“We are like roses that have never bothered to bloom when we should have bloomed and it is as if the sun has become disgusted with waiting”.

22
Out 10


Hoje, ao olhar-me ao espelho do elevador, apercebi-me de que não tenho estado dentro de mim. Não sei quem sou, onde estou, por que estou...

Não sei por que acordo sempre arrasada de cansaço…

Quando me sento e oiço a voz monocromática, abro os olhos e não sei como ali vim parar.

Esqueço-me dos dias porque eles são todos monocórdicos.

Como se o tempo tivesse parado de tão depressa que se move.

Cada dia cresce mais pequenino, tão pequenino que eu deixei de os conseguir diferenciar.

Estou doente.

Se era essa a lição que tinha de aprender, acho que podes descansar, já admiti. Estou doente. Não sei como me deixei cair tão fundo, não sei como tenho suportado, não sei como tenho aparecido aos outros, não sei como tenho controlado isto, não sei como ignorei a imagem do espelho, não sei como me deixei cair. Não sei como a euforia me alberga durante horas e depois me deposita na mais dura e pesada tristeza que me arqueia as costas.

Não sei se se passaram dias longos como anos ou se foram anos e anos e mais anos sem dias. Não sei quando foi o momento crucial em que perdi a vontade. Não sei o que fiz ontem, por que me levantei hoje, o que disse ou o que comi... Só sei que a garganta, às vezes, se estreita e se suprime como agora e o coração me dói desmedidamente.

Sei das quantidades exageradas com que me fechava no quarto daquela casa nua e no dia seguinte ia trabalhar sem me ter levado.

Não se pode viver quando já se prescreveu. Não há mais nada para contar porque eu não sei pôr palavras no que cresceu na minha cabeça, na minha alma e nos meus olhos durante todos estes anos.

Nada veio, nada virá, o âmago fez-se cimento e é impossível dizer como me sinto. Acho que fui embora.

A dor é tamanha que estar acordada magoa.

publicado por Ligeia Noire às 00:23
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28
Ago 10

 

Durante as férias li dois livros.

Nada de especial, não fosse o facto, de os andar a tentar ler, há décadas!

No final da leitura fico sempre com a sensação de que o nada é o que importa, de que já tudo foi dito, feito, sentido, perguntado, procurado, cantado, escrito mas não respondido.

Talvez, talvez quando tudo estiver claro perceba o sentido da existência humana.

Sei o que me é caro e o que me prende, de resto tudo se resume a um imenso vazio de coisas que baloiçam.

Daqui.

Dali.

De lá.

Para cá.

Vai.

Vem.

O próximo livro que vou intentar deixou-me imersa, umas boas horas da madrugada, a pensar nas drogas. E atrás delas veio tudo o que cabe nesse saco, o sexo, o amor, a amizade, a arte. Enfim, tudo o que nos suporta a alma. Tudo o que nos aproxima do divino. Todas essas substâncias que nos revelam o perigo, o mundo, a travessia da fronteira.

Tudo o que nos dá prazer é escapismo.

A beleza é a mais casta das suas formas, a mais ambivalente e fértil.

Adornar o corpo, transformá-lo, controlá-lo, oferecê-lo, destruí-lo… As formas primitivas e intuitivas de prazer que derramam essa beleza multiforme nos olhos do espírito.

Quem se quer ver ao espelho?

Quem estará do outro lado?

A tenra sedução da liberdade, do esquecimento, da elevação.

O mundo prossegue mantendo o jardim do Éden, aliás, todo ele é o jardim do Éden.

Uma balança inimitável que alberga o bem e o mal em cada um dos seus pratos, um cabaz encoberto, uma lista de compras.

E o ser humano, na sua multiplicidade de olhos, escolhe o ângulo por onde verá, um só prato.

O Supremo não é múltiplo, é uno e pela sua unidade, não há divisões, tudo é um todo, tudo é pertença a si.

 

Libera me, Domine, de morte aeterna

 

porque tudo o que procuro nesta constante queda é a finitude.

publicado por Ligeia Noire às 03:10

18
Nov 09


Olho para ambos os lados e sinto que já não vale a pena.

Como se tivesse andado e andado e continuasse a não vislumbrar o final do caminho.

Pior do que morrer é viver.

Viver já sabemos o que é.

Sinto-me desapontada.

Desapontada, tão desapontada.

Quando penso na minha mãe… sinto-me desapontada comigo.

Quando penso no meu pai… sinto que nunca irei conseguir cumprir.

Quando penso nos meus irmãos… desejo que o tempo volte.

Será que naquele dia… quando andávamos à procura de santieiros sabíamos que iríamos crescer?

Fico a ver as pessoas andarem, falarem, manifestarem-se e percebo o que tenho: cansaço de viver, cansaço de andar, de comer, de falar, de estudar, de trabalhar, de ter de, de fazer.

Cansaço de me sentir desapontada, indiferente.

Cada vez me enrolo mais e não consigo parar.

Como se tudo fosse nada.

Na semana passada ocasionou-se beber um cálice de aguardente, já não bebia há tanto tempo (e não por falta de vontade) adormeci como um pântano.

publicado por Ligeia Noire às 00:25
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18
Set 09


Prelúdio


Viam-se-lhe os pés no fundo do vestido.

O corpo dobrado no baloiço.

As estrelas tinham pé e andavam no veludo.

A noite vestida de nevoeiro.

Para a frente, para trás, os ramos.

O movimento recortava o silêncio.

As árvores ondulavam com placidez.

Noite morna.

Sem seguimento.

Esperava-se calmamente, na apatia de quem mecanicamente espera.

Aquele tempo em que, se fosse uma estória, não haveria pontas.

Há o ali.

O agora.

A cabeça lateja no quarto.

A semana de precária finda-se.

Criei-me contra mim.

Alimento um parasita.

O sangue é em dobro.

Não há paz.

Não acredito em mim.

Uso.

E vitimizo.

A cabeça continua aqui.

Tenho medo.

Estou vazia do lado esquerdo e direito.

Estão vazios os lugares que me rodeiam.

Não tenho vida neste mundo.

Acho-me secular.

 

I 

 

 Hoje faço anos.

 

Enquanto continuaste a crescer eu estanquei no meu buraco lodoso.

Não quero magoar ninguém.

Todos os outros sou eu.

E eu sou todos eles.

Só existe Deus no mundo.

E todos eles são a repetição de Deus.

A sua viagem experimental por vários casulos.

Sofremos em doses abismais porque Ele é desmedido.

Sofremos como deuses.

Sofremos num só.

Diz-se, que à noite, existe só a verdade das almas e, de dia, a mentira dos corpos.

Eu estou no limbo, não sou metade verdade, nem inteira mentira.

Precisa-se de abundância para morrer.

Porque todas as janelas estão lacradas

Todas as portas são demasiado pequenas.

De um lado e do outro.

A pequenez da impossibilidade.  

 

II


 

  É a morte distendida no meu peito

 

Forçando a continuação miraculosa.

Olhos pesados noite após noite.

Corpo estendido.

Pesadelos que cheiram a instabilidade.

Enrolar-me num novelo e hibernar até ter vontade de estar…

Às vezes chega tão forte e tão violenta que nada a ofusca.

Rebenta-me dentro do peito e o sangue aguado distende-se.

Fico absorta até ao topo, cheia, como uma lâmpada acesa há dias.

E enchem-se os meus braços.

Brotam os meus olhos.

Cerram-se os meus dentes.

E, por fendas nas costas e nos dedos, escorre.

 

 

III 

 

 Aqui, ali e também acolá

 

Às vezes, apetece-me ouvir raiva.

Às vezes, apetece-me saber que vocês estão partidos.

Todos.

Vai e vem.

Vai e vem, sempre.

Eternamente.

Sinto-me desalojada.  

IV


 

Tudo e em todo o lado

 

O que será que move o mundo?

O que nos move?

Qual é a essência?

Por não querermos andar, será que perdemos as pernas?

As estórias de princípio, meio e fim são aquilo que mais recordo.

Mas à medida que crescemos e nos embrenhamos na vida, mais distorcemos o passado, mais sobrevivemos ao presente e mais adormecemos o porvir.

A vida é uma estória mal contada e sem pés nem cabeça. 

 

 

V


A dama de paus

 

Sete, o número.

O corpo que não se pode dobrar.

Diz que sabe mas usa a maldade para colher a distracção, de buracos no corpo estático.

Não conhece a estabilidade cerebral.

Tem medo do outro.

E tem cabelos virginais.

As coisas especiais são mantidas em coma, para que o seu cérebro não lhes toque e as distorça.

É a dama de paus.

A flor a fingir.

O corpo de máscara de vida transviada.

Dorme.

Não dói.

A antecâmara.

Lembro-me.

Sou uma velha de séculos.

Perdida neste mundo.

Uma velha que prossegue a reencarnar em sítios deslocados e pessoas que não são dela.

Não tens culpa, disseste-me para dormir.

Eu sou asfixiante.

O estado de embriaguez.

O estado de corrosão.

O sentido de anestesia.

A antecâmara.

Não dói.

Dorme.


VI


 

A religião cristã nasceu do sangue, proliferou pelo sangue e só será lavada pelo sangue.


 

 VII


 

A espada que te fere é aquela que te salva

 

Perdoar de olhos fechados

O que te ficou eu não quero.

Uma montanha sem escadas nem carreiros.

Precisava de poder carpir.

Carpir o que criei com aquelas sementes.

Como é fácil ao corpo a sepultura disse um dia Camões. 

 

 

VIII


 

Conta-me uma história

 

Conta-me uma história.

Sou uma ovelha.

Uma ovelhinha de lã branca.

E não sei de nada.

De nada sei eu.

Ando por terras desconhecidas.

Marcam-se carreiros ardilosos nas minhas patas descobertas.

Deslizo por entre um pardo pântano, saio de lá rã e procuro matar a fome.

Tenho a pele viscosa e as folhas mortas cobrem-na.

Agora sou boneca.

E os meus olhos não se movem, as pálpebras fecham-se sobre eles.

 

24 de Agosto, 2009


publicado por Ligeia Noire às 15:03
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