“We are like roses that have never bothered to bloom when we should have bloomed and it is as if the sun has become disgusted with waiting”.

07
Nov 11


Eu queria ser mulher para me poder estender

Ao lado dos meus amigos, nas «banquettes» dos cafés.

Eu queria ser mulher para poder estender

Pó-de-arroz pelo meu rosto, diante de todos, nos cafés.

 

Eu queria ser mulher para não ter que pensar na vida

E conhecer muitos velhos a quem pedisse dinheiro -

Eu queria ser mulher para passar o dia inteiro

A falar de modas e a fazer «potins» - muito entretida.

 

Eu queria ser mulher para mexer nos meus seios

e aguçá-los ao espelho, antes de me deitar -

Eu queria ser mulher para que me fossem bem estes enleios

que um homem, francamente, não se podem desculpar.


Eu queria ser mulher para ter muitos amantes

e enganá-los a todos - mesmo ao predilecto -

Como eu gostava de enganar o meu amante loiro, o mais esbelto,

com um rapaz gordo e feio, de modos extravagantes...

 

Eu queria ser mulher para excitar quem me olhasse,

Eu queria ser mulher para me poder recusar...

 

Da autoria de Mário de Sá-Carneiro


publicado por Ligeia Noire às 20:17

02
Jul 11

Na minha Alma há um balouço

Que está sempre a balouçar
Balouço à beira dum poço,
Bem difícil de montar...

E um menino de bibe
Sobre ele sempre a brincar...

Se a corda se parte um dia
(E já vai estando esgarçada),
Era uma vez a folia:
Morre a criança afogada...

Cá por mim não mudo a corda,
Seria grande estopada...

Se o indez morre, deixá-lo...
Mais vale morrer de bibe
Que de casaca... Deixá-lo
Balouçar-se enquanto vive...

Mudar a corda era fácil...
Tal ideia nunca tive...


Da autoria de Mário Sá-Carneiro    

 

Post Sriptum: que saudades, que saudades disto. Deste outro mundo, destes sentimentos verdadeiros feitos de pessoas verdadeiras.

Que saudades desta liberdade de caminhos, deste amor às coisas belas, já tinha saudades de poder encontrar-me com a poesia a horas perdidas depois de anestesias diversas, é... Que saudades do sentir e quem melhor do que o senhor acima para me adormecer?

Já tinha saudades dele mas com ele... ah, com ele só me consigo encontrar quando estou assim: crescida e a olhar para as marionetas. 

publicado por Ligeia Noire às 03:29

24
Fev 10


Desenrola-se em torno da personagem que dá título à novela.

O cenário é Paris. Sempre Paris.

Já na cidade, Lúcio é introduzido a uma bizarra americana e ao poeta Ricardo por um conhecido de Lisboa.

Um dos auges é pois, a festa que a americana (vemos que o nome desta mulher nunca chega a ser mencionado) realiza na sua magnificente casa.

Somos inebriados pelas descrições de luzes brancas de tal claridade que ofuscam. Perfumes pungentes, uma aura que arrebata a alma. O perfume roxo do ar (…) se de súbito nos arrancassem os olhos, nem por isso deixaríamos de ver. Todo este embrenhado opiáceo de sensações retira ao leitor qualquer sensação de limite corpóreo.

Posteriormente os convidados são presenteados com uma série de bailados voluptuosos e deleitantes. Nesta descrição tudo converge, a carne, a nudez, o desejo insano da alma... A mistura de tecidos e luzes e cheiros musicais conferem uma cadência invulgar ao que poderíamos pensar ser apenas sexual: escoava-se por nós uma impressão de excesso. Sentiam uma ânsia de se suplantarem dos corpos.

Uma orgia dos sentidos todos, um banquete para a alma de quem tem olhos para comer. Olhos devoradores.

Na ressaca da festa, os convidados saem aturdidos. Percebe-se que este momento é a chave do livro.

A essência da personagem é o belo, é a sublimação.

O autor cria um altar onde se apraz.

A partir deste ponto Ricardo e Lúcio tornam-se confidentes. Nasce uma amizade e uma compreensão mútuas. Lúcio sente-se procurado nos recantos ignorados do seu espírito, com tal frase resume-se a percepção do autor quanto à afeição.

Volvidos alguns meses, numa das conversas, Ricardo confessa a Lúcio que não pode ser amigo de ninguém

(…) enquanto eu, por mais que me esforce, nunca poderei retribuir nenhum afecto: os afectos não se materializam dentro de mim (…) só com a minha alma poderia matar as minhas ânsias enternecidas. Só com a minha alma eu lograria possuir as criaturas que adivinho estimar, e assim satisfazer, isto é, retribuir sentindo as minhas amizades.

Eis aqui o segundo ponto-chave da novela.

Alguém que se sente incapaz de corporalizar (literalmente) o que experimenta, sentindo-se culposo.

Poucos dias depois, Ricardo regressa a Lisboa, inexplicavelmente.

Durante o ano que se seguiu a correspondência foi escassa. Talvez Ricardo fugisse dele próprio e Lúcio, era um bocado dele.

Lúcio acaba por regressar também e ao ser recebido pelo amigo este parece-lhe diferente efeminizado, amenizado e esbatido. Podemos então deduzir que aqui ocorreu uma transformação ao nível perceptivo de Lúcio.

Ricardo havia casado com Marta. Uma desconhecida para o amigo.

Aqui o casamento é simbólico, significa unir-se, ter outro tipo de existência, descobrir que a alma é emaranhada.

Marta tem uma presença peculiar e ambígua. Como se fosse um espelho, só tem o lado de fora. O de dentro é embrumado.

Lúcio acaba por envolver-se com ela, não sentindo qualquer melindre quanto a Ricardo, o qual "parece" nem se aperceber.

No desfecho temos um Lúcio furioso com a quietude de Ricardo, acabando por confronta-lo tendo uma sensação de abismo, dedicavas-me um grande afecto; eu queria retribuir esse teu afecto

Laivos de surrealismo. Ricardo criou Marta para poder possuir Lúcio somos nós-dois (…) na hora em que a achei foi como se a minha alma, sendo sexualizada, se tivesse materializado, e só com o espírito te possui materialmente

O amor em que se dá alguém por falta de meios.

E temos um Ricardo que arrasta Lúcio para lhe mostrar Marta. E vamos de encontro à confissão que iniciou o livro: Lúcio encontrava-se preso e só queria contar a verdade inverosímil. Ricardo dispara contra Marta mas afinal só estavam eles os dois no quarto. E quem jazia era Ricardo.

O cárcere pareceu-lhe tempo e bruma.

Será que quando se atinge o auge a vida continua a interessar?

O que vem então a ser a verdade?

Talvez ela não exista, talvez ela seja moldada pelos nossos olhos.

A amizade ultrapassou as fronteiras do real, beleza abstracta que não se pode enlaçar.

A tentativa de concretização é o assunto deste livro.

O que fazemos quando o mundo que trazemos cá dentro não é realizável do lado de fora?

Num escritor como Mário Sá-Carneiro o mundo fica lá fora porque não cabe no livro.

Ele escreve para se expurgar, para se ver, para se compreender.

Talvez com esta obra possamos assimilar que os sentimentos nada têm que ver com os fins, subsequentemente não podemos interpretá-los da mesma forma.

A incapacidade de nos completarmos, de darmos àquele que nos possui a alma, o nosso corpo, é tortuoso. A incapacidade que o livro mostra ser abatida.

Evitar o dano, realizar a alma.

A Natureza não nos ditou regras além daquelas que nos dita o corpo, e algumas não cabem neste mundo.

 

A confissão de Lúcio de Mário Sá-Carneiro

 

publicado por Ligeia Noire às 16:15

17
Jan 10


Por isso não pensou em suicídio: existem angústias tão desoladoras, tão infinitamente cruéis, que nós temos a sensação nítida de que já passámos para além da morte, em muitos dias da vida, por coisas de bem menor importância, por mil complicações enervantes e mesquinhas, lembrámo-nos de desertar com uma bala, chegámos até a pegar no revólver.

 

Porém, em face de uma catástrofe horrível nunca admitimos a hipótese de a vermos consumada, não pensamos nem por um segundo nessa libertação. Não pensamos porque a nossa dor foi tamanha que mesmo na morte não acharíamos refúgio para ela, a nossa dor foi tamanha que realmente morremos já.

 

E como morremos já, não importa que continuemos vivos. Demais, ao peso dessa angústia, toda a nossa vontade ficou abolida. Ora, digam o que disserem, ainda é imprescindível uma grande força de vontade para desfecharmos uma pistola sobre nós próprios, para nos precipitarmos de uma ponte, para emborcarmos um frasco de veneno.


-Ah, quer dizer: Você não considera o suicídio uma covardia?

Mas de forma alguma! Acho até que um suicida é uma criatura de enorme coragem. Escusam de me interromper…

Sei muito bem que um suicida é um desertor: a existência torna-se-lhe impossível; ele fugiu-lhe. Perfeitamente. No entanto, para fugir, teve que praticar um acto muito mais violento – logo, muito mais corajoso -- do que praticaria se continuasse a viver. Se continuasse vivo, conformava-se no fim de contas com a lei comum. -- «A vida é um sofrimento eterno» -- Sujeitava-se. Mas ele não se sujeitou, morreu às suas próprias mãos – isto é: revoltou-se. Ora, meus amigos, «revolta» foi sempre sinónimo de audácia, de coragem, de energia.


Os suicidas! Ah! Com que entusiasmo os admiro, como os respeito! Eles realizaram aquilo que quiseram. Eis a sua grande superioridade. Valem bem mais do que eu, que tenho tanto desejo e nunca serei capaz de despejar um revolver sobre o meu crânio. Quem vive bocejante, lazeirento como eu vivo, e continua a viver, não é só um covarde – é um miserável.


Rogo que não vejam nisto o pessimismo oco e banal da mocidade literária. Embora de um escritor, estas palavras por acaso são sinceras: tenho vinte e dois anos, e não creio em coisa alguma; olho em volta de mim e não vejo nada que me atraia, nada que me encante, nada para que viva. Sinto, verdadeiramente sinto, que me barraram todo o corpo com uma camada de gesso muito espessa que me prende os movimentos, me aniquilosa os músculos.


Para a doença física em que a vida se me tornou, só existe um remédio: o aniquilamento. No entanto, nunca terei a força de vontade necessária para absorver esse temível elixir. Os meus amigos podem estar perfeitamente descansados. Apesar de tudo, continuarei vivendo; apesar de nada me distrair, não deixarei de frequentar teatros; apesar de não crer em coisa alguma, irei compondo mais livros, sempre mais livros, na conquista de uma vã quimera de ouro… gritando sem cessar a minha desgraça, amaldiçoando a existência, irei gozando do que nela houver de bom – como a outra gente afinal. E escrevi tudo isto…

Literatura, meus amigos, literatura…

 

In O Incesto de Mário de Sá-Carneiro

 

publicado por Ligeia Noire às 21:52

14
Jan 10


Já dizia Mário de Sá-Carneiro: Eu, de evidente, tenho asco de mim.

 

publicado por Ligeia Noire às 00:26

12
Out 09


Olho em volta de mim. Todos possuem -

Um afecto, um sorriso ou um abraço.

Só para mim as ânsias se diluem

E não possuo mesmo quando enlaço.


Roça por mim, em longe, a teoria

Dos espasmos golfados ruivamente;

São êxtases da cor que eu fremiria,

Mas minh'alma pára e não os sente!


Quero sentir. Não sei ... perco-me todo...

Não posso afeiçoar-me nem ser eu:

Falta-me egoísmo para ascender ao céu,

Falta-me unção p'ra me afundar no lodo.

 

Não sou amigo de ninguém. P'ra o ser

- Forçoso me era antes possuir

Quem eu estimasse - ou homem ou mulher,

E eu não logro nunca possuir!...

 

Castrado de alma e sem saber fixar-me,

Tarde a tarde na minha dor me afundo...

Serei um emigrado doutro mundo

Que nem na minha dor posso encontrar-me?...

 

Como eu desejo a que ali vai na rua,

Tão ágil, tão agreste, tão de amor...

Como eu quisera emaranhá-la nua,

Bebê-la em espasmos d'harmonia e cor!...

 

Desejo errado... Se a tivera um dia,

Toda sem véus, a carne estilizada

Sob o meu corpo arfando transbordada

Nem mesmo assim – ó ânsia! – eu a teria...

 

Eu vibraria só agonizante

Sobre o seu corpo de êxtases dourados,

Se fosse aqueles seios transtornados,

Se fosse aquele sexo aglutinante...

 

De embate ao meu amor todo me ruo, 

E vejo-me em destroço até vencendo: 

É que eu teria só, sentindo e sendo 

Aquilo que estrebucho e não possuo.

 

 

Mário de Sá-Carneiro, Paris, Maio 1913


publicado por Ligeia Noire às 18:47

mais sobre mim
Agosto 2015
Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab

1

2
3
4
5
6
7
8

9
10
11
12
13
14
15

16
17
18
19
21
22

23
24
25
26
27
28
29

30
31


Fotos
pesquisar
 
arquivos