“We are like roses that have never bothered to bloom when we should have bloomed and it is as if the sun has become disgusted with waiting”.

29
Jul 14

 

07:45

 

Estou no quarto, sozinha, as cortinas não são opacas o suficiente para ocultarem a evidência da manhã que não quero aguentar, antes pelo contrário, são caramelizadas e transparentes.

Foram os melhores dias da minha vida, podia contar-te tudo mas não quero, foi um ritual de luz negra e vermelha de velas que só a nós pertence.

Cheiro-o em todo o lado, arrumo a garrafa de vodca polaca que o pai lhe ofereceu, a de sumo de maçã que comprámos numa pastelaria ao calhas (bolas, como ele gosta de sumo de maçã…) e a de água para o saco de lixo improvisado.

Ali está a toalha, ali, a um canto, deito-me na cama grande e tento dormir, não consigo, deito-me na pequena e fecho os olhos, durmo?

Se calhar dormi, não sei, não consigo respirar bem. Levanto-me um bocadinho, encosto-me à travesseira e fixo os olhos no vestido com que cheguei e que usei ontem também e que está, também, ali meio dobrado na cadeira, ainda deve cheirar a vinho verde branco fresco que nele foi entornado ontem, tenho de usar outra coisa… umas calças talvez, sim, umas calças e um casaco.

Está frio e nevoeiro, agradeço-te Supremo, agradeço-te pelo frio, preciso de acabar de fazer a mala, ver debaixo das camas, guardar os trocos na carteira, ir à casa de banho buscar o champô e a pasta de dentes… não me deixes pensar Supremo, olha, abrirei a janela e o ar matutino far-me-á sentir melhor.

Assim faço.

A vista é amontoada, grafitis por todo o lado, ah como os odeio! Aos rabiscos e a estas gaivotas que jamais se calam e que, em conluio com as melgas, me não deixaram dormir em condições.

Não penses, mantém-te ocupada.

Fomos ao alfarrabista do costume, não tinha os livros que procurava… levei a aparição por um euro, acho que o vou ler na estação, afinal de contas serão quatro horas de espera e preciso de escapar por um pouquinho que seja.

As lágrimas despontam outra vez, maldito sejas espaço e maldito sejas tu também ó tempo.

As gaivotas continuam o seu horrendo crocitar e o quarto parece-me uma masmorra, sinto-me a asfixiar.

Estou tolhida.

Amo-o e tento não pensar muito nisso para que os pulmões não se adelgacem mais… Quero ir embora deste sítio mas não quero ir embora na verdade.

Tenho medo e cheiro-o em todo lado.

Ontem, antes do jantar, não conseguia estancar o pranto, doíam-me tanto os olhos… Deveria brotar sorrisos borboleteantes e caricias doces mas ah Supremo… como me esmaga a dor da partida… sentia ali que não sabia ainda lidar com aquilo que sentia, quão pequena e marginal era eu perante tamanho tormento, tamanha abundancia de impossibilidade.

Ele, silencioso, pôs o telemóvel a carregar e foi tomar banho, tirei os sapatos, apenas, e deixei que a lingerie me constringisse enquanto me enrolava e fechava os olhos para que tudo ficasse bem.

Em cima da cama repousavam os discos que ele comprou umas horas antes e a caixinha vitoriana que me ofereceu, caixinha de madeira tão bonita… ao olhá-la vem-me à memória o entusiasmo da senhora comigo, com ele e com a nossa história. Embevecida contou-me sobre si e sobre a sua paixão por todas as coisas belas e delicadas que tinha na loja e de que eu também gostei muito. Perguntou-me coisas, apresentou-se, ah o sonho americano ainda, suspirou ela (ele zombou quando lho traduzi no caminho de regresso). Ele estava lá ao fundo com o marido dela, Alberto, assim se chamava o dono. O Alberto ia-lhe mostrando velhos leitores de vinil e máquinas de escrever, a esposa Maria mostrava-me nesse instante outra caixinha de madeira com arabescos na tampa e forrada a veludo verde, havia um baúzinho de madeira negra e floreados brancos mais bonito mas ela gostava mais da outra.

 Olhei-o enquanto este se deliciava com a máquina de escrever de teclas brancas que estava encostada à parede numa mesinha. A que a mãe lhe ofereceu de madeira envernizada, clara é mais bonita, mais graciosa, pensava eu.

Ele percebia que eu e ela falávamos dele porque mencionei o seu nome, sorriu em protesto. A Maria pediu que voltássemos lá um dia, assentei e sorri, ofereceu-nos os discos e só cobrou a caixinha, ah as aventuras! A vida que só se vive aqui e uma vez, arrematou com ar quimérico e saímos.

Tudo isto se me revolvia na tempestade que desembocava do peito ao cérebro sem precedentes, enquanto repousava inquieta e em profusão de cabelos.

Ele lia na banheira e eu sentia que ia morrer de sofrimento contido. Tão difícil se nos apresenta a tarefa de desviar a atenção do indizível. Não havia coisa alguma em que pudesse desaguar o pensamento e subsequentemente me fosse abrir as narinas e descansar o peito.

Abri a janela e deixei que o ar nevoeirento e nocturno me abraçasse um bocado e chorei outra vez. Sentia-me partida e infinitamente desolada.

Regressado do banho, deitou-se na cama grande, abriu o livro e continuou a ler, fechei a janela, tentei pensar nas coisas mais banais e aborrecidas de que me lembrava. Ele chamou-me, chamou para que me deitasse ao seu lado, o direito.

Fechou o livro, talvez tivesse lido apenas duas páginas. Era um livro de capa castanho-escura, grosso e volumoso, sobre as aventuras do Crowley na Alemanha, acho, não sei, apenas acho porque estava preocupada, triste e a respirar às metades.

Ajudou-me, pausou-me, protegeu-me, beijou-me, abraçou-me, salvou-me como lhe é apanágio.

Tentámos ver televisão para que o tempo que não queríamos que passasse, passasse porque o tempo tem de, tem sempre de… ir, mover, circular, tic tac, tic tac.

Filme aborrecido de meados dos noventa, filme que me fez lembrar daqueles romances de bolso à venda nas tabacarias. O sono ia puxando as pálpebras, ele foi descansar um bocado para a cama pequena,

O tempo de passar deve ter passado um bocadinho porque acordei sobressaltada com o toque do telemóvel, soergui-me e atendi.

Eram horas.

O coração esquadrinhou-me as entranhas, abracei-o e peguei-lhe na mala mais pequena.

A noite fria e aveludada pelo nevoeiro deu-me um arrepio inesperado, palavras curtas, beijo curto, abraço espartilhado.

Colocámos as malas na bagageira, ele voltou-se, dissemos até breve e abraçámo-nos.

Partiu, foi, ido.

Eu… eu fiquei ali, mesmerizada, arreigada ao chão, cheia de frio com um vestido de chiffon negro pejado de flores silvestres, renda e que ainda cheirava a vinho branco porque tudo estava arrumado e nada mais havia para vestir e, também, porque achei doce acaso ser o mesmo com que o recebi.

Chorei, cravei as unhas nas conchas das mãos e fiquei ali, assim de madrugada, sombria, enquanto um varredor de ruas observava e seguia o seu caminho ao mesmo tempo.

Subi, embrulhei-me na cama e as lágrimas alojavam-se, quentes, no pescoço.

Amanheceu, não sei se dormi, estou aqui e amo-o e estarreço-me, não por ama-lo mas pelo sortilégio que tudo isto é.

E falar do porvir, de rotinas ou pessoas… mareia-me e desola-me.

A tristeza que sinto é só minha e é triste.

Encontrei o filho-da-lua, desatei o laço branco e agora quero dormir, estar sozinha e não me mexer muito porque ele já não está e eu continuo, perduro-me.

 

I will take you away with me.

Once and for all.

Time will see us realign.

 

publicado por Ligeia Noire às 14:41

08
Mar 12


Ontem, na minha correria para o átrio a que uma amiga chamou das andanças do Robin dos Bancos, reparei por entre as japoneiras num rapaz que me parecia o ruivo, sim esse mesmo, as mesmas vestes cinzentas, e o mesmo capuz, estava de costas mas aqueles passos pesados e indiferentes… talvez não fosse, talvez não fosse.

Tenho-lhe muitas saudades, foi um dos que mais me fez esticar a corda e o mais carregado de acasos e, claro, o que melhor me perfez o Frankenstein.

Hoje, pelo caminho, reparei num quadro vivo na esplanada de um café onde a catraiada da escola básica gosta de palrar.

Numa mesa amarela, com cadeiras amarelas, estava uma senhora ou seria senhorita?

Não sei, a aproveitar o céu azul e o sol outonal.

Lembrei-me do Mário de Sá-Carneiro…

A mulher dominava o cenário de preto acutilante vestida, de saltos que tocavam o céu, espraiava-se inteira numa esplanada deserta.

Não se movia, não tinha o olhar num outro mundo, como costuma suceder às raras figuras que me prendem os olhos mas tinha-o ali, presente mas no cimo de uma montanha, um olhar feito de adagas de gelo.

Gosto deste meu passatempo, mais do que enrolar os cabelos nas pontas dos dedos mas menos que raptar flores, gosto demasiado de observar e, às vezes, acontecem estes quadros bonitos, de pessoas que tingem o círculo da imobilidade.

Bem, mas vamos aos assuntos pequeninos. 

 

Don’t run from me, I won’t bother counting one, two, three

 

Uma das coisas em que descobri estar errada, é no cansaço a que me permito em relação a determinar pessoas, apercebo-me de três ou quatro traços e não me amolo mais em pô-las à prova.

Ora bem, que dizer, quando brincava em desatar ou não os laços...

Hoje reparo que fiz bem em mantê-los atados. 

Já não me impressionas, afinal não és tão alto como julgas.

E tu, bem, tu nunca chegaste a ser considerada, enfastiaste-me antes disso, ao contrário do primeiro exemplo, tu quiseste subir à pressa, desleixadamente.

De ti, não foi preciso recuar, sempre estive sentada na sacada.

Enquanto lavava uma camisa branca e estroinava os ossos ao som da voz do maldito, reparei que as coisas pequenas são mesmo isso, pequenas.

E a ti, será que ainda faz sentido colocar-te num assunto dos grandes?

 

I’m weak, seven days a week

 

Yeah babe, é desta forma que sou fraca, de neve enrolada e de olhos escancarados e pálpebras fechadas, esperavas que me lançasse e amenizasse, era assim que me querias?

Foi por isso que me bateste à porta, três vezes?

Será por ser esse, o número perfeito?

Pena que o meu sempre tenha sido o sete.

É isso, percebeste bem, minha pungente flor-selvagem, vai batendo, bate durante a noite e de preferência à hora das bruxas.

Não, não vou abrir mas sabes o que me apetecia, assim, mesmo muito?

Sabes aquele castiçal de velas velhas?

Pois, esse mesmo.

Não achas que ficaria encantador no parapeito da janela, pois, eu também acho mas claro, as cortinas teriam de ficar bastante afastadas, não queremos um incêndio (alheio), certo?

As janelas brancas da casa de pedra, bem trancadas, a porta com a aldrava e os fósforos que sobraram do Inverno serviriam para iluminar de vermelho este velho castiçal e, como eu me deito tarde e as noites vão azuladas, nada melhor do que contemplar a mãe-lua e deixá-la trespassar-me o corpo.

Acetinar a pele traz-me sono.

Pois, se calhar até adormeço de cortinas abertas, está uma noite tão deliciosa, não te parece?

publicado por Ligeia Noire às 20:40

14
Jul 08

 

 I

 

O quarto está escuro, silencioso e vazio.

A música soa, as texturas dela assustam-me...

Fazem com que sinta o branco da parede a descolar-se e a dançar...

Dança pelo vazio, descendo, subindo e inundando a minha cabeça.

As cortinas ondulam, pesadas... sinto-lhes o peso.

Talvez porque as janelas estejam fechadas e o ar aqui dentro esteja morto e conturbado.

A cama esta quieta, muito quietinha.

Como se o meu peso a desinspirasse.

A música continua à minha volta e por momentos tive medo... porra como tive medo!

Aquele medo que nos esfria o corpo.

Nos esfria os ossos por dentro da carne.

A carne que sentimos a latejar...

 

 II

 

 Tive medo e quis acender a luz para toldar o escuro mais negro dos cantos mas esqueci-me de mudar a lâmpada ontem.

Resta-me abrir um pouco a janela por entre a cortina pesada que ondula.

 Estendo o braço e o coração salta, salto sem me mexer. 

Salto cá dentro, dentro do meu corpo.

Assusto-me porque, sem pré-aviso, a voz rasgou por entre os acordes...

Desesperada.

Raivosa.

Como se estivesse a penar por entre o nevoeiro que deambula lá fora.

O coração foi abrandando graças à paragem brusca.

Sustive-a porque já não aguentava mais... sou fraca... 

Tentei respirar bocadinhos da aragem orvalhada e densa que crescia lá fora.

Não havia luar nem estrelas.

O céu estava estéril e descolorido.

Voltei e desapertei o torniquete que a sustinha.

Soava agora um piano.

Um som pequenino que via lá ao fundo, junto à porta, com ganas de crescer.

A tinta tinha voltado a vestir as paredes de sempre.

Vi que as cortinas se tinham juntado à imobilidade da cama.

Esqueci-me de colocar flores neste quarto, esqueci-me.

Os meus olhos ainda percorrem os cantos que não querem luz.

Fechando-se com medo que a música lhes dê vida.

No entanto continuo, porque me é impossível deixar de ouvir.

 

 III

 

 Já não sei se estou aqui.

Continuo a sentir que não estou sozinha...

E, quando a música se engrandece do pequeno e difuso local à beira da porta, vejo-a levantar-se.

Flutua sem me deixar perceber a distância...

Abate-se sobre mim e fico inerte de corpo enquanto, cá dentro, o sangue escorre como se esperasse o golpe final.

Completamente desprotegida e com o coração aterrado.

Para lá da compreensão...

Para lá do dia...

A madrugada estende-se e coisas acontecem, brotam.

publicado por Ligeia Noire às 18:02

 

I


E, ela parou e com os olhos cobertos de neve perguntou:

«O que é mais nos dói?»

E ele respondeu:

«As recordações»

E a neve derreteu... 

 

 

II 

 

Ela continuava parada.

À espera.

Acho que todos estes dias ela esperou e esperou e nada do que quis chegou.

À noite, por entre paredes brancas que não são dela, o sono não chegava.

O sono não a abençoava com o silêncio, o descanso, a quebra de realidade.

As horas foram passando e, finalmente, os olhos fecharam e ela adormeceu.

A madrugada imperava e algo a interrompeu.

Abriu os olhos e viu.

E num relance decidiu que não valia a pena mostrar de novo a espera.

E desta vez o sono foi condescendente, e adormeceu-a até a manhã cair de sol...

 

 III


 A cabeça doía, o corpo não queria levantar.

O espírito encolhia mas tinha de ser.

Ela tinha de enfrentar a vida e vestir-se de robustez e fingimento.

Os dias têm-se sucedido depressa e, apesar disso ser bom,também é doloroso porque crescer dói... e o passado derrete a neve.

O passado é algo que só se pode recordar.

Só se pode chorar e chorar.

 

publicado por Ligeia Noire às 17:52
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20
Abr 07

 

Doem-me os olhos…

Acordei de forma abrupta e assustada.

Acho que hoje o medo se apoderou de mim e todos os pequenos e inesperados actos me assombram.

Não me sinto bem e preciso dizer-te.

Não me sinto bem e preciso de ajuda, cada vez tenho mais medo.

Diminuem as noites em que durmo sem me recordar de um pesadelo que me atemoriza até o conseguir diluir em rotina.

Não sei ao certo o que se passa comigo…

E não me consigo ajudar, só pioro as coisas, sinto-me sozinha cá dentro.

Sinto-me abandonada, tenho medo de sufocar, tenho medo de não conseguir suportar.

Sinto falta de alguém que me guarde dentro de si.

Sinto falta daquela amizade inexplicável.

Sinto falta de sonhos.

Sinto falta de coragem.

Sinto falta de concretizar algo por mais pequeno que possa parecer.

Sinto falta de contentamento, de me sentir capaz, considerada.

Gostava que se orgulhassem de mim...

Eles.

 

 

 


publicado por Ligeia Noire às 11:20
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