bottle at the world.

Show me our Lord Jesus in agony and I mount the cross and steal his nails for my own palms.

There I go, shuffling from the world.

My dribble fresh upon the bible.

I look upon a pinhead and I see angels dancing.

Well, do you like me now? 

 

Excerpt from The Libertine/Excerto do filme "O Libertino".

 

publicado por Ligeia Noire às 15:24
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23
Set 11


Acho que o filme não consegue ser filme... continua a ser livro e por isso vou continuá-lo noutro dia, noutra hora, noutro tempo.


publicado por Ligeia Noire às 00:27
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24
Jun 11


Ontem, ontem, ontem vi o meu Frankenstein, inteirinho!

Não há acasos.

Continua tão… é o mundo… chama-nos e é fascinante quando nos apercebemos de que nem tudo é cimento e fome.

Tão seguro, tão ruivamente belo, o cigarro na boca, as mãos alvas e os olhos escondidos.

De onde és tu?

Para onde vais?

Voltas?

Fizeste-me rir, ri muito quando te vi do nada, assim como um santieiro.

Que orvalho te alimenta a encantamento involuntário? 

 

Post Scriptum: Fizeste-me lembrar o Eric Vonk.


publicado por Ligeia Noire às 18:59

21
Jun 11

 

Tive de parar o filme, várias vezes, para respirar.

Medo puro, duro, real e numa esquina, casa, mundo perto de nós.

Sufocante, a noite.

A noite, quando temos medo, dura tempo incontado.

A casa grande na floresta, num país que ainda permanece tão recôndito quanto nos tempos do Drácula.

O telefone toca e… como descrever… são uma matilha, não têm leis, nem a moral que os idiotas das escolinhas acham que existe lá fora, às vezes, pergunto-me se vivemos no mesmo mundo...

Gosto muito de cinema de terror, gosto muito desta vaga de cinema extremo mas, a diferença, é que quando a ameaça é sabida como real, quando sucedeu, quando a vemos nas notícias a espancar velhos ou transexuais, ou a matar casais, o caso muda de figura.

Nunca apreciei bandos, tenho pavor de me cruzar com eles.

A diferença é que este mundo não tem veludos, nem anjos, nem risos, os problemas não são feitos de desamores e futuro, e diplomas e livros e sofrimentos de rendas e eyeliner, este sítio tem sangue, tem fome, tem cães humanos cheios de seiva.

Numa entrevista, que vi hoje, dos anos noventa, a Diamanda dizia trazer sempre com ela um revólver.

Uma vez que, não acreditava que se podia descer uma rua em Nova Iorque, incólume.

A menos que se parecesse invisível ou que não se saísse da norma porque há sempre algo que pode despoletar uma investida.

É por isso que, às vezes, rio sozinha quando me sento a uma mesa de quatro pernas a ouvir coisas dos livros, com gente à minha volta, parece-me tudo tão caricato.

É como se o mundo estivesse hipotérmico e nós saíssemos à rua de lingerie.

Tenho medo, claro que tenho medo, escrevo aqui muitas coisas mas aquelas que realmente me assustam, nem sequer tenho a audácia de lhes pôr letras.

E na cabeça funciona o: "não penses nisso, não penses nisso".

Não sei lidar com o medo, o medo assusta-me, o medo…

Vou contar uma história que me aconteceu há vários anos.

Na minha aldeia, quando eu era mais pequena, era costume mungir as vacas e levar o leite a uma leitaria.

Dava uns trocos e as vacas são muito bonitas.

As minhas eram turinas, o que eleva ainda mais a cena.

Às vezes, era eu que pegava na cântara às costas e levava o leite com a minha prima até ao destino, o qual não ficava nada perto, mas era fixe.

No Inverno, como escurecia muito cedo, tentávamos andar mais depressa mas a noite encontrava-nos sempre.

Um dia, quando vínhamos a descer o caminho já perto de casa, uma sombra moveu-se por trás de nos e falou qualquer coisa que agora não me lembro.

Congelei da cabeça aos pés e o coração esganou-se, senti tanto medo que não conseguia respirar e pareceu tempo infindável mas foram apenas segundos até me aperceber que a minha prima estava a cumprimentar a dita figura e que, na verdade, era um vizinho que voltava para casa depois de ter estado a roçar mato para as cortes.

O alívio foi tão mas tão grande que senti uma felicidade pura como nunca julguei ser possível.

Não sei se foi a primeira vez que senti medo mas sei que ficou gravado num neurónio qualquer.

No entanto, a noite, para mim, é como heroína, temo-a e amo-a, é mãe de todos e não excomunga ninguém.

E mesmo sendo uma temente do medo, não sou refém dele, aliás, uma das coisas que mais gosto é de me sentar à lareira a ouvir histórias, lendas, folclore ou seja lá o que for que os mais velhos têm para contar.

É delicioso.

Há uma história que o meu pai volta e meia conta e que me assusta sempre.

O meu pai sempre trabalhou longe e a maior parte das vezes vem à noite com o saco às costas.

Mais uma vez, a noite foi mãe e o Inverno pai.

E, não de propósito, moramos no monte, bosque, mato, floresta, com meia dúzia de casas, agora, a maior parte desabitadas.

Vinha ele de regresso do trabalho, era fim-de-semana, e no caminho vê ao fundo um vulto e, conforme o Jonathan Harker se refere às noivas como sendo senhoras pelos trajes que envergavam, ele pensou ser um homem pelo alto chapéu, casaco comprido e postura.

Como o meu pai é o meu oposto, destemido, nada de estranho lhe ocorreu e ao passar pelo dito saudou-o com um "boa noite" mas não ouviu resposta e nunca lhe chegou a ver o rosto, seguiu o caminho.

Quando chegou a um carreiro mais abaixo, olhou para o local e, o "homem", estava estacado no mesmo sítio.

Nada mais sucedeu.

Na minha terra, há uma superstição em relação a saudações, diz-se que, à noite, nunca se deve saudar ninguém a menos que se conheça.

O meu pai não vai nisso mas, até hoje, lhe ficou na memória o estranho vulto sem rosto que o olhava do alto do seu chapéu negro e casaco comprido.

Há muitas preciosidades destas que guardo no bolso.

E, embora este filme nada tenha que ver com o sobrenatural, que aprecio, invoca o medo, o medo da realidade, o medo do que sabemos que acontece e que tem pernas e mãos.

Sufoca, sufoca e sufoca.

E que barulho era aquele?

Que brinquedo era aquele?

E aqueles chamamentos animalescos e aquele autocarro que parou e que prosseguiu como prossegue a voz que ouço quando me sento na mesa de quatro pernas, a árvore que morre na floresta.

Ainda ontem me diziam que o pandemónio está aqui e agora.

E que, quando se começarem a deglutir uns aos outros, a diferença estará naqueles que tiverem dinheiro para construir muros altos ou então um frasquinho de salvação em direcção à luz.


publicado por Ligeia Noire às 23:51
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08
Jun 11


A beleza tem um nome: Isabelle Adjani... é impossível ser tão bela.

Tão delicada e tão intensa.

Nenhuma personagem feminina em adaptações do Drácula chega, sequer, perto da sua beleza, da sua presença e da sua profundidade.

Estou perfeitamente enamorada pela personagem.

Klaus Kinski, que me perdoem o Bela Lugosi, o Gary Oldman e o Max Schreck mas revendo tudo e… e… não sei.

Todos foram únicos e especiais mas... Não há palavras. Tenebroso, sombrio e repulsivo mas ao mesmo tempo triste, afastado, pesaroso, delicado… Tudo aquilo que séculos e séculos de vivência lhe inculcaram nos olhos, deslumbrante!

Posso dizer que de todas as versões, esta é a mais bela, a mais negra, a mais assustadora, a mais mágica e a mais tudo.

Werner Herzog consegue o melhor de cada elemento, os movimentos solitários da capa de Lucy, os cabelos espalhados, a forma como a câmara parece namora-la, a caracterização imaculada do nosso conde, aquela captação inicial, os camponeses que olham como camponeses, as roupas da Lucy… o branco que é tão negro e tão imaculado… o casaco do Conde, a capa do Jonathan… O sarcasmo subtil e o negro sobre negro.

E que banda sonora, que música é esta? Que triste, que abismal, que seda fria e desconcertante.

Tantas coisas, tantas coisas…

 

Time is an abyss.

Profound as a thousand nights.

Centuries come and go.

To be unable to grow old is terrible.

Death is not the worst.

Can you imagine enduring centuries, experiencing each day the same futilities?

 

Depois de tantas histórias, reminiscências, livros, artigos, filmes, peças de dança, música, lendas, mitos e superstições, fica este vazio, como se me sentisse abandonada… Como se o amanhecer me obrigasse sempre a contentar-me com a realidade. Tudo fora daqui tem sol e cor e palavras e barulho e olhos e tens razão Conde… deve ser terrível não se poder ter a bênção da morte.


publicado por Ligeia Noire às 23:18

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